EDITORIAIS
Um Orçamento a serviço da reeleição
O Estado de S. Paulo
Áreas sem cortes expõem escolhas de
Bolsonaro: tudo pela eleição, nada pelo País.
A sanção do Orçamento deste ano traduz em
números a predominância da disputa eleitoral sobre as necessidades do País e
consolida o sequestro de verbas públicas pelo Centrão com aval do governo. Com
quase 95% da peça orçamentária direcionada para despesas obrigatórias – que
incluem pagamento de servidores e de benefícios previdenciários –, o Executivo
tinha pouca margem de manobra para cortes, mas conseguiu uma folga adicional ao
dilatar o teto de gastos, desmoralizando um instrumento que funcionava como
âncora fiscal e dava credibilidade às contas públicas. É justamente por isso
que os alvos e áreas blindadas de tesouradas precisam ser analisados com rigor,
pois representam de forma cristalina as escolhas de Jair Bolsonaro e dos
partidos que o apoiam: tudo pela eleição, nada pelo País.
Do total de R$ 3,184 bilhões cortados, mais
da metade seria destinada aos Ministérios do Trabalho e da Educação. Serão R$
988 milhões a menos para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Na pasta
da Educação, os vetos atingiram o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), responsável pela transferência de recursos a Estados e municípios, com
R$ 499 milhões. A peça orçamentária terá o menor valor para investimentos
federais de toda a história, com R$ 42,3 bilhões, equivalente a 20% do volume
autorizado há dez anos. O Ministério com a maior quantidade de recursos para
esse fim não será o da Infraestrutura, que sofreu o quinto maior corte entre as
pastas, mas o da Defesa, com R$ 8,8 bilhões. Como esse dinheiro impulsionará o
esquálido crescimento econômico é uma incógnita. Não foram poupadas nem mesmo
verbas de R$ 11 milhões para a Fiocruz, que tem tido papel fundamental na
produção de vacinas contra a covid-19. Na área de Saúde, outro alvo foram as
ações para saneamento em comunidades rurais e remanescentes de quilombos, com
R$ 40 milhões.
Previsivelmente, foram blindados os valores destinados às emendas de relator, que garantem o apoio dos parlamentares ao governo por meio do chamado orçamento secreto, revelado pelo Estadão. Superior às dotações de vários Ministérios, a verba de R$ 16,48 bilhões passou incólume pelos vetos. Deputados e senadores terão à sua disposição R$ 35,6 bilhões para atender a seus interesses paroquiais neste ano. Para facilitar a vitória dos aliados, o Executivo não tocou no Fundo Eleitoral, que terá R$ 4,96 bilhões – mais que o dobro de 2020 e quase o triplo de 2018. A depender de novos e prováveis remanejamentos e da evolução dos resultados das pesquisas eleitorais, o fundão poderá ser elevado para até R$ 5,7 bilhões.
Tampouco foram atingidos por cortes os
recursos assegurados para o reajuste de servidores federais, de R$ 1,7 bilhão.
É evidente que o valor é insuficiente para todos os funcionários públicos, de
forma que deverão ser contempladas apenas as forças de segurança formadas por
potenciais eleitores bolsonaristas – Polícia Federal, Polícia Rodoviária
Federal e Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Essa escolha, porém, é
mantida sob “sigilo” para tentar conter a revolta das demais categorias e
eventuais greves.
O corte foi bem inferior à necessidade
apontada pelo Ministério da Economia, de R$ 9 bilhões. Técnicos já haviam
observado que o Congresso tinha subestimado os valores necessários para
despesas obrigatórias. Agora, no entanto, quem manda no dinheiro do
contribuinte é o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, enquanto o ministro da
Economia, Paulo Guedes, assiste inerte à destruição da credibilidade fiscal do
País em um misto de oportunismo e síndrome de Estocolmo.
O direcionamento de verbas públicas para
interesses eleitorais não é incomum na história brasileira, mas poucas vezes se
viu de forma tão clara a sanha de um presidente em busca da reeleição e o custo
de sua aliança política como no Orçamento deste ano. Resgatar o poder de
elaboração e execução da peça orçamentária, tarefa inerente ao Executivo e
tomada pelo Legislativo com aval do governo, será uma meta árdua e indispensável
do próximo presidente.
Dinheiro curto e o PIB de 2022
O Estado de S. Paulo.
Endividado e acuado pela inflação e pelo
desemprego, o consumidor pouco poderá contribuir para a expansão econômica
Com muita dificuldade para manter as contas
em dia, o consumidor pouco poderá fazer, neste ano, para impulsionar a
atividade e favorecer um desempenho econômico superior àquele projetado, até
agora, pelos economistas do mercado. O calote é hoje uma fatalidade para
milhares de pessoas esforçadas, honestas e empenhadas em liquidar suas dívidas.
No ano passado, 64,3% das pessoas bemsucedidas, em 2020, na renegociação de
compromissos voltaram a falhar pelo menos uma vez nos pagamentos, segundo a Boa
Vista, empresa especializada em análise de créditos. Essa falha, batizada como
“reinadimplência”, ocorreu em 51,8% dos casos em 2019 e em 53,1% no ano
seguinte. A evolução desses números é uma das marcas da administração federal implantada
há pouco mais de três anos.
Importante fator de movimentação dos
negócios, o endividamento das famílias converte-se em perigosa armadilha quando
a fraqueza da economia se combina com inflação elevada, crédito caro e um longo
período de alto desemprego. O empobrecimento da maioria dos brasileiros,
facilmente perceptível nos últimos dez anos, agravou-se a partir de 2019,
quando se interrompeu a lenta recuperação econômica iniciada em 2017, depois do
tombo recessivo de 2015-2016. O retrocesso econômico e social incluiu o aumento
dos moradores de rua, o aumento dos domicílios nas classes D e E e também o
ressurgimento da fome. Na passagem de 2020 para 2021, cerca de 20 milhões
caíram na pobreza extrema, abandonados pelo poder federal e forçados a depender
do auxílio dos concidadãos para a sobrevivência.
Comer, morar sob um teto, dar um mínimo de
condições à família e, se possível, pagar as contas continuarão sendo enormes
desafios para os trabalhadores pobres, um contingente ampliado na última década
e especialmente nos últimos três anos. Quem conseguiu algum posto de trabalho
depois do desemprego teve que aceitar menor remuneração, mesmo numa vaga
formal, como aponta reportagem do Estadão publicada no último domingo.
Além disso, quanto mais longa a desocupação,
maior a dificuldade para uma nova admissão, como já haviam mostrado vários
levantamentos. A condição do desempregado se agrava quando ele tem baixa
qualificação ou quando ele se torna incapaz de atender às novas necessidades
técnicas das empresas, num ambiente de rápidas mudanças. Incapaz de promover
atividade suficiente para a redução substancial do desemprego, o poder federal
tem falhado, igualmente, em promover a qualificação e a atualização da mão de
obra. O treinamento tem dependido principalmente da ação de federações
empresariais e de iniciativas de governos de Estados.
Além de ter a renda reduzida pelas más
condições do mercado de trabalho, o brasileiro tem sido forçado a enfrentar uma
forte alta de preços. A inflação superou 10% no ano passado e poderá chegar a
5,15% em 2022, ficando novamente acima do teto da meta oficial (5,25% em 2021 e
5% neste ano). Segundo as medianas das projeções do mercado, os juros básicos
atingirão 11,75% até dezembro e o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá 0,29%.
Quatro semanas antes ainda se estimava uma
expansão de 0,42%. Para 2023 o cálculo aponta um avanço de 1,69%, inferior às
taxas normalmente estimadas – entre 2% e 2,5% – para o médio e o longo prazos.
Se o número projetado para 2022 estiver
correto, o desempenho econômico do ano só será superior, no mandato do
presidente Jair Bolsonaro, ao de 2020, quando a atividade foi devastada pela
covid-19 e o PIB encolheu 3,9%.
Falando sobre as preocupações em relação a 2022, empresários consultados pelo Estadão mencionaram a pandemia, as incertezas decorrentes das eleições e o quadro macroeconômico, marcado por desaceleração da atividade e inflação ainda alta, embora menor que a de 2021. A doença ainda preocupa, mas houve algum aprendizado nos últimos dois anos, assinalaram entrevistados. Poderiam arredondar sua descrição, facilmente, mostrando como as incertezas políticas se combinam com a inflação e o baixo crescimento. Analistas do mercado já chegaram lá.
Bolsonaro tem dever de evitar o pior em
2022
O Globo
É responsabilidade do presidente Jair
Bolsonaro começar a tomar as medidas necessárias para evitar um desastre
econômico em 2022 ainda maior do que o vivido pelo Brasil nos últimos anos.
Mantido o histórico de inação, incompetência e cálculo político míope, o país
será palco de mais fome, desemprego e falta de dinamismo econômico neste ano e
no próximo. Está nas mãos do presidente a chance de impedir o pior.
Dado nosso grau de fragilidade fiscal, foi
um erro Bolsonaro ter sancionado o Orçamento de 2022 mantendo R$ 1,7 bilhão
reservados para o reajuste de servidores. Trata-se de pura politicagem barata.
É uma tentativa de garantir os votos dos eventuais beneficiados pela medida nas
eleições deste ano, mesmo que isso prejudique o resto da população. A deterioração
na credibilidade do governo de gerir as próprias contas de forma responsável e
sustentável é a maior causa da desconfiança crescente dos investidores locais e
estrangeiros em relação ao Brasil.
Uma pesquisa debatida no Fórum Econômico
Mundial, em Davos, feita com 4.400 executivos em 89 países, mostra que o Brasil
atrai menos interesse dos presidentes de empresas globais. Na comparação com o
ano anterior, o país recuou duas posições e é o décimo no ranking dos
principais mercados estratégicos. Entre 2011 e 2013, ocupávamos a terceira
posição, logo atrás de Estados Unidos e China. Hoje, a maior preocupação dos
altos executivos estrangeiros no mercado brasileiro é justamente a
instabilidade econômica. Não chega a ser uma surpresa.
Com a inflação em dois dígitos, o Banco
Central, sob uma direção independente, tem aumentado os juros na tentativa de
controlá-la. Mas Bolsonaro só atrapalha. Age como se não houvesse futuro. Com a
ajuda do Centrão, manda gastar o que pode e o que não pode para tentar garantir
sua reeleição. Negar a gravidade da pandemia é outra de suas estratégias
contrárias ao interesse dos brasileiros.
Não é raro ouvir o presidente falar em amor
à nação e patriotismo. Pena que tão pouco disso seja percebido nas suas ações.
A hora de começar a agir é agora. As estimativas de crescimento para a economia
brasileira em 2022 já pioraram. A projeção de mísero 0,42% em dezembro já está
em 0,29%, segundo as opiniões captadas pelo Boletim Focus, do BC. Os casos de
infecção pela variante Ômicron do coronavírus não param de subir. É incerto o
impacto dessa e de outras cepas que porventura surgirem.
No exterior, os ventos estão mudando. O
Fed, banco central americano, já avisou que, diante da inflação recorde,
encerrará a fase de estímulos à economia e iniciará um ciclo de alta de juros.
A primeira alta poderá ocorrer em março. Outras estão previstas. Juros mais
altos nos Estados Unidos costumam significar saída de investidores de países
emergentes. Com taxas maiores no mercado americano, cai o apetite dos estrangeiros
pelo risco de países como o Brasil. Com um populista como Bolsonaro em busca de
reeleição, risco é o que não falta por aqui. Mostrar um mínimo de
comprometimento com o país ajudaria num ano que tem tudo para ser desafiador.
Será pedir muito?
Ministério da Saúde precisa rever decisão
que reabilita o ‘kit Covid’
O Globo
É inaceitável a decisão do Ministério da
Saúde de rejeitar diretrizes da Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) sobre o “kit Covid”, que reúne
medicamentos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus, como
cloroquina, ivermectina e azitromicina. A Conitec propôs que essas drogas —
que, além de ineficazes, podem causar efeitos adversos graves — não sejam
usadas no SUS, nem em tratamento ambulatorial nem em pacientes hospitalizados.
Procedimento óbvio, diante das evidências científicas e das orientações da
Organização Mundial da Saúde (OMS).
No entanto, uma nota técnica publicada na
sexta-feira pelo secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos
Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, conduziu a saúde
brasileira aos labirintos do obscurantismo ao ignorar o parecer da Conitec.
Mais do que a rejeição em si, a decisão afronta a ciência pelos argumentos
estapafúrdios. Em suas justificativas, Hélio Angotti disse que a elaboração das
diretrizes da Conitec “passou por processos de grande tumulto” e chegou ao
cúmulo de afirmar que as vacinas não têm eficácia nem segurança demonstradas
contra a Covid-19, mas a cloroquina sim, absurdo que não encontra respaldo na
ciência.
O médico e professor da Universidade de São
Paulo (USP) Carlos Carvalho, coordenador do grupo de trabalho que debateu a
questão durante meses, se disse surpreendido pela decisão e anunciou que pedirá
revisão da nota técnica ao ministro Marcelo Queiroga. A rejeição ao parecer da
Conitec causou indignação também nas comunidades acadêmica e científica, que
divulgaram notas de repúdio à decisão.
Discutir cloroquina a esta altura é
totalmente fora de propósito. No início da pandemia, quando se conhecia pouco
sobre a Covid-19 e não havia vacinas contra o novo coronavírus, o debate ainda
fazia algum sentido. Mas ainda em 2020 pilhas de estudos comprovaram que o
medicamento não era eficaz contra a doença e ainda trazia riscos aos pacientes.
Na verdade, o parecer da Conitec rejeitando o “kit Covid” veio tardiamente, não
por culpa da comissão, mas pela pressão dos negacionistas, entre eles o próprio
presidente Jair Bolsonaro.
O país não pode perder tempo com discussões
ultrapassadas. A Ômicron tem levado a recordes diários do número de infectados.
A disparada de casos já está pressionando os sistemas de saúde, que, além do
aumento da demanda, sofrem com os afastamentos de profissionais. A vacinação
tem de avançar, principalmente entre as crianças.
O ministro Queiroga precisa rever
urgentemente a decisão de seu secretário. Em depoimento na CPI da Covid, em
junho do ano passado, Queiroga reconheceu que medicamentos como
hidroxicloroquina, cloroquina e ivermectina não tinham eficácia comprovada
contra a Covid-19. Espera-se que mantenha a posição. Deveria também
restabelecer a verdade sobre a eficácia da vacinação. É hora de corrigir o rumo
e se concentrar no que realmente importa.
Infância protegida
Folha de S. Paulo
Ante desatinos de Bolsonaro e Queiroga,
pais agarram chance de vacinar crianças
A baixeza do governo no trato da pandemia
se revelou por inteiro na ofensiva contra a vacinação de crianças. Felizmente
Jair Bolsonaro e seu ministro da Saúde vão sendo derrotados mais uma vez.
Nada menos que 79% dos brasileiros aprovam
imunizar meninas e meninos de 5 a 11 anos, tal como autorizado pela Anvisa. A
maior parte da população não dá ouvidos ao negacionismo bolsonarista.
No último lance absurdo dessa claque
ideológica, o Ministério da Saúde rejeitou
a contraindicação da hidroxicloroquina expedida pela Comissão Nacional
de Incorporação de Tecnologias no SUS.
O parecer do comitê havia sido usado como
pretexto pelo ministro Marcelo Queiroga, na CPI da Covid, para esquivar-se de
rejeitar o medicamento preconizado como panaceia pelo presidente.
Agora, em documento para justificar a
recusa da opinião técnica, sua pasta chegou ao cúmulo de afirmar que a droga
conta com evidência de eficácia, e as vacinas, não.
A confiança na Anvisa está ganhando de
lavada, porém. A tradição criada pelo Programa Nacional de Imunizações fala
mais forte para calar a antipropaganda.
Menos de dez dias após iniciada a aplicação
da vacina na nova faixa etária, até domingo (23), só na cidade de São
Paulo, quase
111 mil crianças a receberam. Perfazem, assim, mais de 10% do público alvo
da coorte na capital.
Em boa hora fracassou a manobra ensaiada no
Planalto de exigir pedido médico para a imunização de infantes. Bolsonaro
contou, para tal desatino, com a cumplicidade de Marcelo Queiroga.
Efetivada, haveria configurado medida
excludente, fadada a prejudicar mais os pobres. Famílias afluentes não
demorariam a conseguir o papel carimbado, enquanto as demais teriam de
enfrentar aglomerações e filas de espera em estabelecimentos públicos de saúde.
Crianças compõem o último contingente
populacional em que o novo coronavírus ainda circula sem resistência.
Vaciná-las é um imperativo inadiável, de modo a estancar a privação de ensino
presencial e convívio com os pares.
Tal obrigação, entretanto, tem dois
desafios hercúleos pela frente. Um, fazer chegar imunizantes a todas as
crianças no país, em especial as de estados atrasados na vacinação de adultos.
Em seguida, há que acelerar as análises
para incluir também os menores de cinco anos. Esta
é a faixa mais vulnerável, na qual ocorreram 79% das 1.544 mortes de
crianças de 0 a 11 anos no país —número que só um presidente desalmado
consideraria insignificante.
Panorama indigno
Folha de S. Paulo
Censo da população de rua explicita em
dados chocantes o que era visível em SP
Aos 468 anos de São Paulo, completados
nesta terça-feira (25), os paulistanos podem atestar em números o que já era
possível notar a olhos vistos: o avanço
dramático do número de moradores de rua em meio à pandemia.
Encomendado pela gestão de Ricardo Nunes
(MDB), o novo censo dessa população mostra que até dezembro de 2021 havia
31.884 sem-teto na cidade, ante 24.344 contados em 2019 —alta de 31%. Em
relação a 2015, a quantidade dobrou.
De fato, a presença de moradores de rua,
antes mais concentrada nas regiões centrais, espalhou-se pela metrópole mais
rica do país, inclusive em bairros nobres. Por todo lado há gente em condições
degradantes, debaixo de viadutos e marquises, perambulando ou dormindo ao
relento, quando não instaladas em pequenos acampamentos sob lonas e barracas de
camping.
A explosão dessas moradias improvisadas e
indignas evidencia um novo perfil captado pela pesquisa: o total de famílias
que foram parar na rua quase dobrou em dois anos.
Dos 31.884 entrevistados que não têm um
lar, 8.927 afirmaram viver com ao menos um familiar —em 2019, eram 4.868. Pais
com filhos, mulheres, casais, idosos ou quem foi para a rua há pouco optam
pelas barracas de camping com o intuito de manter alguma privacidade e a
sensação de segurança.
Vítimas da inflação, da fome e do
desemprego que assolam o país, parte dos novos sem-teto —assim como outros que
vivem só ou padecem de dependências químicas— não encontra nos abrigos
municipais uma alternativa a contento. Pelo menos 60% preferem as calçadas aos
centros de acolhimento.
Abrigos provisórios, se não combinados com
políticas de acesso a trabalho e habitação, revelam-se limitados. Não à toa,
arrumar um emprego fixo (47,5%) e ter uma moradia permanente (23,1%) são os
fatores apontados como fundamentais para sair dessa situação.
Se por óbvio alguma mudança implica
retomada da atividade econômica, geração de empregos e redução da desigualdade,
cabe à administração municipal, também, ampliar a sua rede de proteção. Um novo
programa da prefeitura prevê construir casas de 18 m² para as famílias que
vivem nas ruas, com ocupação limitada a 12 meses.
Trata-se de um começo diante de um desafio colossal, haja vista a dificuldade enfrentada pelos entrevistadores na abordagem dos sem-teto. Com razão, teme-se que os dados, já chocantes, estejam subestimados e prejudiquem as novas políticas —que, espera-se, sejam adotadas celeremente para atenuar essa vergonha paulistana.
Desafios na volta às aulas no terceiro ano
de pandemia
Valor Econômico
Setor privado sentirá os reflexos do atraso
na educação causado pela pandemia
Inúmeros desafios aguardam estudantes e
professores na retomada das aulas neste ano. Será necessário lidar com a
implementação de projetos já previstos, mas ainda em fase de testes e
detalhamento, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a reforma do Ensino
Médio e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Como se tudo isso não bastasse, terão que enfrentar as lacunas no aprendizado
causadas pelo fechamento das escolas e a tendência à evasão escolar.
O impacto de dois anos de pandemia na
educação e o que esperar deste ano foram analisados por dez especialistas em
uma série de cinco lives realizadas na semana passada pelo Movimento LED - Luz
na Educação -, parceria da área de Valor Social da Globo e do Valor. O Movimento LED,
idealizado pela Globo e pela Fundação Roberto Marinho, busca expor iniciativas
que estão transformando a educação no Brasil.
A pandemia acelerou a digitalização da
educação, forçando o recurso ao ensino à distância, quando a ausência de
vacinas para a população mais jovem impedia as aulas presenciais. Embora
eficiente, o ensino à distância não foi uma panaceia. Muitos brasileiros não
têm computador ou tablet em casa, nem cobertura de internet de qualidade. Há 70
milhões de brasileiros mal conectados ou desconectados da rede global, disse um
dos participantes da série, Ronaldo Lemos, presidente da Comissão de Tecnologia
e Inovação da OAB-SP.
Lemos disse que o Brasil até investe em
infraestrutura digital, mas carece de planejamento. Faltou material de apoio e,
muitas vezes, até mesmo espaço onde o aluno pudesse estudar, em momento em que
quase toda a família estava em casa. Ou seja, a pandemia expôs a desigualdade
social e seus reflexos na educação.
Não fossem as deficiências de
infraestrutura e a desigualdade, o próprio ensino remoto não é 100%
satisfatório. Os especialistas defenderam o ensino híbrido. Especialmente para
as crianças menores, que têm dificuldade de se concentrar por longos períodos à
frente do computador e precisam de assistência para fazer seus deveres.
Priscila Cruz, presidente-executiva da organização Todos Pela Educação,
lamentou o aumento do número de alunos analfabetos. O percentual dos que não
sabem ler aos 8 anos passou de 50% do total antes da pandemia para 75%.
Outra grave sequela da pandemia na educação
é a evasão escolar. Normalmente mais frequente entre os alunos mais velhos, que
precisaram buscar trabalho para complementar a renda familiar, a evasão ocorreu
também entre os alunos em fase de alfabetização. Estudo do FGV Social aponta
que os alunos mais novos foram os mais prejudicados. Antes da pandemia, 1,41%
das crianças em fase de alfabetização, de 5 a 9 anos, estava fora da escola. O
percentual triplicou no terceiro trimestre do ano passado para 4,25%, depois de
atingir 5,51% no fim de 2020.
A evasão ficou estável na faixa de 10 a 14
anos; e até chegou a cair no grupo de 15 a 19 anos, de 28,95% em 2019 para
24,17% em setembro passado, embora siga extremamente elevada, e voltou a subir
depois disso. Estudo da Unicef divulgado ontem informa que um em cada dez
estudantes brasileiros de 10 a 15 anos não deve voltar às aulas quando a escola
reabrir.
Priscila Cruz não espera suporte do governo
federal à educação neste ano, dado o foco nas eleições e a experiência dos três
anos já decorridos do mandato de Bolsonaro, em que se desperdiçou tempo
discutindo questões como o homeschooling, escola sem partido, os temas da
redação do Enem e as ações do Inep. Evidência disso é o fato de que o
Ministério da Educação foi o segundo em corte de verbas no recém aprovado
Orçamento de 2022.
Como defenderam os participantes das lives,
o setor privado pode e deve ajudar, até porque sentirá os reflexos dos
estimados quatro anos de atraso na educação causados pela pandemia quando
precisar contratar funcionários no futuro. Priscila Cruz vê espaço para as
empresas pressionarem o governo em seus diferentes níveis para fazer a educação
avançar. Além disso, “a empresa tem de se descobrir como um espaço de
construção de aprendizado que vai além da formação técnico-profissional”,
afirmou João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho.
“Antigamente se dizia: daqui a tanto tempo
vou concluir meus estudos. A expressão está desatualizada. Não existe o momento
em que se para de aprender”, disse Cristovam Ferrara, head de Valor Social da
Globo.
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