quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

A conduta do Supremo. Por Elio Gaspari

O Globo

Um freio de arrumação faria bem ao tribunal

Se o ministro Edson Fachin conseguir que seus colegas aceitem se submeter a um código de conduta, terá marcado sua passagem pela presidência do Supremo Tribunal Federal. Não será fácil.

Na semana em que o ministro Gilmar Mendes decidiu blindar os colegas, soube-se que seu colega Dias Toffoli foi ao Peru para assistir à final da Libertadores. Viajou no jatinho de um empresário, na companhia do advogado Augusto de Arruda Botelho, descendente do Barão do Pinhal, contratado por Luiz Antonio Bull, diretor de compliance do Banco Master. Quatro dias depois, o ministro baixou uma ordem de sigilo no processo e determinou que novas investigações devessem passar primeiro por seu crivo.

Daniel Vorcaro, o celebrizado dono do Master, tinha um fraco por eventos, em especial os que patrocinava no exterior, enfeitados por notáveis da República. O jatinho que levou Toffoli ao jogo de futebol mostra que o banco acabou, mas seu estilo sobrevive.

Um código de conduta para ministros do Supremo teria a virtude de servir de exemplo a outros magistrados, altos funcionários do Executivo — e também para jornalistas.

Esse código cuidaria, por certo, de mimos como o jatinho para Toffoli e de dois campos minados: as palestras e as farofas no circuito Elizabeth Arden.

Ninguém pode impedir um magistrado de dar uma palestra, até mesmo sobre a desdita do Palmeiras. Tudo ficaria mais claro se o palestrante pusesse na internet quanto cobrou, onde falou e quem pagou.

O mesmo valeria para as farofas, incluindo a origem do paganini do transporte e da hospedagem. Essa regra é forte e não vigora para a Suprema Corte americana. O genial ministro Antonin Scalia morreu em 2016 durante uma farofa. Se o Tribunal brasileiro vier a adotá-la, livra-se de uma canga. Registre-se que um número considerável de magistrados opera nesses limites. Quando Toffoli faz uma das suas, destaca-se mais pela conduta e consegue uma exposição que não é dada à qualidade de seus votos.

Acesso a ministros é coisa valiosa. Quando ministro da Justiça, de 1937 a 1942, Francisco Campos via-se apoquentado por um finório que insistia em convidá-lo para almoçar. Um dia aceitou, mas mandou o ajudante de ordens.

A maioria dos ministros do Supremo fala pouco, não embarca para farofas e seleciona suas palestras. Como selecioná-las? Basta seguir a lição de Potter Stewart (1915-1985), da Suprema Corte dos Estados Unidos:

— Não sei definir pornografia, mas, quando a vejo, reconheço-a.

Seria saudável se o Supremo Tribunal debatesse a própria blindagem com uma proposta de código de conduta. A blindagem mostraria que só o procurador-geral pode abrir um processo de impedimento de um ministro. Jogo ruim, mas seria jogo jogado. O código de conduta informaria ao distinto público o que os ministros blindados se comprometem a não fazer.

Pelo cheiro da brilhantina, a blindagem prosperará. O código de conduta, quem sabe?

 

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