sexta-feira, 26 de maio de 2023

Claudia Safatle - É melhor não inflacionar a economia

Valor Econômico

Países com metas de inflação mais frouxas têm, em geral, taxa de juros mais salgadas

Quando, durante a gestão do então ministro Paulo Guedes na Economia, o economista Aloísio Araújo enviou-lhe estudo sugerindo que era melhor flexibilizar a meta de inflação para não ter que elevar demais a taxa de juros, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, respondeu, durante a conversa com Guedes, que não. Por uma razão simples: as expectativas de inflação iam desancorar e, para trazê-las de volta a seu curso, os juros teriam que subir ainda mais do que já subiriam.

O presidente do BC preferia, portanto, não mudar o regime de metas, que era de 3,5% no ano passado para 3,25% neste ano e para 3% em 2024 e 2025. O sistema prevê, também, intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, de forma que a meta estará cumprida se, neste ano, a inflação ficar no intervalo de 1,75% e 4,75%.

Campos advogou, inclusive, que seria preferível alongar o prazo de convergência da inflação para a meta, abandonando o ano-calendário e trabalhando com prazos de 18 meses ou dois anos, ou ainda um prazo maior.

O alongamento dos prazos para efeito da política monetária é uma das duas mudanças avaliadas como melhorias a serem feitas no regime de metas para a inflação, juntamente com a adoção dos núcleos de inflação no lugar do IPCA cheio, no estudo que acompanhou a decisão sobre reduzir a meta de inflação para 3%, a partir de 2024.

O estudo, elaborado pela equipe da Secretaria de Política Econômica (SPE) ainda sob a batuta de Adolfo Sachsida, que depois veio a ser ministro das Minas e Energia, segundo notícias publicadas pela “Folha de S.Paulo” recebeu a tarja de “sigiloso” pelo atual ministro Fernando Haddad.

O ministro Haddad, disse, em entrevista recente, que talvez seja a hora de se pensar em mudar o período da meta.

No estudo da SPE, primeiro se estabilizaria a inflação em 3% ao ano, esta sendo considerada a taxa de inflação neutra, de longo prazo, e depois se perseguiria as melhorias teóricas com relação ao prazo e o melhor indicador para servir de meta para a inflação. E este é tido como os núcleos de inflação. O núcleo não é afetado por decisões de política econômica tal como redução temporária da incidência de tributos sobre combustíveis, como ocorreu no ano passado.

Quando criou-se o regime de metas no país, a opção foi pela clareza; daí escolheu-se o IPCA cheio de 12 meses.

Outra questão abordada pelo estudo diz respeito ao regime de metas pelo mundo e, nesta, mostra-se que não há uma relação direta entre uma meta de inflação mais frouxa e uma taxa de juros menor.

“É justamente o contrário: países com metas mais altas de inflação são justamente os que têm taxa de juros mais salgadas’’, disse uma fonte que participou da elaboração do estudo técnico.

Veja-se, por exemplo, os casos de Turquia e Argentina. Aliás, o ex-presidente do BC da Argentina Federico Sturzeneger disse em seminário no Banco Central do Brasil, realizado em São Paulo na semana passada, que as coisas na Argentina desandaram mesmo quando o governo fez a revisão e flexibilização da meta para a inflação em 2017.

Nós também temos, aqui, um caso pedagógico com o então ministro da Fazenda Guido Mantega. Era junho de 2007 e o governo Lula teria que definir a meta de inflação para 2009. Como o IPCA vinha se comportando bem, a expectativa era que Lula definisse uma meta em queda, dos 4,5% em que se encontrava para 4%.

Desde 2005 a meta se encontrava estacionada em 4,5% com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais. Já a inflação realizada havia sido de 3,14% em 2006.

Quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) reuniu-se, no dia 26 de junho de 2007, para decidir qual seria a meta do IPCA para 2009, as expectativas do relatório Focus, do BC, apontavam para 3,6% de inflação em 2007 e 3,99% para o ano seguinte. Portanto, parecia um contrassenso alguém defender que a meta deveria continuar em 4,5%.

Mas foi o que fez o presidente Lula sob aplauso do ministro da Fazenda e sob a sensação de fracasso do BC. Aí estava exposta a divergência entre ambos, tal como hoje ela se apresenta. Não há nada de novo nessa discussão.

O resultado foi ter uma economia mais inflacionada. A decisão de manter a meta de 4,5% para 2009 levou a inflação de 2007 para 4,46%, dentro da meta mas acima dos 3,6% que o mercado projetava no mês de junho. Também em 2008, a inflação efetiva foi de 5,9%, bem superior aos 3,99% prognosticados pelo mercado naquele mês. Em 2009, sob o impacto da crise financeira mundial, a economia entrou em recessão e a inflação cedeu para 4,31%. Já no ano de 2010, quando da reeleição de Lula, a economia cresceu 7,5% mas a inflação bateu em 5,91%.

Há, porém, uma grande diferença entre o Mantega de 2007 e o Haddad de 2023: o Banco Central goza de independência para perseguir a meta e, até onde se sabe, Campos Neto não cogita ceder no debate que hoje atormenta os brasileiros que sentem na pele e no bolso a força da inflação para lhe subtrair poder de compra.

A mais recente projeção de inflação para este ano feita pelos analistas de mercado caiu de 6,03% para 5,80%% nesta semana, de acordo com dados divulgados na segunda-feira (22) pelo Relatório Focus do Banco Central.

O melhor a fazer é perseverar no regime de metas e na meta de 3%, para não inflacionar mais a economia.

 

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