O Globo
A política do confronto permanente
praticada pelo governo Bolsonaro vem testando nossas instituições democráticas
à exaustão. Enquanto problemas reais se acumulam – desemprego, inflação, crise
energética... -, nossas energias foram sugadas na semana passada para agendas
que em nada dialogam com as prioridades urgentes do país. Esse modus operandi
não se restringe apenas à política. Em maior ou menor grau, está em todas as
áreas, inclusive na educação.
Um pequeno exemplo do desgaste que essa postura traz pôde ser visto no debate a respeito da isenção de taxa no Enem para candidatos que haviam faltado ao exame de 2020, ocorrido ainda em período intenso da pandemia. Apesar do pleito de secretários, parlamentares, estudantes e movimentos da sociedade civil, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, vetou a possibilidade de gratuidade aos alunos que, segundo ele, “deram de ombro” ao Enem passado.
As consequências disso eram previsíveis,
mas ficaram mais óbvias quando foram divulgadas estatísticas mostrando a
redução mais intensa no número de candidatos negros, pardos e indígenas, os
mais prejudicados com a medida. O tema, que poderia ter sido resolvido com
sensibilidade e diálogo, chegou ao STF, que determinou na semana passada a
reabertura das inscrições. Com um calendário já extremamente apertado, o Inep
terá que achar uma solução para o problema, e uma das possibilidades em
discussão é adiar o exame.
Em situações normais, não há nada de errado
em exigir de estudantes beneficiados pela isenção e que faltaram ao exame
anterior justificativas para o não comparecimento. No contexto excepcional de
uma pandemia, todo esse desgaste poderia ser evitado com um pouco de
sensibilidade e bom senso, qualidades em falta neste MEC sob gestão
bolsonarista.
Vale lembrar que um cavalo de batalha
parecido já havia sido armado em 2020, quando o então ministro Abraham
Weintraub se negava de início a debater a possibilidade de adiamento da prova
naquele ano, o que acabou ao fim acontecendo, apesar de toda a retórica em
contrário.
O atual ministro pode não adotar o mesmo
tom de voz raivoso e conflituoso de seu antecessor, mas, na prática, também
escolhe a dedo as palavras que usa quando quer agredir. Foi o caso do debate
recente sobre a política de inclusão nas escolas públicas, taxada pejorativamente
de “inclusivismo” por Milton Ribeiro. Mais uma vez, o saldo de declarações
infelizes – como dizer na sequência que os alunos com deficiência atrapalham os
demais – num assunto tão sensível foi tão grande que o ministro precisou pedir
desculpas públicas em nota oficial.
A questão é que – à semelhança do que
ocorre no caso do presidente Bolsonaro – são poucos os que acreditam nesses
recuos ou pedidos de desculpas rotineiros após a criação de polêmicas
desnecessárias. É como se o setor educacional vivesse sempre em compasso de
espera da próxima crise a ser gerada, enquanto, na vida real, as escolas
precisam lidar com os desafios reais que a pandemia trouxe para milhões de
estudantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário