quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Macário passou por baixo das pernas do CNJ. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Desembargador preso em investigação do crime organizado não foi contido por órgão de correição, dirá por um código de ética

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, tem se mobilizado, com eco, por um código de ética para a Corte. Recebeu boas sugestões de juristas, reunidos pelo IFHC, e registra manifestações públicas com abaixo-assinados como só acontece em momentos divisivos para a nação.

Como se refere a um Poder que manda por último na vida de todos, o tema tem tudo para municiar a pegada antissistema que ameaça pautar os eleitores decisivos de 2026. Uma mobilização para dar transparência à Corte pode gerar frustrações com repercussões nada desprezíveis.

A prisão preventiva do desembargador Macário Júdice Neto, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, é um exemplo de como o acúmulo de desajustes no Judiciário pode dar abrigo até ao crime organizado. Se passou por baixo das pernas de uma instituição de controle dotada pela Constituição de mandato para agir, como o Conselho Nacional de Justiça, resta saber como um código de ética daria conta de contê-lo.

A história remonta a 2002 quando o advogado Beline Ramos entrou com ação pelo reconhecimento de títulos do Império da ordem de R$ 37 bilhões, à época. Os títulos, àquela altura, já não tinham liquidez, eram “podres”, mas sua validade foi reconhecida.

O juiz de primeira instância da justiça federal em Vitória (ES), Macário Júdice Neto, que os reconheceu, fez mais. Postergou o pagamento de impostos para quando os títulos fossem negociados e acatou a reclamação para que a União pagasse honorários ao advogado arbitrando-os em 5% da causa, o equivalente a R$ 1,9 bilhão.

Neste momento, o Ministério Público Federal entrou com um embargo de declaração. A iniciativa, do procurador Bruno Calabrich, foi noticiada pelo site do MPF e atraiu a imprensa. A reportagem do Jornal “A Gazeta” levou o juiz a processar o procurador por dano moral.

Este processo passou pelo STJ e chegou ao STF em torno da pendenga se a competência seria da justiça estadual ou federal. Regressou, enfim, ao TRF2 para que fosse finalizada a ação de dano moral. Nesse meio tempo, em função de uma ação administrativa e outra, penal, o TRF e o STJ acabaram por afastar Macário por 18 anos de suas funções, com vencimentos, como acontece com os militares.

Na ação que o afastou, Macário era réu ao lado do advogado da ação dos títulos podres do Império. Foi ainda arrolado por fraude tributária em duas operações, uma delas na cervejaria Schincariol, que levou Beline a ser preso, ao lado de um ex-suplente do senador Magno Malta (PL-ES). O juiz que deu liminares para tentar salvar a empresa foi ele mesmo, Macário. A dupla também foi pega num esquema de venda de liminar para a importação de máquina caça-níqueis, e para favorecer o ex-presidente da Assembleia Legislativa do ES, José Carlos Gratz, de notório envolvimento com o jogo do bicho.

Com a anulação no CNJ, obtida graças ao argumento de que o quórum de seu afastamento, pelo TRF2, havia sido insuficiente, o juiz foi reincorporado ao judiciário em 2023. E, pelo critério de antiguidade da Vara, tornou-se desembargador. Foi nesta condição que se envolveu com o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar.

A despeito da reincorporação, o processo contra Calabrich seguiu. Com um novo advogado, Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, Macário resolve voltar a uma questão vencida. O relator, ministro Dias Toffoli, que já havia decidido pela ocorrência de ato funcional, mudou e conclui que a suposta concessão de entrevista do procurador não o havia caracterizado.

Toffoli ganhou a adesão dos ministros Gilmar Mendes e André Mendonça. O ministro Edson Fachin puxa divergência. Nunes Marques o acompanhou, convenceu Mendonça e o plenário virtual, da Segunda Turma, parecia concluído em 3x2. Neste momento, Mendes pediu plenário presencial e zerou o jogo. Dias atrás, Toffoli e Mendonça bateram boca e o julgamento foi adiado. O advogado do procurador, Bruno Dall’Orto Marques, preferiu não se manifestar.

O histórico desse processo, sob a lupa de quatro instâncias do Judiciário e de seu órgão de correição, não inibiu o desembargador, relator da investigação, no TRF2, que levou à prisão do deputado estadual TH Joias, a encontrar o presidente Alerj. Na noite deste encontro, Bacellar trocou mensagens com TH Joias, o informou da operação policial do dia seguinte e recomendou a destruição de provas que o ligassem ao Comando Vermelho.

O grau de intimidade e lealdade entre o desembargador e o presidente da Alerj foi atestado pelas mensagens do celular de Bacellar, além da nomeação, na diretoria-geral da Casa, da esposa de Macário. Em nota, a defesa do desembargador diz que o ministro Alexandre de Moraes foi “induzido ao erro” por ter concluído pela prisão do desembargador.

As acusações contra Macário se abrigam, entre outros dispositivos, na Lei Orgânica da Magistratura, de 1979. A omissão do CNJ na blindagem do Judiciário a uma facção criminosa não será corrigida pelo código de ética.

Um exame sobre as razões pelas quais as resoluções do CNJ, cada vez mais, suavizam normas antigas e contornam as punições poderia trazer mais resultados. O Conselho não tem jurisdição sobre o STF, mas um maior rigor em suas deliberações poderia desmontar as “árvores genealógicas” do Judiciário, estabelecidas com a indústria de indicações nos tribunais onde pontificam ministros da Corte.

 

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