quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Casos de dois ex-tucanos que assombram Tarcísio. Por Fernando Exman

Valor Econômico

Os passos de Tarcísio estão sendo observados por bolsonaristas e petistas

As experiências de dois ex-pré-candidatos a presidente da República pelo PSDB justificam a cautela do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em meio às turbulências provocadas pelo anúncio da pré-candidatura à Presidência do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Na dúvida, que se adote uma postura ambígua, da qual a família Bolsonaro não possa reclamar nem os eleitores de direita e centro-direita lamentar.

Foi nesse contexto que Tarcísio disse na segunda-feira (8), em Diadema (SP), respeitar muito o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele reiterou sua gratidão e lealdade ao ex-mandatário, acrescentando que Flávio, por ser a escolha do pai para representá-lo na eleição presidencial, “vai contar com a gente”. Por outro lado, ressalte-se, ponderou que Flávio se junta agora a um rol mais amplo de outros governadores da oposição que colocaram seus respectivos nomes à disposição para tentar tirar o PT do Palácio do Planalto. E concluiu: está cedo e ainda há tempo de maturação.

Está na memória de todos, nos partidos de centro, esquerda e direita, o que se passou com João Doria. Em 2018, aliados de Doria, à época no PSDB, lançaram a dobradinha BolsoDoria com o objetivo de estimular que os eleitores votassem nele para governador de São Paulo e em Jair Bolsonaro a presidente.

A situação mudou quando os planos nacionais de Doria começaram a ficar claros para Bolsonaro. A relação ficou interditada de vez em março de 2020, quando os dois bateram boca em uma reunião sobre medidas para combater a pandemia de covid-19. A partir daí, Doria passou a ser alvo de ataques frequentes de Bolsonaro, seus filhos e aliados, os quais não cessaram nem quando sua pré-candidatura a presidente em 2022 acabou inviabilizada.

Romper com Bolsonaro, tendo o ex-presidente chamando-o de traidor e ingrato, pode ser um obstáculo grande para quem pretende cativar uma parcela considerável dos eleitores de direita e extrema-direita. Aliados de Tarcísio têm isso em mente e querem evitar esse risco.

Do lado adversário, entre autoridades do Palácio do Planalto e dirigentes do PT, o cenário que se traça para Tarcísio de Freitas é o vivido pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, em 2022. Hoje no PSD, Leite estava no PSDB quando, em 31 de março daquele ano, formalizou sua renúncia do cargo tendo em vista a eleição presidencial. Mas, 74 dias depois, Leite anunciou que desistira do voo nacional e disputaria novamente o governo gaúcho.

Assim como a pré-candidatura de Doria, a de Leite não havia reunido as condições para avançar. “Eu mudei de opinião, mas não mudei de princípios. Por isso, eu disse que a renúncia me abria todas as possibilidades, não me retirava nenhuma”, explicou.

Como mostrou a colunista e repórter especial do Valor Maria Cristina Fernandes na terça-feira (9), no ano que vem Tarcísio precisará decidir se disputa a reeleição no cargo de governador ou se renuncia ao mandato para, com sua descompatibilização, ter a possibilidade de concorrer à Presidência da República em outubro. Se algum obstáculo intransponível aparecesse, ainda assim haveria como recolocar-se novamente na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. Na prática, seria uma candidatura à reeleição fora do cargo, assim como ocorreu com Eduardo Leite.

Para isso, contudo, precisaria fechar um acordo que interesse ao seu vice, Felicio Ramuth, o qual ficaria à frente da máquina administrativa estadual entre abril e dezembro. Ramuth teria que se comprometer a não usar o cargo para disputar a reeleição em voo solo, talvez em troca de manter-se na chapa como vice. Por outro lado, essa articulação poderia criar arestas entre Tarcísio e a cúpula do PSD, que gostaria de ver nesse espaço o presidente do partido, Gilberto Kassab.

Enquanto isso, mais uma vez a família Bolsonaro demonstra o que é capaz de fazer com aliados. Após anunciar a pré-candidatura ao Planalto, Flávio disse contar com Tarcísio para conseguir uma ampla diferença de votos em São Paulo, maior colégio eleitoral do país.

No Palácio do Planalto, aliás, diz-se que o candidato escolhido por Lula para essa briga terá que entrar no ringue sabendo que sua missão será justamente impedir que isso ocorra e, se possível, diminuir a diferença que Bolsonaro obteve contra Lula em 2022 no Estado. Mesmo que isso signifique entrar na eleição sabendo que o destino é mais uma derrota.

Dias antes, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi além. Afirmou que o governador é “um tecnocrata de centro”, e não de direita, por achar que ainda há espaço de diálogo com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e querer agradar eleitores de centro e até da esquerda.

São antigas as discussões sobre a distinção entre os chamados tecnocratas e os políticos. Um dos aspectos desse debate se dá, em primeiro lugar, em como eles chegam ao poder. Em segundo, como o conservam. Considerando que a competência é pressuposto para um tecnocrata conquistar um mandato eletivo, o que não necessariamente se diz a respeito de um político, vem a análise sobre o que ele fará depois para mantê-lo. Os passos de Tarcísio estão sendo observados, sob essa ótica, por bolsonaristas e petistas.

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