Valor Econômico
Planejamento lança ferramenta para que gestores das mais de 600 políticas públicas federais façam autoavaliação e descubram o que funciona e o que pode ser eliminado
Enquanto o presidente da Argentina, Javier Milei, dispõe de uma motosserra para cortar despesas, o governo brasileiro trabalha com uma chave de fenda. Mas, enquanto a atuação do primeiro causa tensão na sociedade, o “trabalho de relojoeiro” feito por aqui parece ser mais sustentável. Essa foi a avaliação feita pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à GloboNews, nesta terça-feira (21). Ele falava sobre o crescimento das despesas obrigatórias, cuja contenção é uma tarefa que não acabou. O governo precisará retornar a temas propostos que o Congresso Nacional não quis avaliar, como os supersalários do funcionalismo, o sistema de aposentadoria dos militares e os fundos constitucionais.
O avanço das despesas obrigatórias é, talvez,
o ponto mais criticado por especialistas quando avaliam a gestão atual. A
trajetória insustentável lança uma sombra sobre outros feitos do governo, como
o crescimento acima do esperado, a reforma tributária, a queda do desemprego.
Para colocar em pé o Orçamento de 2026 depois
que o Congresso deixou caducar a Medida Provisória (MP) 1.303/25, o governo
preparou dois projetos de lei: um do embate e outro da relojoaria.
O do embate aumenta a taxação sobre bets e
fintechs. Depois da vitória de 493 a zero na votação na Câmara do projeto de
lei que isenta do Imposto de Renda as pessoas que ganham até R$ 5 mil, o
governo pegou gosto por propostas com potencial de mobilização social e para as
quais dizer “não” pega mal.
No da relojoaria, vai insistir no aperto dos
controles na concessão do auxílio-doença e do seguro-defeso, além de incluir o
Pé-de-Meia no piso de gastos com educação e melhorar o controle na compensação
dos sistemas previdenciários de Estados e municípios em relação à Previdência
Social. A mesma proposta deverá contemplar a limitação de compensações
tributárias, medida que sozinha eleva receitas em R$ 10 bilhões ao ano.
Um olhar mais atento sobre como o governo
gasta o dinheiro do contribuinte ou, numa variação, deixa de arrecadar tributos
para estimular determinados setores é tema de um relatório que o Ministério do
Planejamento enviou recentemente ao Congresso Nacional, com a avaliação de oito
políticas públicas.
Na área de gastos tributários, bandeira
levantada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
(Republicanos-PB), e que virá à pauta em algum momento do longo trabalho de
reconstrução das contas públicas, chama a atenção a análise sobre o Perse,
programa criado por iniciativa do Congresso em 2021 para apoiar empresas dos
setores de evento e turismo durante a pandemia. Reduziu a zero, por 60 meses,
as alíquotas de IRPJ, PIS/Cofins e CSLL.
Como Odete Roitman, personagem de “Vale
Tudo”, o programa foi encerrado em março passado, mas nem tanto. Ainda há
discussões na Justiça.
“Dá saudade do Perse”, disse à coluna o
presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes
(Abrasel), Paulo Solmucci. O programa cumpriu seu papel, e as empresas que
tiveram acesso a ele foram muito favorecidas, avaliou.
“Mas sempre achei o Perse um programa falho,
porque não contemplou as empresas do Simples, talvez as que mais sofreram com a
pandemia”, completou.
Esse é um dos achados da avaliação do
Ministério do Planejamento. Além de as empresas mais vulneráveis terem ficado
de fora, o Perse beneficiou da mesma forma quem fechou na pandemia e quem
continuou operando.
Cálculos incluídos no relatório apontam que
as empresas participantes do programa criaram 12 empregos a mais do que as não
participantes, em média.
O custo, porém, foi elevado. Na média, cada
emprego consumiu R$ 99,4 mil em 2024, ao passo que o salário médio anual dos
trabalhadores das empresas do setor é de R$ 50,4 mil. O relatório conclui que,
“para cada real gasto com o programa, o benefício gerado é de cinquenta
centavos.”
O Perse tinha também problemas de governança,
aponta o relatório. Não havia definição formal de papéis dos gestores
responsáveis pela implementação do programa, instrumentos de gestão de risco
específicos, instâncias de participação social ou interação entre atores
públicos e privados, lista. Tampouco havia registros sobre quanto foi gasto no
programa antes de 2024.
Chamado pelo Planejamento a opinar, o
Ministério do Turismo cita a própria lei que criou o programa para dizer que
não tinha “responsabilidade direta quanto à execução ou à gestão” do Perse.
Procurada, a Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape) não se
manifestou até a conclusão desta edição.
Nesta semana, o Planejamento lançou uma
ferramenta para que os gestores das mais de 600 políticas públicas federais
façam uma autoavaliação, para massificar o olhar lançado sobre o Perse.
“No cenário de restrição [orçamentária] que
se avizinha, pode ter um interesse dos gestores em produzirem evidências das
políticas que operam bem”, disse à coluna o secretário de Monitoramento e
Avaliação de Políticas Públicas do Ministério do Planejamento, Wesley Matheus
de Oliveira.
Avaliar gastos é bom para saber o que cortar
e o que não cortar. É trabalho de relojoeiro.
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