terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Pedro Cafardo: Crescer vale mais que a “reforma da reforma”

Valor Econômico

Para economista, país tem que pensar no longo prazo, inclusive do ponto de vista sanitário

Voltou à discussão no país a questão da reforma trabalhista de 2017. O estopim foi uma declaração do ex-presidente Lula sobre a eventual revisão da reforma caso ele retorne à Presidência da República em 2023.

A intenção do ex-presidente já provocou manifestações de preocupação do provável candidato à vice-presidência na chapa de Lula, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Também deu origem a críticas de lideranças empresariais e de desafetos de Lula, entre eles o ex-presidente Michel Temer, que sancionou a reforma em 2017.

Antes de discutir a “reforma da reforma”, seria importante saber se a nova legislação vem cumprindo seus objetivos, uma vez que já se passaram mais de quatro anos desde a sua entrada em vigor, em 11 de novembro de 2017.

E quais eram esses objetivos? O primeiro, mais teórico, era modernizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aprovada no longínquo governo Getúlio Vargas, em 1943. O segundo, mais prático, modificar uma legislação que garantia direitos considerados excessivos ao trabalhador, muito onerosos ao empregador e que estariam dificultando a criação de empregos e o crescimento da economia. Os burocratas chamam isso de “flexibilização” das leis trabalhistas, usando um dos eufemismos corriqueiros para tornar mais branda e menos agressiva a redução de direitos.

É difícil avaliar o cumprimento desse segundo e mais importante objetivo nos últimos quatro anos. Foi um período complicado, com recessões, campanha presidencial polarizada e pandemia, eventos que bagunçaram a atividade econômica. Mas a criação de empregos e a expansão da economia foram pífias no período.

Talvez seja possível, porém, tirar algumas conclusões com base em experiências recentes da União Europeia. Desde os anos 1980, muitos países da UE realizaram reformas em suas legislações trabalhistas que igualmente “flexibilizaram”, com maior ou menor ênfase, as obrigações dos empregadores. Entre várias medidas, os países reduziram custos de demissões, permitiram o uso de contratos de trabalho atípicos (prazo fixo, tempo parcial, com agências de trabalhadores) e cortaram compensações no caso de extinção desses contratos. Argumentava-se que grande parte da contenção da expansão de empregos se dava em razão do custo da proteção excessiva ao trabalhador.

Dois professores espanhóis, Jesús Ferreiro e Carmen Gómez, da Universidade do País Basco, procuraram verificar se a menor proteção oferecida pelas novas legislações teria tido alguma influência na geração de empregos na UE. O paper(*) avaliou o desempenho em 21 países da região nas áreas do emprego e desemprego durante a “Grande Recessão” de 2008 a 2012.

Nesse período, os países registraram enormes diferenças de desempenho. A taxa de crescimento do emprego variou, por exemplo, de -18,8% na Grécia a +15,3% em Luxemburgo. O crescimento das taxas de desemprego variou de -3,1 pontos percentuais na Alemanha a +16,6 pontos na Espanha. Um detalhe: o estudo não analisa efeitos da reforma trabalhista espanhola, feita em 2012 e cuja revisão foi negociada e aprovada no início deste ano pelo atual governo do presidente Pedro Sánchez. Essa “reforma da reforma” vem servindo de referência para o discurso de Lula.

O trabalho dos dois economistas é técnico e detalhado, usando índices da OCDE para estabelecer o nível de proteção da legislação trabalhista em cada país, mas apresenta algumas conclusões claras. Por exemplo: a “flexibilização” maior ou menor das legislações não está associada a um melhor ou pior desempenho do emprego; as reformas aprovadas para reduzir a proteção do emprego para trabalhadores permanentes e temporários não tiveram impacto significativo no emprego; fortes aumentos do desemprego ocorreram igualmente em países com alta “flexibilidade”.

Ferreira e Gomez concluem que o trabalho comprova a importância de medidas de estímulo ao crescimento econômico como determinante do mercado de trabalho durante a Grande Recessão. Assim, deixam implícita a sugestão de que, mais que preocupações com flexibilizações nas legislações trabalhistas, os governos devem dar prioridade à implementação dessas medidas de estímulo, elas, sim, naturais promotoras da expansão do emprego.

Esse pode ser um bom caminho para os candidatos brasileiros que vão entrar, nos próximos meses, em luta feroz para chegar à Presidência da República.

A adoção de legislação moderna é importantíssima para as boas relações do trabalho, a saúde dos trabalhadores e a produtividade das empresas. Faz todo sentido discutir, entre outros itens, se a jornada pode ser estendida até 12 horas; se o banco de horas pode ser efetivado por acordo individual; se o tempo de descanso pode ser negociado ou não; se as férias podem ser parceladas; se acordos coletivos vão se sobrepor à legislação; se o contrato de trabalho será ou não encerrado mediante acordo e com pagamento de metade da multa de 40% do FGTS; se a homologação da rescisão será no sindicato ou na empresa; se os empregos permanentes serão incentivados.

Tudo isso é importante e deve ser discutido. Mas essa legislação, seja ela mais ou menos “flexível”, não terá efeito relevante se não houver crescimento por meio de políticas de estímulo à demanda. São elas que mais impulsionam a criação de empregos. Essa foi a conclusão dos economistas espanhóis com base no estudo do que ocorreu de 2008 a 2012.

Há porém, um ponto crucial nesse debate: o imposto sindical. Lula já indicou que não é favorável à volta da contribuição obrigatória, nos termos da velha CLT, mas certamente vai tentar alterar, se eleito, pelo menos essa norma, aquela que acabou com a obrigatoriedade do pagamento do tributo. Trata-se de uma mudança político-estratégica, porque a reforma de 2017 tirou bilhões de reais anuais dos orçamentos dos sindicatos e os enfraqueceu financeira e politicamente. De alguma forma, Lula tentará recuperar esses recursos perdidos por suas bases sindicais. Seu dilema, porém, é claro: para fazer isso, terá de ir buscar pelo menos uma parte desses bilhões perdidos no bolso do trabalhador.

(*); Employment protection, employment and unemployment rates in European Union countries during the Great Recession, Journal of Economic Policy Reform. (doi.org/10.1080/17487870.2020.1855175).

 

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