O Globo
Não há mais grande debate sobre os rumos do
país. Isso é poesia diante da tarefa principal: obter o máximo de dinheiro
Vendaval, voos cancelados, tempo perdido nas cadeiras de Congonhas. A única saída é pensar. Uma palavra me veio à mente diante das crises sucessivas do poder em Brasília: entropia. Não a uso com o rigor da termodinâmica, mas no sentido de que algo está se decompondo, como uma barra de gelo. O governo em crise com o Congresso em crise com o Supremo parece ter entrado num labirinto assustador.
Minha tentativa, num canto do aeroporto, é
tentar achar a gênese dessa crise, reproduzir a frase inicial do romance de
Vargas Llosa: “Quando é que o Peru se fodeu?”. De modo geral, em livros e
artigos aponto o custo das eleições no Brasil, um dos mais altos do Ocidente.
Ele acabou afastando os políticos do povo. Na verdade, os meios para alcançar o
povo — marqueteiros e caros programas de TV — passaram a dominar o imaginário
político. Hoje, para reparar isso, o país dá R$ 5 bilhões aos partidos em cada
eleição.
No caso específico do Congresso, um marco
importante foi a descoberta de que o fisiologismo é a grande alavanca para
eleger presidentes. Desde Severino Cavalcante, isso ficou claro, e o tipo de
líder que surgiu não é só o que abandona os escrúpulos, mas o que interpreta
bem os interesses pessoais dos congressistas. Não há mais grande debate sobre
os rumos do país. Isso é poesia diante da tarefa principal: obter o máximo de
dinheiro e dar o mínimo de transparência a sua aplicação.
O Supremo tentou conter esse movimento, desde
Rosa Weber. Mas em vão. O STF tem uma retaguarda frágil. Os supersalários do
Judiciário são um ponto de vulnerabilidade. Mas o que corroeu seu prestígio foi
a decisão de que parentes podem advogar, e os ministros não precisam se
declarar impedidos ao julgar as causas de clientes de escritórios em que seus
familiares trabalham.
A primeira grande crise se deu quando a
Receita pesquisou as contas das mulheres de Gilmar Mendes e Dias Toffoli, ambas
advogadas. Toffoli era presidente do STF e designou Alexandre de Moraes para
instaurar o inquérito das fake news, que perdura até hoje. No princípio,
chegaram a censurar a revista Crusoé por ter falado das ligações de Toffoli com
o dono da Odebrecht.
Toffoli e Moraes se fortaleceram. Coube ao
primeiro anular processos e multas da Lava-Jato. Ao segundo, coordenar a luta
contra o avanço da extrema direita. A eclosão do escândalo do Banco Master traz
à tona os problemas que resistiram à Lava-Jato e à própria derrota da extrema
direita. A questão inicial, soterrada por tantos fatos históricos importantes,
continuava viva: os parentes e as fortunas que se fazem nessa advocacia
familiar.
Toffoli anulou multas bilionárias da JBS, e
sua mulher chegou a trabalhar para a empresa. Toffoli viaja em jatinho com um
advogado do Banco Master e resolve impor sigilo ao escândalo financeiro. No
celular do dono do Master aparece um contrato com a mulher de Alexandre de
Moraes, Viviane Barci, num valor de R$ 3,6 milhões por mês.
Olhando para trás, vê-se que a Receita estava
num caminho válido. As contas das mulheres dos ministros saíram de cena e
entraram as fake news. Mas o problema que se queria evitar ressurge com toda a
força no escândalo do Master. Bem que Freud lembrava o famoso retorno do
reprimido. Aí está ele de volta.

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