Brasil reforça desigualdade com gasto e juros altos
Por Folha de S. Paulo
Governo Lula busca justiça tributária, mas
impede avanço ao favorecer rentismo com despesas descontroladas
Serão R$ 1 tri em juros pagos neste ano a
quem tem dinheiro aplicado, o que estimula perpetuação de desigualdades via
'financeirização'
A desigualdade é traço característico da
história da humanidade, e soa utópica uma configuração igualitária entre todos
do ponto de vista econômico. A maior tentativa de experiência moderna nesse
sentido foi a falida União Soviética, que acabou aderindo ao sistema
capitalista no início dos anos 1990.
Afinal, alguns indivíduos ousam mais do que outros, correm riscos e acabam recompensados por criar oportunidades e invenções que os enriquecem, ao mesmo tempo em que espraiam bem-estar social com produtividade.
As últimas décadas, no entanto, têm sido
marcadas pela "financeirização" do capitalismo, em que simplesmente
dinheiro produz mais dinheiro. Não só empresas inovadoras geram lucros, mas
riquezas acumuladas são perpetuadas em escala inédita.
Segundo o mais recente Relatório da
Desigualdade Global —o terceiro volume de um trabalho internacional de mais de
200 pesquisadores coordenado pelo economista francês Thomas Piketty, autor de
"O Capital do Século 21"—, a desigualdade de renda e riqueza segue em
alta e em velocidade cada vez maior.
Em relação à acumulação patrimonial, 0,001%
de pessoas no planeta (56 mil) detêm três vezes mais patrimônio do que toda a
metade mais pobre adulta combinada (2,8 bilhões).
No quesito de rendimentos per capita, não
surpreende que o Brasil, com todas as suas reconhecidas mazelas, ocupe a
quinta posição de país mais desigual do mundo. Os demais são África
do Sul, com cicatrizes do apartheid, Colômbia, México e Chile.
Os 10% dos brasileiros no topo da pirâmide de
rendimentos capturam 59,1% da renda nacional, enquanto a metade mais pobre fica
com apenas 9,3%.
No caso da concentração da riqueza, que
inclui ativos financeiros e outros bens, como imóveis e aplicações, o país está
na sexta colocação. Os 10% mais ricos detêm 70% do total, e o 1% no topo
acumula mais de um terço.
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
tomou medidas em busca de maior progressividade tributária, para que os mais
ricos paguem mais impostos. Recentemente, aprovou-se a isenção do Imposto de
Renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês.
É uma mudança importante, já que, de mais de
4.800 projetos analisados pelo Congresso
Nacional entre 1989 e 2020, apenas 5% foram progressivos,
segundo pesquisa da Universidade de São Paulo.
O problema crucial neste momento, porém, é a
brutal concentração de renda que a gestão petista promove de forma
irresponsável ao levar o Banco Central a
manter juros de
15% ao ano para debelar uma inflação gerada,
principalmente, por gastos públicos descontrolados.
Serão R$ 1 trilhão em juros pagos neste ano a
quem tem algum dinheiro aplicado, mesmo valor direcionado a 41 milhões de
beneficiários do INSS. Isso faz do Brasil campo fértil para rentistas e para
a perpetuação
de desigualdades via "financeirização".
Ucrânia começa a ceder à pressão de Trump por acordo
Por Folha de S. Paulo
Ofensivas russas e política doméstica frágil
colocam Zelenski em posição difícil ante vontade dos EUA
Trump quer resolver até o Natal a guerra que
havia prometido acabar em 24 horas; tudo indica que o agraciado no feito será
Putin
Guerras em geral terminam de duas formas: ou
um lado triunfa ou ambos são incapazes de dobrar o adversário e buscam
acomodação.
A Rússia fracassou
em subjugar a Ucrânia na
invasão de 2022, e sua vantagem militar crescente não resultará na capitulação
de Volodimir
Zelenski num horizonte visível. Já os ucranianos estão vendo
seu país ser exaurido sem hipótese de reconquista dos 20% do território já
perdido.
Resta, portanto, a segunda alternativa para o
encerramento do conflito. A negociação para tal é processo longo e tortuoso,
mas sempre há a possibilidade de um fator exógeno acelerar as coisas.
Hoje, esse fator se chama Donald Trump,
para azar dos ucranianos. O presidente americano desenhou, em sua nova
Estratégia de Segurança Nacional, o que pensa sobre a Rússia —uma potência
nuclear com quem quer uma relação estável é prioritária.
O corolário disso é o sacrifício de Kiev, que
depende de armas dos EUA, antes dadas e agora compradas por meio de seus
patronos na Europa. Esses mesmos personagens, impotentes ante as vontades de
Trump, ganham tempo ao denunciar o rumo dos entendimentos.
Na quinta-feira (11), Zelenski foi claro ao
declarar que não estava certo acerca dos termos conversados a sós entre Putin e
os enviados de Trump ao Kremlin, uma semana antes. Disse temer "segredos
que serão revelados".
O mais recente vaivém dos esforços de paz
sugere que o ucraniano está correto. Primeiro, emergiu um texto escrito por
russos e americanos
cedendo a quase todas as demandas do Kremlin.
Depois, houve reação de Kiev com ajuda
europeia. No processo, o negociador-chefe de Zelenski, Andrii Iermak, caiu
abatido por um escândalo de corrupção, elevando a pressão doméstica.
Sobreveio a reunião em Moscou, na qual Putin
reafirmou suas exigências —terra e neutralidade militar ucraniana. A pressão
para que Zelenski respondesse sugere que a Casa Branca comprou o essencial do
pacote.
Kiev então apresentou nova contraproposta,
começando a ceder ao admitir perdas territoriais. Há nuances, como a criação de
uma zona desmilitarizada no leste ocupado do país —com o que os
russos concordam, desde que ela seja policiada por eles.
Zelenski também lançou uma ideia fadada ao
fracasso prático e ao desgaste político, que é
submeter concessões a referendo.
Trump quer resolver até o Natal a guerra que havia prometido acabar em 24 horas. Pode até conseguir, mas tudo indica que o agraciado no feito será Putin.
Lula 4: desastre anunciado
Por O Estado de S. Paulo
Resolução do PT para o 4.º mandato de Lula é
fiel ao receituário do partido: promessa de prosperidade no futuro dobrando a
aposta nos fracassos do passado – com o dinheiro alheio
Em sua nova resolução, apresentada como
bússola para um quarto mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o PT chancela que
nada esqueceu e nada aprendeu. O plano é fiel ao mesmo receituário que produziu
estagnação, desperdício e a pior recessão da história moderna brasileira: uma
quimera desenvolvimentista que promete prosperidade no futuro dobrando a aposta
nos fracassos do passado – com o dinheiro alheio.
O documento reedita o mito do Estado
“estrategista”, capaz de planejar cadeias produtivas e alavancar setores
vencedores como se comandasse uma economia de laboratório. Tudo se passa como
se, após cinco mandatos petistas, o País só não tivesse enriquecido por causa
de um mercado hostil e de um Estado não suficientemente musculoso. A promessa é
conhecida: desta vez, o governo vai coordenar, induzir e proteger até fazer o
Brasil finalmente decolar. A realidade também é conhecida: sempre que Brasília
mete sua pata nas forças produtivas, o que decola é o gasto público – e o que
aterrissa é o crescimento.
A fantasia do “planejamento estratégico” só
serviu para anabolizar governos pródigos em selecionar perdedores econômicos –
torrando com eles até o último centavo do contribuinte – para alavancar
vencedores políticos. Tudo o que a resolução petista descreve como ousadia deu
em “campeões nacionais” quebrados, bilhões enterrados em obras inacabadas e
estatais hipertrofiadas, aparelhadas e saqueadas. A pretexto de produzir
“vencedores”, o PT multiplica dependentes.
Na mitologia petista, o crescimento dos anos
2000 não foi resultado de um vento externo que o governo tratou de desperdiçar,
mas uma epopeia: o “milagre lulista” sabotado por forças conspiratórias. O fato
é que, quando a maré das commodities baixou, emergiu a realidade: consumo com
esteroides, subsídios obscenos, desonerações ineficientes, represamento de
preços, contabilidade criativa, e, enfim, colapso fiscal e recessão. O Brasil
cresceu apesar do PT e afundou por causa do PT.
Sob a retórica da “soberania produtiva”, o
partido continua, no fundo, a tratar abertura comercial como armadilha
imperialista e competição como ameaça existencial. Continua a se apoiar no
tripé capenga – tarifas, conteúdo local, subsídios –, ignorando que economias
que enriqueceram – como a Europa pós-guerra, Coreia do Sul, Taiwan – fizeram o
oposto: abriram mercados, atraíram tecnologia, ampliaram produtividade. O PT
não disfarça sua admiração pelo atual modelo chinês intervencionista – e em
desaceleração –, ignorando a China que deu certo: a das reformas pró-mercado e
da abertura iniciadas por Deng Xiaoping. A lição real – de que crescimento
sustentável exige competição e previsibilidade macroeconômica – é a que o
partido se nega a aprender há 40 anos.
No plano fiscal, o documento é um mergulho no
autoengano, tratando disciplina como fetiche neoliberal e juros como intriga de
mercado. Rebatiza gasto como “investimento”, como se semântica substituísse
aritmética. Mas não é o mercado que eleva os juros, é o déficit que os infla,
inibindo investimentos e sufocando a produtividade.
O partido promete repetir tudo com mais
afinco, como se a loucura não fosse insistir nas mesmas escolhas esperando
resultados diferentes. Mas a loucura petista tem método: sua resolução é menos
um programa de crescimento que um projeto de poder. E literalmente reacionário:
reage à modernidade econômica com soluções falidas do século 20. Recicla o
desenvolvimentismo das ditaduras de Vargas e dos militares, mas subtrai dele
até o que havia de modernizante. Na prática, resta só o assistencialismo
populista – com um caixa cada vez mais comprimido por um Estado gordo e voraz.
O modelo petista redistribui para dentro: beneficia carreiras públicas e
lobbies oligárquicos, enquanto sufoca pequenos negócios. É uma política social
para clientes, disfarçada de projeto para o “povo” – que sobra com as migalhas
assistencialistas devoradas pelo custo de vida.
Um novo mandato com esse roteiro não é um
risco hipotético. É a contratação de uma nova crise, desta vez sem boom das commodities e sem
folga fiscal. A única coisa à qual o Estado manejado pelo PT induz é ao
subdesenvolvimento – e cobra caro por isso.
Sete anos de exceção
Por O Estado de S. Paulo
Transformado em instrumento de poder pessoal
de seu relator, o inquérito das ‘fake news’ já não guarda relação com a medida
emergencial de 2019 e expõe a deterioração institucional do STF
O Inquérito 4.781, o notório inquérito
das fake news, segue
firme e forte às vésperas de completar inacreditáveis sete anos de duração. E,
como apurou o Estadão,
não há sinal de que será encerrado no horizonte conhecido. Aberta em março de
2019 por ato de ofício do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
ministro Dias Toffoli, para apurar supostas ameaças à Corte, seus ministros e
familiares, a investigação tornou-se tão ampla, obscura e resistente que este
jornal já não descarta a possibilidade de, dentro de alguns anos, vir a
publicar mais um editorial para marcar, quem sabe, o décimo aniversário da
esdrúxula peça. Afinal, para o ministro Alexandre de Moraes, relator do
inquérito, tempo é detalhe enquanto estiver em curso o que ele enxerga como
guerra existencial contra os inimigos da democracia.
Nesse ínterim, uma investigação que nasceu
como resposta extraordinária a uma escalada igualmente atípica de agressões ao
STF se transformou num dos mais notáveis símbolos de sua própria deterioração
institucional. Se no momento de autuação do inquérito havia entre os genuínos
democratas deste país uma preocupação legítima em resguardar um dos pilares da
República contra as estocadas do então presidente Jair Bolsonaro e seus camisas
pardas, hoje, às portas de 2026, é triste constatar que o ofensor do regime das
liberdades é o próprio Supremo.
Por meio do inquérito das fake news, o sr. Moraes – sob o
beneplácito de seus pares – fez tudo aquilo que deve ser evitado no Estado de
Direito: ampliou como lhe deu na veneta o escopo da investigação, a ponto de
desfigurá-la, manteve o inquérito sob sigilo absoluto e ditou o ritmo das
diligências de acordo com seus caprichos e concepções pessoais. Não há
democracia madura que possa conviver com uma investigação eterna, ampla e opaca
como esse famigerado inquérito das fake
news.
Em 2019, de fato, o Supremo se tornara alvo
de uma ofensiva coordenada por apoiadores de Bolsonaro. Ministros foram
ameaçados publicamente, suas famílias foram hostilizadas, tentativas explícitas
de constranger a atuação do tribunal como instituição republicana se tornaram
rotina. Esse ambiente justificava uma reação institucional firme. A Corte entendeu,
à época, que deveria se proteger de uma campanha que, ao fim e ao cabo, buscava
inviabilizar o funcionamento do sistema de freios e contrapesos – razão pela
qual recebeu o apoio deste jornal nesta mesma página.
Mas, ao longo desses quase sete anos, o inquérito
das fake news deixou
de ser uma medida emergencial para se tornar um instrumento de poder pessoal do
sr. Moraes, e com isso o Estadão jamais
compactuou. Não é aceitável sob quaisquer perspectivas que um inquérito
permaneça indefinidamente aberto. Tampouco se justifica que uma investigação
tão importante permaneça sob sigilo, impossibilitando que a sociedade avalie
seus contornos, decisões e eventuais ilegalidades.
Há problemas ainda mais graves, que recendem
a arbítrio. Quem define, afinal, o que constitui “ataque” ao STF? Onde termina
o discurso crítico ao Judiciário e começa a ação criminosa? A Lei de Defesa do
Estado Democrático de Direito é taxativa ao afirmar que “não constitui crime a
manifestação crítica aos Poderes constitucionais”. Mas, num ambiente em que o
inquérito das fake
news permite a seu relator investigar quem e o que lhe der na
telha, sem transparência e delimitação, abre-se um perigoso precedente para
confundir opinião, crítica jornalística e divergência política com condutas
criminosas. Numa democracia plena, não há espaço para essas zonas cinzentas.
É sintoma do poder concentrado nas mãos de
Moraes que, no próprio STF, haja ministros que defendam o encerramento do
inquérito concluído o julgamento da trama golpista, ainda que lhes falte brio
para dizê-lo em público. Essa divergência acanhada só reforça que o inquérito
das fake news se
tornou disfuncional, e que sua manutenção, a essa altura, mais contribui para a
degradação do Supremo como guardião das liberdades individuais do que para a
estabilidade da democracia no Brasil.
Em algum momento, o Supremo precisará admitir o óbvio: o inquérito das fake news tem de ser encerrado. Investigações perpétuas, secretas e ilimitadas aviltam a mesma Constituição que a Corte deveria proteger.
Ciência de resultados
Por O Estado de S. Paulo
Em ano de boas notícias no combate à dengue,
‘Nature’ reconhece pesquisador da Fiocruz
Responsável por um projeto que faz com que
mosquitos não transmitam o vírus da dengue, o pesquisador Luciano Moreira, da
Fiocruz, foi reconhecido pela revista científica Nature como uma das dez
pessoas que moldaram a ciência em 2025.
A menção da prestigiosa revista científica ao
trabalho de Moreira evidencia o pioneirismo e a relevância da ciência
brasileira, que há poucos dias também legou ao País um feito inédito no mundo:
o registro da primeira vacina de dose única contra a dengue.
Conjuntamente, os esforços dos pesquisadores
da Fiocruz e do Instituto Butantan dão ao Brasil ferramentas poderosas no
combate efetivo à dengue, doença infecciosa que nos últimos anos perdeu o
caráter sazonal e passou a ser uma ameaça permanente à população.
Enquanto a vacina do Butantan deve ser
incorporada no Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Sistema Único de Saúde
(SUS) no ano que vem, o método para redução da transmissão da dengue
desenvolvido por Moreira já rende frutos.
Um estudo conduzido pela Fiocruz em parceria
com uma série de universidades, entre as quais as americanas Yale, Stanford e
Johns Hopkins, aponta que, em 2024, houve redução de 63,2% na incidência de
casos de dengue em Campo Grande. A capital sul-mato-grossense foi uma das muitas
cidades brasileiras nas quais ocorreu a soltura em massa de mosquitos
infectados com a bactéria Wolbachia.
Naturalmente presente em boa parte dos
insetos, a Wolbachia impede o desenvolvimento dos vírus causadores de doenças
como dengue, zika e chikungunya. Foi com ela que o pesquisador Moreira infectou
milhares de mosquitos. Quando eles se reproduzem, transmitem a bactéria para as
próximas gerações, reduzindo o risco de transmissão de doenças como a dengue,
que em 2024 provocou a morte de mais de 6 mil brasileiros, um recorde que
poderia ter sido ainda maior sem os mosquitos modificados de Moreira.
Tanto a vacina do Butantan quanto os
mosquitos da Fiocruz são exemplos de que, quando há investimento bem
direcionado, a ciência brasileira é capaz de criar soluções para problemas
complexos, podendo inclusive exportar tais tecnologias para outros países,
rompendo com a lógica de que somos apenas importadores e não provedores de
inovações relevantes.
O reconhecimento internacional de Moreira,
bem como o da também brasileira Mariangela Hungria, pesquisadora da Embrapa
agraciada no início do ano com o World Food Prize 2025 (o Nobel da agricultura
e alimentação), atesta a qualidade do capital humano do País.
É possível ficar feliz com a aclamação desses
pesquisadores, mas também lamentar o fato de que o talento brasileiro não seja
reconhecido com mais frequência.
Isso se deve, em grande parte, ao fato de que
o mesmo país que conta com cientistas do calibre de Moreira e Hungria é aquele
que oferece para a maioria da população educação de baixíssima qualidade.
Os feitos dos pesquisadores da Fiocruz, Butantan e Embrapa não são frutos do acaso. Eles comprovam que há um jeito certo de fazer as coisas.
Disputa de poder afronta a Constituição
Por Correio Braziliense
Um dos princípios básicos da democracia —
além da soberania popular, da alternância de poder e do direito ao dissenso — é
a separação entre quem faz, quem executa e quem interpreta as leis
Um dos princípios básicos da democracia —
além da soberania popular, da alternância de poder e do direito ao dissenso — é
a separação entre quem faz, quem executa e quem interpreta as leis. O sistema
de pesos e contrapesos entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
existe para garantir esse equilíbrio. Quando o Legislativo avança sobre a
execução do Orçamento e faz a exegese das decisões judiciais, está ampliando
suas prerrogativas para além do que é constitucionalmente estabelecido.
Nesse afã de se colocar acima dos demais
Poderes, poucas vezes na história recente a Câmara dos Deputados se expôs de
forma tão polêmica quanto nos últimos meses. A decisão de preservar o mandato
da deputada Carla Zambelli, em afronta direta à Constituição e a uma sentença
definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF), é apenas o capítulo mais recente
de uma sequência preocupante de episódios que indicam degradação institucional
e espírito corporativo. O fechamento do Plenário à imprensa, a retirada de
parlamentar à força com um mata-leão e a tramitação da chamada PEC da Blindagem
compõem um quadro incompatível com a centralidade que a Câmara ocupa na
democracia brasileira.
Na madrugada de quinta-feira, o plenário da
Casa decidiu não declarar a perda do mandato de Zambelli, condenada pelo STF a
10 anos de prisão em regime inicialmente fechado. A deputada foi considerada
culpada, com trânsito em julgado, por integrar uma associação criminosa que
invadiu o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e forjou um mandado de
prisão contra o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro
Alexandre de Moraes. Trata-se, portanto, de condenação definitiva, sem qualquer
possibilidade de recurso.
A cassação, nesse caso, não era matéria
sujeita a juízo político. É um imperativo constitucional. O artigo 55 da
Constituição Federal não deixa margem para interpretações criativas: perderá o
mandato o parlamentar que sofrer condenação criminal em sentença transitada em
julgado. O verbo não é facultativo. Não se trata de prerrogativa do
Legislativo, mas de obrigação jurídica. Ao se insurgir contra esse comando, a
Câmara não apenas violou a Constituição, como se arrogou, indevidamente, o
papel de instância revisora do STF.
A reação do Supremo foi inevitável. Ainda na
quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes anulou a decisão do plenário e
determinou que a Mesa da Câmara efetive a posse do suplente no prazo
máximo de 48 horas. Como destacou o ministro, cabe ao Congresso apenas declarar
a perda do mandato por meio de ato administrativo vinculado à sentença
judicial, e não deliberar politicamente sobre ela.
Não se trata de precedente inédito. Em 2013,
quando a Câmara rejeitou a cassação do então deputado Natan Donadon, também
condenado com trânsito em julgado, o STF interveio. À época, o ministro Luís
Roberto Barroso suspendeu os efeitos da sessão e afirmou que, em casos de
condenação a regime inicial fechado por período superior ao restante do
mandato, a perda é automática. A lógica é elementar: alguém privado de
liberdade não pode exercer representação política. O fato de Zambelli estar
presa no exterior não altera essa realidade material.
O que prevaleceu agora, mais uma vez, foi o espírito de corpo. Abandonada pelo próprio Jair Bolsonaro, Zambelli foi instrumentalizada como peça numa disputa de poder entre parte do Congresso e o STF. O interesse público, a moralidade administrativa e o respeito às instituições ficaram em segundo plano. A preservação do mandato não teve como objetivo proteger uma parlamentar, mas enviar um recado à Corte que deve ser prontamente rechaçado pelo Supremo e pela sociedade.
Arcabouço fiscal virou uma peça de ficção
Por O Globo
Despesas excluídas da meta somam R$ 170
bilhões em quatro anos — e dívida pública não para de crescer
Logo no primeiro ano do atual mandato, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva obteve do Congresso a aprovação de um conjunto de regras cuja intenção
era equilibrar as contas públicas ao longo do tempo. Nada de choque. O previsto
era um ajuste paulatino. Chamado de “novo arcabouço fiscal”, o projeto prometia
um regime sustentável e estabelecia metas um pouco mais ambiciosas a cada ano.
Era uma tentativa de dar aos agentes econômicos uma satisfação que traduzisse o
compromisso de Lula com a responsabilidade fiscal. Três anos depois, a
credibilidade desse arcabouço se esvaiu. Por uma razão singela: existe uma
longa distância entre o discurso recheado de promessas de responsabilidade e a
realidade de uma dívida pública que não para de crescer.
Todos os limites criados pelo arcabouço
viraram enganação. A lista de gastos classificados como “exceções” e retirados
dos cálculos das metas prometidas pelo governo só faz crescer. Nos quatro anos
de mandato, as despesas excluídas do compromisso fiscal superarão R$ 170
bilhões, como
mostrou reportagem do GLOBO. Somente no ano que vem, quase R$ 90
bilhões deverão ser considerados exceção, de acordo com projeções da
Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado. As despesas fora da
regra fiscal entre 2024 e 2026 equivalem ao gasto com o Bolsa Família ao longo
de 12 meses. Como mostram os números, não há como o governo recuperar qualquer
credibilidade com tal situação.
Pode até ser razoável retirar do cálculo das
metas um evento extraordinário, como a enchente catastrófica no Rio Grande do
Sul em 2024. Uma calamidade pública daquela proporção demandou ajuda econômica
emergencial e vultosa, e o governo deduziu gastos de R$ 29,1 bilhões destinados
ao estado no ano passado. Mas é ridículo usar o mesmo argumento para outras
exceções. É o caso dos R$ 5 bilhões de investimentos de estatais no Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) em 2024. Ou dos R$ 3,3 bilhões separados para
ressarcir as vítimas das fraudes do INSS, que também viraram exceção depois de
autorização do Supremo Tribunal Federal. Ou ainda de gastos temporários com
saúde e educação estimados em R$ 1,5 bilhão que o Congresso também tenta tirar
do arcabouço. Não há o menor critério. “Na época da aprovação do projeto que
excepcionalizou R$ 5 bilhões de gastos com Defesa [em outubro deste ano],
dissemos que poderia abrir precedente perigoso. De fato, está se confirmando”,
disse ao GLOBO Alexandre Seijas, diretor da IFI.
Na formulação do arcabouço, o governo inovou
ao estabelecer um intervalo de tolerância para as metas. Em caso de choques
inesperados, o objetivo anual seria considerado cumprido mesmo que o resultado
final ficasse dentro de um limite equivalente a 0,25 ponto percentual do PIB
para mais ou para menos. Todos sabem o que o governo fez a partir de então.
Esqueceu o centro, passou a mirar somente o piso e, a cada sobressalto, foi
engrossando a lista de exceções. O resultado? No papel, o governo é um fiel
cumpridor das regras. Na realidade, a dívida não para de crescer. Não custa
lembrar: dívidas públicas cada vez mais altas inibem investimentos e reduzem o
potencial de crescimento econômico ao longo do tempo, com todos os efeitos
negativos decorrentes disso — sobretudo na área social.
Reforma do IR está longe de tornar taxação de supersalários ‘mais
justa’
Por O Globo
Elite do funcionalismo continuará a pagar
nada ou taxas irrisórias sobre ‘penduricalhos’ que inflam remuneração
Proliferam pelo país propagandas do governo
incensando a reforma do Imposto de Renda (IR) como medida de justiça
tributária. Ao custo de R$ 25 milhões, a publicidade oficial alardeia que quem
ganha menos de R$ 5 mil mensais (R$ 60 mil por ano) deixará de pagar IR,
enquanto os “super-ricos” — aqueles que, segundo o governo, recebem mais de R$
50 mil por mês (R$ 600 mil por ano) — pagarão uma alíquota mínima de até 10%. O
objetivo da propaganda é evidentemente eleitoral. A isenção de IR é um poderoso
argumento de convencimento do eleitor de classe média. O IR “mais justo”
propalado pelo governo, contudo, não atingirá com o mesmo rigor a elite do
funcionalismo público, que se beneficia de verbas indenizatórias e outros
“penduricalhos” para inflar seus supersalários.
Como regra, a maior parte dessas verbas —
auxílio-moradia, auxílio-alimentação, licença-prêmio, abonos ou outros
adicionais — é considerada rendimento isento de imposto, pois seu objetivo é
reparar algum prejuízo ou reembolsar gastos necessários ao exercício da função.
Por isso elas não são incluídas no total tributado, que costuma ser taxado a
alíquotas de até 27,5%. A reforma, porém, estipula que mesmo os rendimentos
isentos sejam somados para efeito de cálculo da alíquota mínima (embora exclua
certas categorias). São incertas as regras que a Receita Federal estipulará
para os vários “penduricalhos”. Mas, ainda que sejam levados em consideração
para cálculo do IR mínimo, a taxação daqueles para quem eles representam o
grosso da remuneração será tudo, menos “mais justa”.
Basta considerar um exemplo. O teto salarial
do setor público equivale a um rendimento anual de R$ 630 mil, sobre os quais o
funcionário recolhe 27,5% depois de todas as deduções permitidas (no máximo,
pouco mais de R$ 170 mil). Isso significa que ele pode receber até R$ 1,7
milhão ao ano somando os “penduricalhos” que não pagará um centavo a mais de
imposto. Se receber R$ 2 milhões, pagará apenas 10% sobre a diferença de R$ 300
mil, ou R$ 30 mil. Serão, portanto, R$ 170 mil sobre o que é recebido como
salário, mais R$ 30 mil sobre quase R$ 1,4 milhão recebido na forma de
“penduricalhos” (equivalente a uma alíquota de 2,2%).
Estudo recente das organizações Movimento Pessoas à Frente e República.org constatou, numa amostra de 4 milhões de servidores, haver 40 mil que, além de receber acima do teto constitucional, pertencem à fatia de 1% com maior renda do país — integram o grupo dos “super-ricos” da propaganda do governo. A elite do funcionalismo representa, segundo o estudo, pelo menos 2,7% da elite econômica brasileira. No universo pesquisado, cerca de 10,8 mil juízes receberam mais de R$ 1 milhão em 2023 (em valores corrigidos). Não se trata, portanto, de casos excepcionais. Para tornar o IR realmente “mais justo”, o mínimo que a reforma deveria fazer é submeter os “penduricalhos” à mesma taxação que o resto da remuneração. Dessa forma, quem ganha supersalários pagaria sobre eles 27,5%, e não zero ou alíquotas irrisórias.
Marco Temporal avança para a Câmara
Por O Povo (CE)
O Senado Federal aprovou, em dois turnos, a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/23, ratificando os termos do Marco
Temporal, tema da Lei 14.701/2023. A tese positivada pela lei estabelece que só
seriam consideradas terras indígenas tradicionais aquelas ocupadas fisicamente
no dia 5 de outubro de 1988 — data da promulgação da Constituição Federal.
Segundo o senador Dr. Hiran (PP-RR), o objetivo da emenda seria de conferir
segurança jurídica para o processo de demarcação de terras indígenas.
No entanto, ainda em 2023, a tese do Marco
Temporal foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Afinal, a Constituição define, no artigo 231, que os indígenas têm
"direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam".
Ou seja, os direitos indígenas "preexistem ao próprio Estado
brasileiro", como destaca a Nota Técnica da Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), e não podem ser limitados por marcos
temporais.
Um dos pontos centrais da decisão do STF sobre
a tese foi o reconhecimento de que "expulsões, remoções forçadas,
confinamentos e episódios de violência histórica impedem que a presença física
em 1988 seja usada como critério de validação territorial".
Por outro lado, a Lei 14.701/2023 define o
oposto. No artigo 4º, ela define terras tradicionalmente ocupadas por indígenas
brasileiros "aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal,
eram habitadas por eles em caráter permanente". No § 2º, fica descrito que
"a ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área
pretendida descaracteriza o seu enquadramento no inciso I do caput deste
artigo, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado".
Enquanto a PEC vai à Câmara dos Deputados, o
STF avalia as ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) 7582, 7583 e 7586, e
a ação direta de constitucionalidade (ADC) 87, que visam definir se a Lei
14.701/2023 é compatível ou não com a Constituição. A votação presencial estava
prevista para 2026, pois a Corte entra em recesso a partir do dia 20 de
dezembro. No entanto, o ministro Gilmar Mendes solicitou a convocação de uma
sessão virtual de urgência para dar continuidade ao julgamento ainda em 2025, a
começar amanhã, 15 de dezembro, até o dia 18.
Os povos indígenas alertam que o Marco Temporal coloca as 1.393 terras indígenas brasileiras em risco, além de estimular a violência contra indígenas e a invasão de terras. Ainda, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) aponta que existem mais de 20 propostas anti-indígenas tramitando atualmente no Senado e na Câmara, entre elas a PEC 59/2023, que transfere a demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o Congresso Nacional. Manter o Marco Temporal na Constituição é retroceder em direitos socioambientais e ignorar um histórico de genocídio e escravização dos verdadeiros guardiães da terra hoje chamada de Brasil.

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