A intempestiva decisão do Ministério do Desenvolvimento, de recriar barreira à importação, mesmo de curta duração, é mais uma insensatez do governo Lula. Na segunda-feira, simplesmente o Siscomex saiu do ar e, quando voltou, exigia licença de importação. Em minutos, o Brasil recuou décadas no tempo. Ontem, empresários correram a Brasília e o governo tentou dourar a pílula.
O ministro interino do sub-Desenvolvimento, Ivan Ramalho, disse que não é a licença prévia como se pensou, mas a licença automática que demoraria 10 dias. Difícil de acreditar por vários motivos.
O Brasil já foi assim na época em que era fechado; no tempo das diligências. Um burocrata decidia criar uma barreira à importação e ela era criada. Na sexta-feira passada, uma nota do Siscomex havia avisado, para a incredulidade de muitos, que seria adotada de novo a Licença de Importação. O governo afirma que é só para fazer um "acompanhamento estatístico" das importações. Ora, só? Então o Siscomex não tem estatística do que entra e do que sai, do que é registrado no sistema? O que é o Siscomex, então? Um sistema sem máquina de calcular, um computador sem memória?
Ontem de tarde, depois de uma série de reuniões em Brasília, o ministro interino do sub-Desenvolvimento, Ivan Ramalho, disse que essa licença não é barreira, porque será só de 10 dias. Ele insiste que o governo quer apenas saber o que está importando. Essa é a desculpa mais esfarrapada que eu já vi.
O presidente da Anfavea, Jackson Schneider, após uma reunião com o ministro Guido Mantega, em Brasília, disse esperar que seja mesmo provisória.
- Era só o que faltava, neste momento, ter mais uma dificuldade de produção - disse ele. Mesmo com o ministro interino do sub-Desenvolvimento tentando dourar a pílula, mesmo que o ministro titular, quando voltar da Argélia, revogue a medida, o que aconteceu nas últimas horas de confusão já invalida anos de esforço de se criar a imagem do Brasil como um país com estabilidade de regras.
É o DNA protecionista do governo Lula aparecendo. Sempre esteve latente, mas como eram tempos de altos preços de commodities e superávits fortes, ele não aparecia. Quando viu que neste mês de janeiro está havendo déficit na balança comercial, o protecionismo saiu do armário. José Roberto Mendonça de Barros, que já foi da Câmara de Comércio Exterior e é especialista no assunto, acha que essa medida não tem sequer um lado bom.
- Analisada por todos os ângulos, não sobra nada de bom. É um retrocesso, é de enorme amplitude que pega quase tudo, e esse negócio caiu do nada. Se era só para fazer controle estatístico, é uma bomba atômica para matar um tico-tico. Se é resposta à Argentina, que adotou medida semelhante, por que a barreira foi para todos? Se é preocupação com déficit comercial, é bom lembrar que os problemas na balança comercial têm a ver com a crise internacional. O câmbio está favorável à exportação. Quando o dólar estava a R$1,60 ou R$1,80, o cálculo mostrava que se chegasse a R$2,10 estaria num ponto de equilíbrio para o exportador, ele está em R$2,30. Ninguém estava pedindo esse tipo de barreira, isso pode criar problemas nos órgãos internacionais de comércio. Do ponto de vista comercial é doido, do ponto de vista econômico é ridículo - conta José Roberto.
O sinal que passa uma medida que leva empresários em revoada voando aflitos a Brasília é o de que voltou a era em que burocratas tinham o direito de tomar decisões intempestivas sem qualquer motivo aparente, sem discussão com a sociedade, sem transparência, sem análise das consequências.
O curioso é que os primeiros telefonemas que recebemos no blog foram de exportadores. Antigamente, importador é que reclamava de barreira. De lá para cá, nosso sistema produtivo se sofisticou, os exportadores importam para exportar; nossos fornecedores do mercado interno importam para produzir.
- Hoje não há mais essa idéia de conflito entre produto para o mercado interno e produto para exportação. Acho que só o MST acredita nisso. Tirando feijão e mandioca, tudo produzido aqui pode ser para o mercado interno e externo - diz José Roberto.
Nas conversas de ontem com empresários, um deles contou à coluna que importa linho, fibra e fio processado. Os dois produtos já têm exigência de licença, porque no setor têxtil o comércio sempre foi controlado. A fibra tem que passar pelo Ministério da Agricultura, num processo que leva 15 dias. Ele teme que agora demore ainda mais.
O vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro, acha que a medida é um recuo no tempo e que ela não foi originada no MDIC.
- É uma volta aos anos 70 e 80. O pedido tem que ir a Brasília, e o Ministério do Desenvolvimento não tem muita gente para cuidar disso. Além disso, a medida foi tomada quando o titular da pasta estava na Argélia. Reforça a idéia de que a decisão não foi do Ministério do Desenvolvimento, e sim da Fazenda - conta José Augusto de Castro.
Além de ser um anacronismo, a licença é um risco de outra natureza. Ela dá ao burocrata o poder de barrar ou liberar produtos, dar vantagens para um grupo, prejudicar o concorrente desse grupo, apenas manipulando o tempo de concessão da licença. Em uma palavra: essa burocracia alimenta a corrupção. Foi assim no passado, o Brasil já viu esse filme. Foi desmontando as barreiras burocráticas, não tarifárias à importação, que o Brasil começou a se modernizar.
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