domingo, 24 de agosto de 2025

Só com mais investimento saímos do atoleiro, por Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

O ganho de produtividade também é uma questão política e seria bom se todo cidadão o entendesse dessa forma

Enfiado num atoleiro há pelo menos 12 anos, o Brasil só voltará a ser uma economia dinâmica se investir muito mais em capacidade produtiva, cuidar menos de fantasias diplomáticas, valorizar os interesses prosaicos e fizer do governo, mais uma vez, um instrumento de modernização do País. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter ambições mais amplas, mas fará um trabalho respeitável se concentrar seu empenho em tornar mais eficiente a economia brasileira. Depois de um avanço de 1,4% no primeiro trimestre, a produção perdeu impulso e pode ter aumentado apenas 0,3% no período de abril a junho, segundo o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), uma prévia do PIB elaborada pelo Banco Central.

Nesse ritmo, o País dificilmente fará mais do que materializar o crescimento de 2,21% indicado no último boletim Focus, uma síntese de projeções do mercado. As funções do governo e as ambições de empresários, financistas e trabalhadores envolvem, no entanto, muito mais do que a expansão estimada para o ano presente e para os dois ou três seguintes. É perfeitamente razoável, no caso de uma economia emergente, ambicionar um ritmo de avanço maior do que o realizado pelos países mais avançados. É preciso correr para diminuir as diferenças entre volumes de produção, níveis de consumo e perspectivas de emprego e de padrões de vida.

Para conseguir esse avanço é preciso poupar e investir em capacidade produtiva. Poupança e investimento dependem tanto do governo quanto do setor privado. Para investir mais em transporte, energia, saneamento, saúde, educação básica e formação de mão de obra, o governo tem de selecionar seus gastos, planejar e programar suas atividades e cuidar da eficiência do setor público. Se suas contas forem bem administradas, o setor público será menos pesado, deixará mais crédito para empresas e consumidores e a economia funcionará com juros mais assimiláveis. O empresariado poderá investir mais em capacidade produtiva e o potencial de crescimento econômico será ampliado.

No Brasil, um cenário com esse conjunto de condições é apenas uma abstração desejável. O equilíbrio das contas públicas é um objetivo permanente e raramente efetivado. Sempre carente de financiamento para fechar suas contas, o Tesouro compete com empresários e consumidores. Isso dificulta a redução de juros e atrapalha tanto o consumo quanto o investimento produtivo.

O Executivo tenta, às vezes, pressionar o Banco Central para reduzir os juros e desemperrar a economia. Mas o órgão, normalmente, cumpre sua função, nada além disso, quando aperta a política monetária para conter o efeito inflacionário da gastança pública e do desarranjo orçamentário. Jogos semelhantes de pressão sobre o Banco Central são realizados por um governo de esquerda no Brasil e por um de direita nos Estados Unidos.

Assim como a aritmética, a moeda é indiferente à coloração partidária dos governos. Apesar disso, as consequências do desarranjo monetário podem ser menos visíveis, ou até neutralizadas em parte, em economias com ampla intervenção governamental. Mas essa intervenção, para funcionar, tem de envolver mais do que moeda e preços. Quando isso ocorre, a perda de liberdade afeta mais do que a escolha entre um sorvete e uma fatia de bolo ou entre uma sorveteria popular e uma chique.

Longe de cenários desse tipo, os brasileiros têm de viver e enfrentar os problemas econômicos em condições políticas e sociais mais encontráveis em sociedades abertas. Em sociedades desse tipo, os preços são determinados por um complicado sistema de preferências e decisões de empresários, consumidores e agentes públicos. Não só os gastos de quem prefere este ou aquele tipo de sorvete interferem no valor final encontrado no varejo. A gestão das finanças públicas também afeta as condições gerais dos mercados, variações de preços setoriais e a precificação final de cada item. Esse amplo quadro inclui as decisões políticas dos eleitores e das autoridades.

Não há como tratar as condições de crescimento da produção, de abertura de empregos e de geração de condições de consumo como fatos “meramente” econômicos e mensuráveis apenas por critérios técnicos. O atoleiro enfrentado pelo Brasil há pelo menos 12 anos – alguns analistas levariam a análise bem mais longe – é um fato político, produzido por decisões e arranjos políticos. O ganho de produtividade necessário para livrar o País desse atoleiro também é, portanto, uma questão política e seria bom se todo cidadão o entendesse dessa forma.

O País cresceu menos de 2% em seis dos dez anos entre 2015 e 2024. O crescimento igualou ou superou 3% em apenas quatro. A maior taxa, 4,8%, ocorreu em 2021, em parte como compensação do desastre do ano anterior, quando o valor produzido encolheu 3,3%. Em nenhum outro período o resultado sequer bateu em 4%. Para crescer é preciso investir em meios de produção e em mão de obra. Neste século, raramente o valor investido igualou ou superou 18% do Produto Interno Bruto (PIB), barreira ultrapassada, em vários emergentes. No primeiro trimestre essa taxa bateu, no Brasil, em 17,8%.

 

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