- Valor Econômico
Diferencial de juros não explica alta recente da moeda americana
Muitos economistas chamaram a atenção sobre o risco de novos cortes de juros alimentarem ainda mais a alta do dólar. O Banco Central, porém, insiste que a política monetária opera independente da política cambial e que os juros podem cuidar apenas da inflação. Nessa controvérsia, a experiência empírica dá razão para o Banco Central.
A tese de que a política monetária é dominada pela política cambial não é, exatamente, nova. Em 2018, o BC chefiado por Ilan Goldfajn foi cobrado a subir juros para conter uma alta do dólar. Ilan seguiu a cartilha do regime de metas de inflação. Avisou que a política monetária iria reagir apenas se a alta do dólar causasse efeitos secundários na inflação. No fim, não precisou subiu os juros, e o tempo mostrou que ele estava certo.
Por trás dos receios sobre o impacto do corte dos juros no câmbio, há a teoria de que há duas classes de países. De um lado, os desenvolvidos, que podem usar a política monetária no equilíbrio interno de suas economias. De outro, os emergentes, com fundamentos mais frágeis, que pagam o preço da recessão e baixa inflação para assegurar o seu equilíbrio externo.
Participantes do mercado financeiro também têm apontado uma suposta contradição na estratégia do BC. A autoridade monetária vende dólares para conter o avanço descontrolado da moeda americana. Mas, em paralelo, anuncia cortes de juros, que tornam menos atrativo manter dinheiro no país e impulsionam o dólar.
O que falta nesses argumentos é justamente provar que os juros baixos estão acentuando a depreciação cambial. Os dias têm sido muito confusos, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, incluindo a crise do coronavírus, a guerra do preço do petróleo e a derrubada do veto que aumentou em R$ 20 bilhões a despesa com benefícios previdenciários. Neste ambiente, não é fácil determinar o que, exatamente, pressiona o dólar. Mas é possível excluir alguns culpados. O diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, disse em discurso na semana passada que, “no período mais recente, desde o início de 2020, o movimento agudo de depreciação do real não é explicado nem pela redução do diferencial de juros nem pelo risco-país”.
Serra apresentou os dados. Desde o começo do ano, o diferencial entre os juros domésticos e internacionais permaneceu basicamente constante, enquanto a taxa de câmbio entrava numa trajetória de depreciação. Quanto ao risco-país, também ficou estável na maior parte do tempo, exceto nos dias mais recentes.
“Ele está coberto de razão”, afirma o economista Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ribeiro desenvolveu um modelo que avalia a taxa de câmbio como uma variável financeira. Ele disseca os vários fatores que mexem com a cotação do dólar, incluindo o desempenho da moeda americana frente aos seus pares no exterior, os preços de commodities, aversão a risco global, o risco Brasil e o diferencial de juros no curto prazo. “Não é o diferencial de juros que está causando toda essa alta do dólar.”
Os cálculos mostram dois momentos distintos. Mais para o começo do ano, até a primeira semana de fevereiro, fatores externos explicaram toda a depreciação cambial, e o diferencial de juros teve efeito nulo. A partir de então, fatores externos responderam por 26% da depreciação, fatores domésticos (sobretudo ruídos políticos), por 76% da depreciação, e o diferencial de juros teve contribuição de 2% na direção contrária, atuando para apreciar a taxa de câmbio.
Alguns economistas alertam, porém, que nas condições atuais a resposta do câmbio a variações dos juros pode ser bem mais forte do que no passado. Haveria, segundo esse raciocínio, um ponto crítico em que as relações entre câmbio e juros se modificam. “Essa é apenas uma teoria, nunca foi demonstrada com rigor”, diz. Para tanto, seria necessário comprovar, com base em dados históricos, que o efeito do diferencial de juros no câmbio aumenta em determinadas circunstâncias. Não se conhece, até agora, estudo que mostre isso.
Segundo Ribeiro, o diferencial de juros pesou mais forte há cerca de três anos, quando a taxa Selic sofreu uma grande queda. Lá atrás, o diferencial de juros caiu de 14% ao ano para 4% ao ano, e foi decisivo para levar a taxa de câmbio do patamar de R$ 3,20 para R$ 4,00. Mais recentemente, os juros domésticos oscilaram menos. Recuaram de pouco acima de 4% ao ano para pouco abaixo desse percentual. Não há nenhuma indicação concreta de que tenha causado o salto do dólar dos últimos meses, de R$ 4,00 para perto de R$ 4,80.
“Parece um exagero colocar o câmbio como uma restrição à operação do regime de metas de inflação no Brasil”, diz Ribeiro. “O câmbio é, na verdade, é uma questão dentro do próprio arcabouço do regime de metas, na discussão sobre o repasse da alta do dólar na inflação e como afeta as expectativas de inflação.”
Outra alegação que carece de fundamentação empírica é que, neste momento, o corte de juros seria improdutivo, porque aumenta a inclinação na curva de juros - o que, na prática, representaria um aperto nas condições financeiras. Os modelos de projeção de inflação do Banco Central, porém, não consideram a inclinação da curva de juros, mas sim o nível dos juros no prazo de um ano.
Sob esse aspecto, a sinalização de corte de juros feita pelo Banco Central em 3 de março teve efeitos expansionistas. No dia em que foi divulgada a ata do Copom, os juros de um ano estavam em 4,35% ao ano. Nas semanas seguintes, com a disseminação dos receios com o coronavírus, o mercado passou a precificar a continuidade dos estímulos monetários, derrubando a taxa a 3,86% ao ano.
Depois do comunicado do BC sinalizando corte de juros, caiu ainda mais, para 3,76% ao ano. Ou seja, o estímulo monetário de fato ocorreu, afetando positivamente as condições financeiras.. De lá para cá, o juro de um ano subiu de novo, mas devido a prêmios de risco em um cenário doméstico e internacional mais incerto.
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