Valor Econômico
Desembargador preso em investigação do crime
organizado não foi contido por órgão de correição, dirá por um código de ética
O presidente do Supremo Tribunal Federal,
Edson Fachin, tem se mobilizado, com eco, por um código de ética para a Corte.
Recebeu boas sugestões de juristas, reunidos pelo IFHC, e registra
manifestações públicas com abaixo-assinados como só acontece em momentos
divisivos para a nação.
Como se refere a um Poder que manda por
último na vida de todos, o tema tem tudo para municiar a pegada antissistema
que ameaça pautar os eleitores decisivos de 2026. Uma mobilização para dar
transparência à Corte pode gerar frustrações com repercussões nada
desprezíveis.
A prisão preventiva do desembargador Macário Júdice Neto, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, é um exemplo de como o acúmulo de desajustes no Judiciário pode dar abrigo até ao crime organizado. Se passou por baixo das pernas de uma instituição de controle dotada pela Constituição de mandato para agir, como o Conselho Nacional de Justiça, resta saber como um código de ética daria conta de contê-lo.
A história remonta a 2002 quando o advogado
Beline Ramos entrou com ação pelo reconhecimento de títulos do Império da ordem
de R$ 37 bilhões, à época. Os títulos, àquela altura, já não tinham liquidez,
eram “podres”, mas sua validade foi reconhecida.
O juiz de primeira instância da justiça
federal em Vitória (ES), Macário Júdice Neto, que os reconheceu, fez mais.
Postergou o pagamento de impostos para quando os títulos fossem negociados e
acatou a reclamação para que a União pagasse honorários ao advogado
arbitrando-os em 5% da causa, o equivalente a R$ 1,9 bilhão.
Neste momento, o Ministério Público Federal
entrou com um embargo de declaração. A iniciativa, do procurador Bruno
Calabrich, foi noticiada pelo site do MPF e atraiu a imprensa. A reportagem do
Jornal “A Gazeta” levou o juiz a processar o procurador por dano moral.
Este processo passou pelo STJ e chegou ao STF
em torno da pendenga se a competência seria da justiça estadual ou federal.
Regressou, enfim, ao TRF2 para que fosse finalizada a ação de dano moral. Nesse
meio tempo, em função de uma ação administrativa e outra, penal, o TRF e o STJ
acabaram por afastar Macário por 18 anos de suas funções, com vencimentos, como
acontece com os militares.
Na ação que o afastou, Macário era réu ao
lado do advogado da ação dos títulos podres do Império. Foi ainda arrolado por
fraude tributária em duas operações, uma delas na cervejaria Schincariol, que
levou Beline a ser preso, ao lado de um ex-suplente do senador Magno Malta (PL-ES).
O juiz que deu liminares para tentar salvar a empresa foi ele mesmo, Macário. A
dupla também foi pega num esquema de venda de liminar para a importação de
máquina caça-níqueis, e para favorecer o ex-presidente da Assembleia
Legislativa do ES, José Carlos Gratz, de notório envolvimento com o jogo do
bicho.
Com a anulação no CNJ, obtida graças ao
argumento de que o quórum de seu afastamento, pelo TRF2, havia sido
insuficiente, o juiz foi reincorporado ao judiciário em 2023. E, pelo critério
de antiguidade da Vara, tornou-se desembargador. Foi nesta condição que se
envolveu com o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar.
A despeito da reincorporação, o processo
contra Calabrich seguiu. Com um novo advogado, Eugênio Aragão, ex-ministro da
Justiça, Macário resolve voltar a uma questão vencida. O relator, ministro Dias
Toffoli, que já havia decidido pela ocorrência de ato funcional, mudou e
conclui que a suposta concessão de entrevista do procurador não o havia
caracterizado.
Toffoli ganhou a adesão dos ministros Gilmar
Mendes e André Mendonça. O ministro Edson Fachin puxa divergência. Nunes
Marques o acompanhou, convenceu Mendonça e o plenário virtual, da Segunda
Turma, parecia concluído em 3x2. Neste momento, Mendes pediu plenário
presencial e zerou o jogo. Dias atrás, Toffoli e Mendonça bateram boca e o
julgamento foi adiado. O advogado do procurador, Bruno Dall’Orto Marques,
preferiu não se manifestar.
O histórico desse processo, sob a lupa de
quatro instâncias do Judiciário e de seu órgão de correição, não inibiu o
desembargador, relator da investigação, no TRF2, que levou à prisão do deputado
estadual TH Joias, a encontrar o presidente Alerj. Na noite deste encontro,
Bacellar trocou mensagens com TH Joias, o informou da operação policial do dia
seguinte e recomendou a destruição de provas que o ligassem ao Comando
Vermelho.
O grau de intimidade e lealdade entre o
desembargador e o presidente da Alerj foi atestado pelas mensagens do celular
de Bacellar, além da nomeação, na diretoria-geral da Casa, da esposa de Macário.
Em nota, a defesa do desembargador diz que o ministro Alexandre de Moraes foi
“induzido ao erro” por ter concluído pela prisão do desembargador.
As acusações contra Macário se abrigam, entre
outros dispositivos, na Lei Orgânica da Magistratura, de 1979. A omissão do CNJ
na blindagem do Judiciário a uma facção criminosa não será corrigida pelo
código de ética.
Um exame sobre as razões pelas quais as
resoluções do CNJ, cada vez mais, suavizam normas antigas e contornam as
punições poderia trazer mais resultados. O Conselho não tem jurisdição sobre o
STF, mas um maior rigor em suas deliberações poderia desmontar as “árvores
genealógicas” do Judiciário, estabelecidas com a indústria de indicações nos
tribunais onde pontificam ministros da Corte.

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