Valor Econômico
Para economista, país tem que pensar no
longo prazo, inclusive do ponto de vista sanitário
Voltou à discussão no país a questão da
reforma trabalhista de 2017. O estopim foi uma declaração do ex-presidente Lula
sobre a eventual revisão da reforma caso ele retorne à Presidência da República
em 2023.
A intenção do ex-presidente já provocou
manifestações de preocupação do provável candidato à vice-presidência na chapa
de Lula, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Também deu origem a
críticas de lideranças empresariais e de desafetos de Lula, entre eles o
ex-presidente Michel Temer, que sancionou a reforma em 2017.
Antes de discutir a “reforma da reforma”,
seria importante saber se a nova legislação vem cumprindo seus objetivos, uma
vez que já se passaram mais de quatro anos desde a sua entrada em vigor, em 11
de novembro de 2017.
E quais eram esses objetivos? O primeiro, mais teórico, era modernizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aprovada no longínquo governo Getúlio Vargas, em 1943. O segundo, mais prático, modificar uma legislação que garantia direitos considerados excessivos ao trabalhador, muito onerosos ao empregador e que estariam dificultando a criação de empregos e o crescimento da economia. Os burocratas chamam isso de “flexibilização” das leis trabalhistas, usando um dos eufemismos corriqueiros para tornar mais branda e menos agressiva a redução de direitos.
É difícil avaliar o cumprimento desse
segundo e mais importante objetivo nos últimos quatro anos. Foi um período
complicado, com recessões, campanha presidencial polarizada e pandemia, eventos
que bagunçaram a atividade econômica. Mas a criação de empregos e a expansão da
economia foram pífias no período.
Talvez seja possível, porém, tirar algumas
conclusões com base em experiências recentes da União Europeia. Desde os anos
1980, muitos países da UE realizaram reformas em suas legislações trabalhistas
que igualmente “flexibilizaram”, com maior ou menor ênfase, as obrigações dos
empregadores. Entre várias medidas, os países reduziram custos de demissões,
permitiram o uso de contratos de trabalho atípicos (prazo fixo, tempo parcial,
com agências de trabalhadores) e cortaram compensações no caso de extinção
desses contratos. Argumentava-se que grande parte da contenção da expansão de
empregos se dava em razão do custo da proteção excessiva ao trabalhador.
Dois professores espanhóis, Jesús Ferreiro
e Carmen Gómez, da Universidade do País Basco, procuraram verificar se a menor
proteção oferecida pelas novas legislações teria tido alguma influência na
geração de empregos na UE. O paper(*) avaliou o desempenho em 21 países da
região nas áreas do emprego e desemprego durante a “Grande Recessão” de 2008 a
2012.
Nesse período, os países registraram enormes
diferenças de desempenho. A taxa de crescimento do emprego variou, por exemplo,
de -18,8% na Grécia a +15,3% em Luxemburgo. O crescimento das taxas de
desemprego variou de -3,1 pontos percentuais na Alemanha a +16,6 pontos na
Espanha. Um detalhe: o estudo não analisa efeitos da reforma trabalhista
espanhola, feita em 2012 e cuja revisão foi negociada e aprovada no início
deste ano pelo atual governo do presidente Pedro Sánchez. Essa “reforma da
reforma” vem servindo de referência para o discurso de Lula.
O trabalho dos dois economistas é técnico e
detalhado, usando índices da OCDE para estabelecer o nível de proteção da
legislação trabalhista em cada país, mas apresenta algumas conclusões claras.
Por exemplo: a “flexibilização” maior ou menor das legislações não está
associada a um melhor ou pior desempenho do emprego; as reformas aprovadas para
reduzir a proteção do emprego para trabalhadores permanentes e temporários não
tiveram impacto significativo no emprego; fortes aumentos do desemprego ocorreram
igualmente em países com alta “flexibilidade”.
Ferreira e Gomez concluem que o trabalho
comprova a importância de medidas de estímulo ao crescimento econômico como
determinante do mercado de trabalho durante a Grande Recessão. Assim, deixam
implícita a sugestão de que, mais que preocupações com flexibilizações nas
legislações trabalhistas, os governos devem dar prioridade à implementação
dessas medidas de estímulo, elas, sim, naturais promotoras da expansão do
emprego.
Esse pode ser um bom caminho para os candidatos
brasileiros que vão entrar, nos próximos meses, em luta feroz para chegar à
Presidência da República.
A adoção de legislação moderna é
importantíssima para as boas relações do trabalho, a saúde dos trabalhadores e
a produtividade das empresas. Faz todo sentido discutir, entre outros itens, se
a jornada pode ser estendida até 12 horas; se o banco de horas pode ser
efetivado por acordo individual; se o tempo de descanso pode ser negociado ou
não; se as férias podem ser parceladas; se acordos coletivos vão se sobrepor à
legislação; se o contrato de trabalho será ou não encerrado mediante acordo e
com pagamento de metade da multa de 40% do FGTS; se a homologação da rescisão
será no sindicato ou na empresa; se os empregos permanentes serão incentivados.
Tudo isso é importante e deve ser
discutido. Mas essa legislação, seja ela mais ou menos “flexível”, não terá
efeito relevante se não houver crescimento por meio de políticas de estímulo à
demanda. São elas que mais impulsionam a criação de empregos. Essa foi a
conclusão dos economistas espanhóis com base no estudo do que ocorreu de 2008 a
2012.
Há porém, um ponto crucial nesse debate: o
imposto sindical. Lula já indicou que não é favorável à volta da contribuição
obrigatória, nos termos da velha CLT, mas certamente vai tentar alterar, se
eleito, pelo menos essa norma, aquela que acabou com a obrigatoriedade do
pagamento do tributo. Trata-se de uma mudança político-estratégica, porque a
reforma de 2017 tirou bilhões de reais anuais dos orçamentos dos sindicatos e
os enfraqueceu financeira e politicamente. De alguma forma, Lula tentará
recuperar esses recursos perdidos por suas bases sindicais. Seu dilema, porém,
é claro: para fazer isso, terá de ir buscar pelo menos uma parte desses bilhões
perdidos no bolso do trabalhador.
(*); Employment protection,
employment and unemployment rates in European Union countries during the Great
Recession, Journal of Economic Policy Reform. (doi.org/10.1080/17487870.2020.1855175).
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