- Valor Econômico
O morde e assopra avaliza o apelido Trump tropical
Ao comentar na última semana as preocupações do Banco Central com o cenário externo, o presidente da autarquia, Ilan Goldfajn, deixou claro à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado que a desaceleração da China é vista como um risco importante para o Brasil. Em audiência pública, Ilan disse discordar de argumentos de que a guerra comercial Estados Unidos - China possa favorecer o Brasil na medida em que potencializa a demanda do país asiático pela soja nacional. O perigo maior imposto pelo embate dos dois gigantes, segundo ele, é de desaquecimento da atividade chinesa. "Se a China desacelerar não é bom para o mundo e não é bom para o Brasil", afirmou.
O comentário foi de teor econômico, mas, o peso político da declaração é inevitável, dado os movimentos da equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, em torno da questão. Enquanto os mercados globais vivem dias de forte sobe e desce em reação ao desenrolar da dança Trump-Xi Jinping, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, não usou meias palavras para defender, em entrevista exclusiva ao Valor, uma "guinada" do Brasil na área comercial, em favor dos Estados Unidos.
Para Eduardo, que tem sido o porta-voz mais eloquente do entorno do pai para questões externas, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil por razões ideológicas. A sugestão é que, por uma escolha do governo petista, as transações comerciais com os chineses foram facilitadas e estimuladas, em detrimento das relações com os Estados Unidos. O argumento desconsidera que o aumento das exportações para a China não é um fenômeno que se restringe ao Brasil. Tampouco contempla o fato de que o crescimento acompanhou a aceleração do PIB chinês a partir do início do milênio.
As provocações de Bolsonaro filho vieram após uma trégua no tensionamento das relações entre o governo eleito e os chineses, marcada pela visita do embaixador chinês no Brasil, Li Jinzhang, a Bolsonaro pai, no início de novembro. O encontro aconteceu depois de um duro editorial do jornal estatal China Daily ter afirmado que o "Trump tropical" arriscaria gerar um custo pesado para a economia brasileira caso optasse por romper com Pequim. O texto era uma reação às críticas à China feitas por Bolsonaro durante a campanha eleitoral e também ao incômodo causado por uma visita do político brasileiro a Taiwan, ainda em fevereiro. Bolsonaro agradeceu a visita do embaixador pelo Twitter e afirmou no mesmo dia, em entrevista, que o comércio com o país asiático poderia crescer em seu governo.
Semanas depois, contudo, o diplomata Ernesto Araújo foi nomeado o futuro ministro de Relações Exteriores, sinal eloquente de que a China não está na lista de prioridades do próximo governo. Em artigo publicado em seu blog, Araújo teoriza que o Brasil "está chamado a participar de uma gigantesca luta mundial", que envolveria, entre vários aspectos, a luta "contra uma economia globalizada maoísta-capitalista centrada na China".
O morde e assopra avaliza o apelido Trump tropical. O presidente dos Estados Unidos, em outra escala e com efeitos incomparáveis para a economia global, também tem emitido sinais mistos sobre sua disposição de selar a paz com Pequim. Quatro dias depois de Trump e Xi Jinping anunciarem uma trégua na disputa comercial em encontro do G20 em Buenos Aires, gerando um rali nos mercados globais, veio à tona informação de que uma executiva do grupo chinês de telecomunicações Huawei havia sido presa no Canadá a pedido do governo americano. Mercados desabaram em todo mundo, inclusive no Brasil, reforçando o argumento do presidente do Banco Central.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi outro a alertar nos últimos dias para o perigo de o novo governo tomar partido na guerra comercial. Em evento organizado pelo Instituto RenovaBR, Fernando Henrique chamou a atenção para a vantagem que o Brasil tem ao "poder jogar com todos".
É evidente que, ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil não tem força econômica que lhe dê a liberdade de por em segundo plano uma parceria econômica como a que tem com a China.
O país asiático é nosso principal parceiro comercial - este ano respondeu por 24% da corrente de comércio total do país, gerando superávit para o Brasil. Como comparação, o comércio com os Estados Unidos representou 16% da corrente total, com déficit para os brasileiros.
Dados novos do Banco Central mostram que o volume de investimentos chineses no Brasil é maior do que apontavam as estatísticas divulgadas até então. Pela primeira vez o governo avaliou a origem dos investimentos estrangeiros levando em conta o país de residência do controlador efetivo das empresas que estão investindo em filiais no Brasil. Até então, o critério adotado, seguindo o padrão internacional, eram os países de origem imediata dos investimentos (que abarcam também os paraísos fiscais, por onde passa parte importante das operações).
Por esse novo critério, a estimativa do estoque do investimento chinês no país aumentou de US$ 1,8 bilhão para US$ 21 bilhões. O valor ainda é pequeno em relação ao saldo total de US$ 768 bilhões de investimentos estrangeiros no país - os Estados Unidos respondem por 15% desse valor e são o principal investidor. Contudo, quando se olha para o fluxo de novos investimentos é notório o aumento recente do peso da China. Em 2017, os chineses já foram responsáveis por 16% da entrada de investimentos estrangeiros diretos no Brasil. Do total de recursos trazidos ao país pela China no período 2014-2018, 65% foram direcionados a empreendimentos no setor de eletricidade.
Ainda durante a campanha eleitoral, o candidato Bolsonaro por mais de uma vez manifestou preocupação com o fato de os chineses estarem "comprando o Brasil". Os próximos anos vão mostrar até que ponto posições como essas eram simples bravatas ou se haverá, de fato, mudanças significativas no relacionamento bilateral que imponham limites à presença chinesa no Brasil e também ao comércio entre os dois países. Que o pragmatismo prevaleça.
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