Deputado diz que Câmara poderá mudar meta fiscal, mas teto de gastos será mantido
Por Marcelo Ribeiro e Fernando Exman | Valor Econômico
BRASÍLIAO presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu o Valor na residência oficial já alertando: “De longe”.
O avanço do coronavírus não impôs apenas uma nova dinâmica para a entrevista, mas também para a atividade parlamentar, num momento em que o Congresso terá que combater os efeitos dessa crise, e na relação entre os Poderes.
Maia se disse “perplexo” com a participação do presidente Jair Bolsonaro nas manifestações contra o Legislativo e o Judiciário. Fora da entrevista, na rede social Twitter, bateu sem piedade. Mirou na questão da saúde, e não nas críticas que os manifestantes fazem às instituições.
“ O presidente da República ignora e desautoriza o seu ministro da Saúde e os técnicos do ministério, fazendo pouco caso da pandemia e encorajando as pessoas a sair às ruas. Isso é um atentado à saúde pública, que contraria as orientações do próprio governo”, escreveu.
Na entrevista, Maia cobrou que o presidente da República assuma a “cadeira de piloto” para a qual foi eleito, e demonstrou como a Câmara pode ajudar.
“A PEC do Teto de Gastos limita os gastos e é importante que a gente dê clareza aos investidores que ela não será cancelada”, destacou. “Mas ela tem uma previsão que em caso de catástrofe o governo pode editar projetos ou medidas de créditos extraordinários.”
Ele sinalizou, por outro lado, que uma alteração da meta fiscal que garanta recursos para o enfrentamento da crise não terá dificuldades no Congresso: “Este é um caso de catástrofe e precisa ficar claro. O orçamento do Ministério da Saúde não pode estar limitado por nada”.
Perguntado se o comportamento do presidente é incompatível com o cargo, o que em tese pode embasar um pedido de impeachment, o presidente da Câmara afirmou que o Congresso não agravará a crise. “Às vezes, me dá a impressão que o governo quer isso. Nós não seremos responsáveis por isso”, disse.
Valor: Antes das manifestações, o senhor estava com um discurso pacificador. O que muda a partir do que ocorreu no domingo?
Rodrigo Maia: Pacificador pelo tema [coronavírus], não pela relação com o governo. Eu sempre deixei claro que uma coisa são esses próximos três meses e outra coisa é depois dos três meses. Por mais que o que ocorreu hoje [domingo] seja gravíssimo, nós temos que ter paciência para dizer o seguinte: nós precisamos do piloto do avião no lugar correto. Nós não podemos repetir o filme “Apertem os cintos que o piloto sumiu”. Nós precisamos do presidente da República na cadeira de piloto. Essa é a cadeira para a qual ele foi eleito. Comandar o Brasil na crise, esse é o papel do presidente e só ele pode comandar o país nesta crise.
Valor: Como o senhor avalia a reação do governo em relação à pandemia e aos impactos econômicos dela decorrentes? Como o Congresso deve interagir com essa agenda do poder Executivo?
Maia: A agenda de hoje é muito diferente da de quatro ou cinco semanas atrás. Se a reação não for bem organizada pelo governo, nós teremos aumento do desemprego e da pobreza. Não podemos esquecer que o Brasil tem uma informalidade enorme. Muitos vão precisar entrar em quarentena, mas não têm outra renda. O que a gente espera é que o governo possa se organizar não apenas na saúde, mas tomar decisões para que o impacto em alguns setores seja minimizado. O que vai acontecer no setor de serviços, entretenimento? O setor de aviação, o de turismo? Alguns setores já estão dando férias coletivas ou demitindo.
Valor: A participação do presidente na manifestação não prejudica essa reação contra a pandemia?
Maia: Em um momento como este, cabe a todos os Poderes trabalhar em conjunto, unidos, para que os impactos desta crise sejam reduzidos. Infelizmente, não é o que a gente vem acompanhando nos últimos dias. Primeiro minimizou demais, depois chegou perto do coronavírus e no dia de domingo deu uma demonstração de total irresponsabilidade em relação a milhões de brasileiros. Mais do que isso: mandou um sinal desautorizando o seu próprio ministro da Saúde e sua equipe, quando recebeu uma orientação dela. Fez uma gravação junto com o ministro dizendo que não pode haver aglomerações e dois dias depois desautoriza a própria equipe da pasta.
Valor: É possível trabalhar em harmonia, um mandamento constitucional, tendo um chefe do Poder Executivo atuando contra os outros Poderes?
Maia: É difícil imaginar, em uma crise que pode ser até mais parecida com a depressão de 1929, um chefe do Poder Executivo desrespeitando seu próprio ministro da Saúde, sinalizando para a sociedade algo que é completamente equivocado em relação a tudo que todos os especialistas estão falando. Quando no início do crescimento mais forte dessa pandemia no Brasil a gente não vê o presidente comandando as ações e dando o exemplo, certamente é um momento de perplexidade para todos nós que queremos e vamos ajudar.
Valor: Deve-se esperar alguma reação por parte do Congresso?
Maia: Não vamos olhar para essas coisas, apesar de gravíssimas. Nós temos vidas em jogo e, neste momento, vamos cuidar dessas vidas. A pauta política, do debate, ficará para momento onde essa situação da pandemia esteja estabilizada, quando a gente tenha garantido a passagem por essa fase. Vamos tratar da política depois. Tenho certeza que o Senado e a Câmara dos Deputados não serão instrumento para nenhuma crise institucional, mas nós queremos e chegamos ao ponto de exigir que o governo comande o Brasil de forma definitiva e coordene os trabalhos em harmonia com os outros Poderes, para que todos nós possamos dar a nossa contribuição.
Valor: O governo federal também deve enfrentar desafios para cumprir a meta fiscal. Com qual horizonte o senhor trabalha?
Maia: O governo federal certamente vai ter queda da arrecadação. Certamente vai precisar mudar a meta para garantir o Orçamento funcionando até o final do ano. Vai precisar de recursos extras, acredito que para saúde. Temos que estar com o Orçamento aberto. A PEC do Teto de Gastos limita de forma correta os gastos, mas há nela uma previsão de crédito extraordinário, de gastos extras em caso de catástrofe. Este é um caso de catástrofe e precisa ficar claro. O orçamento da Saúde não pode estar limitado por nada.
Valor: Do ponto de vista prático o governo está demorando o anúncio de mais medidas?
Maia: Na área da saúde está caminhando. Na área econômica, é claro que os impactos acontecerão. Mas ninguém tem a projeção correta. A Nova Zelândia reduziu mais uma vez a taxa de juros [a entrevista foi dada antes da decisão do Fed]. Esse é o caminho? Quais outras decisões? Se a arrecadação cair, vai ter que mudar a meta. É esse o caminho? Numa hora como esta, não adianta trabalhar com as regras que nós estávamos trabalhando até o final do ano passado.
Valor: Há uma pressão de alguns partidos para que se reveja o teto de gastos.
Maia: A PEC do Teto de Gastos limita os gastos e é importante que a gente dê clareza aos investidores que ela não será cancelada. Não. Não vamos cancelar a PEC do Teto, mas ela tem uma previsão que em caso de catástrofe o governo pode editar projetos ou medidas de créditos extraordinários. Tenho certeza que nenhum brasileiro vai achar que o governo desorganizou a suas contas porque amanhã o ministro Mandetta pode precisar de mais R$ 10 bilhões ou R$ 15 bilhões. Não estou dizendo que precisará, mas esta hipótese tem que estar garantida.
Valor: Podemos interpretar que a agenda pós-coronavírus vai impor dificuldades ao governo?
Maia: A dificuldade do governo é que a sua agenda, do meu ponto de vista, muitas vezes não está conectada com os problemas da vida real dos brasileiros. O governo focou numa agenda correta, mas não é a única agenda.
Valor: A decisão do presidente de ir às manifestações pode dificultar a aprovação de projetos que teriam consenso?
Maia: Acho que não. Acho que essa semana tudo que for relacionado ao coronavírus será aprovado, porque tudo terá consenso. Parlamentares estarão prontos para votar e construir acordo sobre projetos que venham do governo para proteção da vida das pessoas e dos empregos. Com votação por acordo, a gente não precisa de aglomeração no plenário.
Valor: Há um número crescente de pessoas dizendo que o comportamento pessoal do presidente da República está sendo incompatível com o cargo. Diante do fato de que o presidente da Câmara dos Deputados é o responsável pelo acolhimento ou não de pedidos de impeachment, qual é a opinião do senhor a respeito dessa visão?
Maia: Por esse motivo minha resposta tem que ser cuidadosa. Nós já temos muitos problemas no Brasil para a Câmara ou o Senado serem responsáveis pelo aprofundamento da crise. Nós não seremos responsáveis por isso. Às vezes, me dá a impressão que o governo quer isso. Nós não seremos responsáveis por isso. Todos nós fomos eleitos. O presidente teve 57 milhões de votos, os deputados tiveram 100 milhões de votos. Todos nós fomos eleitos de forma legítima. A legitimidade de cada um precisa ser respeitada, como a legitimidade dos ministros do Supremo, dos governadores, dos prefeitos, dos deputados estaduais e vereadores. Todos precisam ser respeitados. Num momento de crise que a gente está vivendo, não será da Câmara que vai sair nenhum instrumento para ampliar ainda mais a crise. Nós precisamos que o presidente sente na cadeira de presidente da República. O piloto do avião precisa sentar na cadeira e assumir o controle. Não pode transferir isso para o ministro da Economia nem para o ministro da Saúde nem para o ministro da Infraestrutura. A responsabilidade é dele. Não há delegação de poder no sistema presidencialista. O poder é dele, ele precisa exercê-lo e é isso que nós estamos aguardando.
Valor: Bolsonaro disse aos eleitores que aqueles que o colocaram na Presidência precisam ajudá-lo a permanecer. O senhor avalia que o recente comportamento de Bolsonaro representa um risco às instituições e à democracia?
Maia: Eu não sei, porque não vejo ninguém trabalhando para tirá-lo da cadeira. O que nós queremos é que ele comande o Brasil. São coisas diferentes. Talvez ele faça uma distorção na relação política entre Parlamento, Supremo e Poder Executivo, mas o que nós queremos, ele pode ter certeza, é avançar com a agenda de superar a crise de saúde pública, social e econômica do coronavírus. Essa agenda de “me ajudem a ficar aqui” é uma agenda diversionista. Queremos que ele sente na cadeira do piloto e comande esse grande avião que é o nosso país, que tem problemas e precisa de um presidente que assuma suas responsabilidades em harmonia com os outros Poderes.
Valor: Caso o Congresso ganhe novamente o protagonismo nesse processo, novamente setores irão dizer que está tentando se implementar, na prática, um parlamentarismo.
Maia: Os apoiadores do presidente reclamam nas redes que o Parlamento quer assumir um parlamentarismo branco. O que a gente grita agora, em nome de todos os brasileiros, é que precisamos de uma Presidência atuando, comandando esse processo.
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