segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Numa Brasília que busca blindagem, quem a perdeu fixa preço, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Bolsonaro inverte o jogo e mostra que a unidade da direita deveria interessar mais a quem ainda não perdeu sua liberdade

O Centrão pretendia relegar o bolsonarismo a uma máquina recauchutada de votos posta para trabalhar em troca de uma promessa futura de indulto. A candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) mostra que o ex-presidente quer conjugar o verbo no presente e trocar um indulto por anistia. Vale-se, para isso, do ambiente conturbado no Congresso com a queda de braço com o Supremo Tribunal Federal. A blindagem que, em diferentes gradações, tanto parlamentares quanto togados temem perder já não é mais uma amarra para Jair Bolsonaro. Por isso, paradoxalmente, é quem tem mais liberdade no tabuleiro.

É isso que se depreende dos primeiros movimentos do primogênito, com o anúncio de sua pré-candidatura na sexta e sua primeira entrevista neste domingo. A gaiatice com que fala do “preço” para negociar sua candidatura, propondo lances aos jornalistas presentes, é a demonstração de quem sabe das dificuldades postas na mesa. O Centrão e seu candidato, o governador Tarcísio de Freitas, têm pressa, mas a escala de tempo de quem tem uma pena de 27 anos a cumprir, e pelo menos sete em regime fechado, é outra.

A carteira da OAB, que lhe franqueia visitas mais frequentes ao pai, dá ao senador a prerrogativa de ser seu interlocutor preferencial. Foi assim que o primogênito do ex-presidente tornou-se a fonte, inclusive do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, administrador de empresas de formação, de que é o escolhido do ex-presidente para disputar a Presidência da República em seu lugar. E é também nesta condição que se apresentará aos presidentes de partido com quem se reúne nesta segunda - Costa Neto, o senador Ciro Nogueira (PP-CE), Antonio Rueda (União) e o deputado federal Marcos Pereira (Republicanos), além do líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (RN).

O mau-humor do Ibovespa na sexta respondeu à indisposição de Bolsonaro em aderir à candidatura de Tarcísio, mas os desdobramentos só confirmaram que Bolsonaro está para jogo. E que Flávio é o canal desta negociação. Se não for oferecido aquilo que o bolsonarismo quer, da anistia do pai ao espaço nos palanques regionais, a família vai de candidatura própria. Que pode ser Flávio - “um Bolsonaro diferente, mais centrado e que conhece Brasília”, como se definiu neste domingo - ou não.

O que falta em Flávio Bolsonaro de viabilidade eleitoral lhe sobra de capacidade de negociação. É quase o inverso de Michelle, que tem viabilidade e capacidade de negociação, mas quer fazer seu próprio grupo político dentro do PL, impermeável aos enteados.

Antes de se anunciar como o escolhido do pai, Flávio foi obrigado a se desculpar junto à ex-primeira-dama e a recuar da costura do PL no Ceará, onde o presidente local do partido, o deputado federal André Fernandes, pretendia firmar uma aliança para apoiar a candidatura do ex-ministro Ciro Gomes ao governo do Estado, contrariando o apoio anunciado por Michelle ao senador Eduardo Girão (Novo-CE).

Michelle resgata a antipolítica cavalgada pelo marido em sua ascensão à Presidência em 2018 ao se insurgir contra uma aliança, no Ceará, com aquele que, até outro dia, chamava Bolsonaro de “picareta do baixo clero”. É muito mais temida pelo entorno de Tarcísio do que Flávio, como o Datafolha de domingo o confirmou.

O telhado de vidro do senador, exibido à exaustão pelo próprio Ciro Gomes, das rachadinhas à casa de R$ 6 milhões em Brasília com juros subsidiados do BRB, pode ganhar um adendo. Sua mobilização em frente à casa do pai, disfarçada de vigília, no dia em que Bolsonaro violava a tornozeleira eletrônica, presumivelmente para fugir, pode vir a colocá-lo como alvo do STF por obstrução de justiça.

Abertura à negociação não tem faltado a Tarcísio, que tem prestigiado até mesmo aliados que abrigaram tentativas de proteger as finanças do crime organizado - do deputado federal e relator do PL Antifacção, Guilherme Derrite (PP-SP), ao governador do Rio, Claudio de Castro, litigante em defesa da Refit. A dúvida é se, além de sobreviver à prisão de Jair Bolsonaro, esta aliança entre a direita e a extrema-direita o fará também em relação à ofensiva redobrada do Estado policial lulista. A reação negativa de potenciais dos alvos, com quem Flávio Bolsonaro se reunirá, à divisão deste campo demonstra que a expectativa de poder e de blindagem andam juntas.

 

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