Folha de S. Paulo
Os Estados Unidos não fazem mais parte do
Ocidente democrático tal como o entendíamos
Flávio Dino decidiu
que a lei americana deve ser aplicada em território americano e a lei
brasileira deve ser aplicada em território brasileiro. Donald Trump discorda
das duas coisas.
Como notou Thiago Amparo nesta Folha, a lei
americana não é automaticamente aplicável no Brasil pelo mesmo motivo que a lei
chinesa não é. O Brasil é um país soberano.
O leitor pode responder: bom, mas Brasil
e Estados
Unidos fazem parte da mesma cultura política, são países
ocidentais, adotam as normas da democracia liberal.
Esse argumento sempre foi frágil, mas deixou de fazer qualquer sentido no segundo mandato presidencial de Donald Trump. Pelo que se viu no primeiro semestre de 2025, e até segunda ordem, os Estados Unidos não fazem mais parte do Ocidente democrático tal como o entendíamos. Tomara que voltem logo, de preferência tendo aprendido alguma coisa.
E tomara que o choque Trump nos ajude a
entender que o que merece ser defendido não é a cor da pele dos que criaram o
iluminismo ou a democracia, mas sim os valores que subjazem a essas visões de
mundo.
De qualquer forma, a tentativa de impor as
sanções Magnitsky a Alexandre de
Moraes também é ultrajante por outros motivos, além da
soberania nacional.
Afinal, por que os Estados Unidos teriam o
direito de aplicar suas leis em outros países se não as aplicam mais em solo
americano?
Na última quarta-feira, o próprio criador da
Lei Magnitsky, o deputado americano Jim McGovern, enviou uma carta aos secretários de Estado e do Tesouro
de Trump dizendo que a aplicação das sanções a Moraes é obviamente ilegal.
Segundo McGovern, é "vergonhoso que o
governo Trump tenha imposto sanções GloMag ['Global Magnitsky'] de maneira
contrária ao seu propósito, minando os esforços do judiciário brasileiro para
defender as instituições democráticas e manter o Estado de Direito".
A lei americana também proíbe claramente as
tarifas impostas por Trump ao Brasil.
Para impor uma tarifa, Trump precisa provar
que há uma emergência econômica ou de defesa nacional que as justifique. Os
Estados Unidos são superavitários em seu comércio com o Brasil. E só estamos
ameaçando a segurança nacional americana se prender o Jair for o equivalente
daquela aberturazinha na Estrela da Morte que faz o negócio todo explodir
quando o Luke Skywalker atira lá dentro.
Imagine como seria se adotássemos, no Brasil,
a mesma elasticidade jurídica de Trump. Poderíamos, por exemplo,
enquadrar Eduardo
Bolsonaro, Paulo Figueiredo e seus cúmplices em crimes previstos no
Código Penal Militar, como traição (artigo nº 355), favor ao inimigo (artigo nº
356) ou tentativa contra a soberania do Brasil (artigo nº 357). A pena máxima,
em todos esses casos, seria a morte.
Seria errado. O Código Penal Militar não foi
feito para isso, e banalizar sua aplicação o desmoralizaria, como Trump está
desmoralizando a Lei Magnitsky.
Além disso, manter Eduardo e Figueiredo nos
Estados Unidos já é uma forma de vingança brasileira pelas tarifas. Reclamaram
do George Santos? Pois nós temos vagabundos muito piores para mandar.
Resta torcer para que os americanos sigam o
conselho de Flávio Dino e voltem a fazer valer a lei americana onde ela é, de
fato, legítima: nos Estados Unidos.
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