Valor Econômico
Países com metas de inflação mais frouxas
têm, em geral, taxa de juros mais salgadas
Quando, durante a gestão do então ministro
Paulo Guedes na Economia, o economista Aloísio Araújo enviou-lhe estudo
sugerindo que era melhor flexibilizar a meta de inflação para não ter que
elevar demais a taxa de juros, o presidente do Banco Central, Roberto Campos
Neto, respondeu, durante a conversa com Guedes, que não. Por uma razão simples:
as expectativas de inflação iam desancorar e, para trazê-las de volta a seu
curso, os juros teriam que subir ainda mais do que já subiriam.
O presidente do BC preferia, portanto, não
mudar o regime de metas, que era de 3,5% no ano passado para 3,25% neste ano e
para 3% em 2024 e 2025. O sistema prevê, também, intervalo de tolerância de 1,5
ponto percentual para cima ou para baixo, de forma que a meta estará cumprida
se, neste ano, a inflação ficar no intervalo de 1,75% e 4,75%.
Campos advogou, inclusive, que seria preferível alongar o prazo de convergência da inflação para a meta, abandonando o ano-calendário e trabalhando com prazos de 18 meses ou dois anos, ou ainda um prazo maior.
O alongamento dos prazos para efeito da
política monetária é uma das duas mudanças avaliadas como melhorias a serem
feitas no regime de metas para a inflação, juntamente com a adoção dos núcleos
de inflação no lugar do IPCA cheio, no estudo que acompanhou a decisão sobre
reduzir a meta de inflação para 3%, a partir de 2024.
O estudo, elaborado pela equipe da
Secretaria de Política Econômica (SPE) ainda sob a batuta de Adolfo Sachsida,
que depois veio a ser ministro das Minas e Energia, segundo notícias publicadas
pela “Folha de S.Paulo” recebeu a tarja de “sigiloso” pelo atual ministro
Fernando Haddad.
O ministro Haddad, disse, em entrevista
recente, que talvez seja a hora de se pensar em mudar o período da meta.
No estudo da SPE, primeiro se estabilizaria
a inflação em 3% ao ano, esta sendo considerada a taxa de inflação neutra, de
longo prazo, e depois se perseguiria as melhorias teóricas com relação ao prazo
e o melhor indicador para servir de meta para a inflação. E este é tido como os
núcleos de inflação. O núcleo não é afetado por decisões de política econômica
tal como redução temporária da incidência de tributos sobre combustíveis, como
ocorreu no ano passado.
Quando criou-se o regime de metas no país,
a opção foi pela clareza; daí escolheu-se o IPCA cheio de 12 meses.
Outra questão abordada pelo estudo diz
respeito ao regime de metas pelo mundo e, nesta, mostra-se que não há uma
relação direta entre uma meta de inflação mais frouxa e uma taxa de juros
menor.
“É justamente o contrário: países com metas
mais altas de inflação são justamente os que têm taxa de juros mais salgadas’’,
disse uma fonte que participou da elaboração do estudo técnico.
Veja-se, por exemplo, os casos de Turquia e
Argentina. Aliás, o ex-presidente do BC da Argentina Federico Sturzeneger disse
em seminário no Banco Central do Brasil, realizado em São Paulo na semana
passada, que as coisas na Argentina desandaram mesmo quando o governo fez a
revisão e flexibilização da meta para a inflação em 2017.
Nós também temos, aqui, um caso pedagógico
com o então ministro da Fazenda Guido Mantega. Era junho de 2007 e o governo
Lula teria que definir a meta de inflação para 2009. Como o IPCA vinha se
comportando bem, a expectativa era que Lula definisse uma meta em queda, dos
4,5% em que se encontrava para 4%.
Desde 2005 a meta se encontrava estacionada
em 4,5% com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais. Já a
inflação realizada havia sido de 3,14% em 2006.
Quando o Conselho Monetário Nacional (CMN)
reuniu-se, no dia 26 de junho de 2007, para decidir qual seria a meta do IPCA
para 2009, as expectativas do relatório Focus, do BC, apontavam para 3,6% de inflação
em 2007 e 3,99% para o ano seguinte. Portanto, parecia um contrassenso alguém
defender que a meta deveria continuar em 4,5%.
Mas foi o que fez o presidente Lula sob
aplauso do ministro da Fazenda e sob a sensação de fracasso do BC. Aí estava
exposta a divergência entre ambos, tal como hoje ela se apresenta. Não há nada
de novo nessa discussão.
O resultado foi ter uma economia mais
inflacionada. A decisão de manter a meta de 4,5% para 2009 levou a inflação de
2007 para 4,46%, dentro da meta mas acima dos 3,6% que o mercado projetava no
mês de junho. Também em 2008, a inflação efetiva foi de 5,9%, bem superior aos
3,99% prognosticados pelo mercado naquele mês. Em 2009, sob o impacto da crise
financeira mundial, a economia entrou em recessão e a inflação cedeu para
4,31%. Já no ano de 2010, quando da reeleição de Lula, a economia cresceu 7,5%
mas a inflação bateu em 5,91%.
Há, porém, uma grande diferença entre o
Mantega de 2007 e o Haddad de 2023: o Banco Central goza de independência para
perseguir a meta e, até onde se sabe, Campos Neto não cogita ceder no debate
que hoje atormenta os brasileiros que sentem na pele e no bolso a força da
inflação para lhe subtrair poder de compra.
A mais recente projeção de inflação para
este ano feita pelos analistas de mercado caiu de 6,03% para 5,80%% nesta
semana, de acordo com dados divulgados na segunda-feira (22) pelo Relatório
Focus do Banco Central.
O melhor a fazer é perseverar no regime de
metas e na meta de 3%, para não inflacionar mais a economia.
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