Há 135 anos e como resultado de um ano e meio de preparação em todos os Estados Unidos, que assistiriam a inúmeras manifestações operárias em defesa da jornada de oito horas, o sábado de 1º de Maio de 1886 será um dia diferente para Chicago – então centro industrial dos Estados unidos - e o será depois para todo o planeta.
As
fábricas, os transportes e o comércio estão paralisados. Vendem-se apenas
jornais. No editorial do Mail (Correio), vinculado aos patrões, se podia ler:
_“Circulam livremente nesta cidade dois perigosos cafajestes, dois canalhas que
querem desordens. Um deles se chama Spies, o outro Parsons... Vigiai-os,
segui-os; considerai-os responsáveis se acontecer alguma coisa. E se algo
suceder, eles que paguem por isso”.
Então, o
ambiente de tensão e silêncio é rompido quando, pela Avenida Michigan, surge
uma esplêndida passeata – dezenas de milhares de trabalhadores com suas
famílias caminham rumo à praça Haymarket. Abrem a marcha Albert Parsons e a sua
mulher, com a filha de sete anos, Lulu. Eles são acompanhados pelos dirigentes
da American Federation of Labor (AFL) e dos Cavaleiros do Trabalho.
Seguem-se as diversas colônias de trabalhadores em seus trajes típicos: alemães, poloneses, russos, italianos, irlandeses etc. No alto dos edifícios e nas esquinas, estão os homens da Guarda Nacional e 300 pistoleiros da agência Pinkerton (milícia privada formada por marginais e ex-presidiários, famosa pelos métodos selvagens utilizados na repressão). A manifestação, a favor das oito horas de jornada, termina com um ardente comício em que discursam oradores de diferentes nacionalidades. Depois, a multidão se dissolve pacificamente.
O
estado-maior dos patrões sente-se enganado por essa conclusão serena e planeja
provocações. Na segunda-feira, 3 de maio, a greve pelas oito horas continua em
muitos estabelecimentos. Diante da fábrica McCormick Harvester, a polícia atira
sem advertência prévia contra um grupo de operários. Seis deles morrem; cinco
são feridos e centenas são presos. August Spies, que estava no local do
massacre, apela para a realização de uma concentração a realizar-se na tarde do
dia seguinte. A raiva e a dor avolumam os corações. O Arbeiter Zeitung (Jornal
do Trabalhador) estampa: “A guerra de classes começou (...) Quem pode negar que
os tigres que nos governam estão ávidos do sangue dos trabalhadores (...) É
melhor a morte que a miséria (...)”.
Apesar
da revolta, os líderes conclamam à calma e pedem uma manifestação ordeira para
reafirmar o caráter pacífico do evento. Albert Parsons apela aos operários para
que levem seus filhos pequenos e, dando o exemplo, conduzirá os seus. Na mesma
praça Haymarket, onde sábado, pela manhã, se encontravam felizes e festivos,
agora, terça-feira, às 19h30m, com as sombras noturnas que começam a chegar,
confundindo-se com o luto, os trabalhadores reúnem-se para chorar os seus
mortos.
Os
oradores são August Spies, Albert Parsons e Sam Fielden. Eles pedem serenidade
e incitam todos a continuarem a luta, unidos e compactos. Quando a aglomeração
começa a dispersar-se, um grupo de 180 policiais ataca com violência,
espancando, pisoteando, ferindo a todos indistintamente: homens, mulheres,
idosos e crianças. Nesse instante, uma bomba, vindo não se sabe de onde,
estoura no meio dos guardas. Uns 60 caem feridos, vários morrerão em seguida em
consequência das lesões. É o sinal da carnificina. Reforços uniformizados
chegam atirando em todas as direções. Centenas de pessoas caem mortas. O sangue
ensopa as pedras das ruas. Os gritos dos feridos cobrem os suspiros dos
moribundos.
É
decretado o estado de sítio e a proibição de sair às ruas. Milhares de
trabalhadores são presos, muitas sedes sindicais incendiadas. Grupos de
facínoras, pagos pelos patrões, invadem as pobres casas destruindo as poucas
coisas e espancando as famílias dos trabalhadores.
Toda a
imprensa burguesa concentra seus ataques às lideranças sindicais. A máquina da
Justiça foi veloz. Levou a julgamento um grupo de líderes sindicais: August
Spies, Sam Fielden, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Schwab, Louis Lingg e
George Engel.
O
julgamento começa no dia 21 de junho de 1886. Logo na abertura, Albert Parsons,
que havia escapado à prisão do dia 3 de maio, apresenta-se voluntariamente no tribunal
e, perante o juiz Joseph Gary, declara: “Vim para ser processado, excelência,
junto com os meus camaradas”. A farsa desenrola-se rapidamente. Provas e
testemunhas são inventadas. O verdadeiro sentido desse tribunal é revelado nas
palavras de um dos jurados: “Que sejam enforcados. São homens demais
desenvolvidos, demais inteligentes, demais perigosos para os nossos
privilégios”.
A
sentença é lida a 9 de outubro. Parsons, Engel, Fischer, Lingg e Sipes são
condenados à morte; Fielden e Schwab à prisão perpétua e Neeb a quinze anos de
cárcere.
Seguem-se
as declarações dos trabalhadores condenados. Em primeiro lugar, fala Neeb:
“Cometi um grande crime, excelência. Eu vi os balconistas dessa cidade
trabalhar até 9 ou 10 horas da noite. Lancei um apelo para a organização da
categoria e agora eles trabalham até as 7 horas da noite; aos domingos estão
livres. E isso é um grande crime”. Neeb, vale lembrar, fora condenado a quinze
anos de cárcere, mas, ao final de sua fala, pede para ser enforcado junto com
os seus camaradas, pois, segundo suas próprias palavras, ele não podia ser mais
inocente que os outros, já que todos são completamente inocentes.
Numa
sala abafada, lotada, silenciosa, Spies faz a sua última defesa: “Se com o
nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário – este
movimento do qual milhões de seres humilhados, que sofrem na pobreza e na
miséria, esperam a redenção – se esta é a sua opinião, enforquem-nos. Aqui
terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas
as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não podem
apagá-lo”.
Com a
mesma dignidade dos outros, expressa-se Louis Lingg: “Permiti que vos assegure
que morro feliz porque estou certo de que centenas, milhares de pessoas a quem
falei recordarão minhas palavras”. Parsons discursará por horas, começando
assim: “Arrebenta a tua necessidade e o teu medo de ser escravo, o pão é a
liberdade, a liberdade é o pão”.
Um mês
depois, a 11 de novembro, na metade de um dia de sol pálido, soprado por um
vento gélido cortante que chega do lago, os prisioneiros Spies, Engel, Fischer
e Parsons são levados para o pátio do cárcere para serem executados. Lingg não
está entre eles, suicidara-se antes.
Amarram
as mãos e os pés dos condenados. O carrasco passa a corda em seus pescoços e dá
continuidade ao horrível ritual com a abertura dos alçapões, um a um. As
últimas palavras de Spies são: “Adeus, o nosso silêncio será muito mais potente
do que as vozes que vocês estrangulam”. Engel diz apenas: “Viva a anarquia!”.
Fischer, com os olhos perdidos, murmura: “Eis o dia mais feliz da minha vida”.
Quanto a Parsons, o carrasco é rápido demais. Não se entende bem o que quer
dizer. Quando começa a falar: “Deixem-me falar com o meu povo...” – a corda o
estrangula.
A
Chicago burguesa respira aliviada. Às lágrimas silenciosas, milhares de pessoas
carregam com carinho os restos mortais dos mártires de Chicago.
Seis
anos depois desses assassinatos, o governador de Illinois, John Altgeld,
pressionado pela persistente onda de protestos contra a injustiça do processo,
anula a sentença, liberta os três sobreviventes e acusa de infâmia o juiz, os
jurados e as falsas testemunhas.
A
semente lançada, porém, já brota, cresce e logo dará seus frutos. Estavam para
se transformar no símbolo da luta de todos os trabalhadores do mundo.
Uma
última informação histórica para finalizar. No centenário da Revolução
Francesa, em 14 de julho de 1889, três anos após os acontecimentos de Chicago,
um congresso em Paris reúne operários e intelectuais de tendência marxista.
Estão presentes 391 delegados: 221 franceses, 81 alemães, 22 ingleses, 14
belgas, 8 austríacos, 6 russos, além de holandeses, dinamarqueses, suecos,
noruegueses, suíços, poloneses, romenos, italianos, húngaros, espanhóis e portugueses.
Assistem alguns observadores norte-americanos, finlandeses e argentinos. Os
delegados representam cerca de três milhões de trabalhadores. Esse congresso
passa à história como o da fundação da Segunda Internacional.
Depois
de uma semana de debates, o sábado, 20 de julho, é o último dia do congresso. À
tarde, num calor terrível, numa sala cheia, amontoados nos cantos para fugir do
mormaço insuportável que se filtra pelos vidros do teto, o belga Raymond
Lavigne encaminha à mesa uma moção. O presidente de turno, Emile Vandervel, faz
a leitura:
¨Será
organizada uma grande manifestação internacional com data fixa, de maneira que
em todos os países e cidades, ao mesmo tempo, os trabalhadores imponham aos
poderes públicos a redução legal da jornada de trabalho a oito horas e a
aplicação das outras resoluções do Congresso Internacional de Paris.
Considerando que uma manifestação similar já havia sido marcada para o 1º de
Maio de 1890, pela American Federation of Labor (AFL) (...) tal data é adotada
para o evento internacional. Os trabalhadores das diversas nações deverão
realizar seus encontros nas condições que serão impostas pela situação
específica dos seus países”.
A
aprovação foi unânime e o 1º de Maio transformou-se desde então no Dia
Internacional de Luta dos Trabalhadores. Continuará a existir como um dia de
festa dos trabalhadores pelas conquistas que obtiveram ao longo desses 135
anos, mas existirá também e para sempre como um dia de reflexão e luta para
superar os desafios do presente e para a conquista do futuro. É um dia especial
que sempre será abraçado com carinhosa recordação dos inúmeros combatentes que
permitiram essa longa e heroica caminhada ascensional do gênero humano, sempre
para frente, em direção à paz, à democracia, à liberdade, à luz, à justiça e
progresso social, à felicidade, à solidariedade, à cooperação e à emancipação
humana em harmonia com a natureza.
Viva o
1º de Maio, Dia Internacional de Luta dos Trabalhadores!
(Guarulhos, 1º de
Maio de 2021)
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