domingo, 24 de agosto de 2025

Desvios da direita e riscos de Lula, por Míriam Leitão

O Globo

Tempo ruim para o bolsonarismo que arquitetou ataque ao país. Do outro lado, governo terá que administrar a crise do tarifaço

Foi uma semana ruim para o bolsonarismo. A crise no círculo íntimo do ex-presidente e o desprezo pelos seguidores que estão presos ficaram expostos. As pesquisas da Genial/Quaest mostraram o efeito corrosivo do tarifaço para Jair e Eduardo Bolsonaro. O presidente Lula melhorou a avaliação do governo, e abriu vantagem em relação a todos os candidatos da direita, num eventual segundo turno no ano que vem. Pela primeira vez, as pesquisas mostram que Bolsonaro não é o candidato mais competitivo do seu campo político. Mas há problemas também para o atual mandatário.

O cientista político Felipe Nunes, que faz testes eleitorais há cinco rodadas, conta que é a primeira pesquisa mostrando Jair Bolsonaro com menos intenção de votos do que os governadores Tarcísio e Ratinho Jr. Apesar de ser o mais conhecido candidato da direita e tendo concorrido duas vezes à presidência — uma vez com sucesso — Jair Bolsonaro ficou 12 pontos atrás de Lula num segundo turno, se ele pudesse concorrer. Tarcísio tem oito pontos de diferença e registra o melhor desempenho da direita, enquanto Ratinho Jr. fica dez pontos atrás.

Deu errado a aposta de atirar no Brasil, fazer a economia sangrar, para assim obrigar o Judiciário a recuar numa ação penal cujo julgamento começará em nove dias. O que a pressão americana trouxe foram as provas de coação no curso do processo e um novo indiciamento.

Os diálogos chulos foram defendidos pelo governador Tarcísio de Freitas. “Não vou comentar uma conversa privada entre pai e filho. É uma questão que só interessa aos dois. Eu não sei porque essas conversas foram divulgadas. Realmente não vejo interesse nisso.”

O governador faz uma interpretação equivocada. Foram conversas privadas, mas de interesse público. Eles falaram sobre como Eduardo está agindo junto ao governo americano para manter o tarifaço. Empregos estão sendo perdidos no Brasil, empresas estão vivendo na incerteza e colecionando prejuízos por causa da chantagem de Donald Trump, alimentada por informações falsas levadas pelo deputado. Na conversa, o que Eduardo disse é que há um conflito entre fazer uma “anistia light” – que alivie para os seguidores do bolsonarismo que quebraram as sedes dos três poderes – e o projeto de salvar Bolsonaro. Tudo o que foi dito não é da relação pai-filho, nem mesmo a linguagem degradante, porque ela revela a hipocrisia de quem pediu votos com a tese de que teriam o monopólio dos valores da "família". Tarcísio mostra, mais uma vez, que está próximo da ala radical da direita, e não de uma eventual ala moderada onde tentam colocá-lo.

A conjuntura política também não está fácil para o governo. Sua base parlamentar teve uma derrota grande esta semana na disputa pela presidência e relatoria da CPI do INSS. Lula melhorou a aprovação, mas ainda não é um governante bem avaliado. Apesar de o custo do tarifaço ter sido principalmente sobre quem buscou o ataque ao Brasil, quem governa tem o ônus de administrar a crise.

Essa mudança de sinal nas pesquisas tem muito a ver, segundo o próprio pesquisador Felipe Nunes, com a queda da inflação de alimentos. Aliás, os dados da Quaest comprovam que a percepção da inflação segue perfeitamente o movimento da inflação em si. O país sabe exatamente quando a situação aperta. Quando a inflação de alimentos sobe, cai a aprovação. Sempre que diminui a inflação de alimentos, melhora a aprovação. Nos últimos dois meses, houve deflação na alimentação no domicílio. Ocorre que a alta ou queda nos preços pode ser às vezes sazonal. Parte dos fatores não depende do governo. Portanto, é preciso que a administração seja eficiente em outros pontos para manter a avaliação positiva.

Olhando para 2026, há problemas para os dois campos que vão se enfrentar nas urnas. De um lado, Lula tem o desafio de governar bem numa conjuntura de crise. De outro, os candidatos da direita não se afastam do bolsonarismo porque querem herdar seus votos. Mas, ao ficarem perto do ex-presidente, são contaminados também por sua rejeição, que é alta. Bolsonaro pode ficar ainda mais tóxico, e os principais pré-candidatos da direita nunca condenaram, de forma enfática, a tentativa de golpe de Estado que ele inspirou, liderou e pela qual será julgado quando setembro vier.

 

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