Não é apenas na questão da perda dos direitos políticos dos parlamentares condenados que o Congresso pode ter um enfrentamento com o Supremo Tribunal Federal. Há outra questão polêmica em jogo no momento, com consequências mais concretas para o país do que a crise institucional que se anuncia caso o futuro presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, mantenha a posição intransigente de seu antecessor e decida não acatar o entendimento do STF de que os mandatos dos deputados condenados no mensalão estão automaticamente cassados.
O STF havia decidido três anos atrás que a distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) obedecia a critérios inconstitucionais e teria de ser alterada até 31 de dezembro de 2012. Decidiu isso, diga-se, instado por quatro ações de estados interessados na reformulação do fundo. Nada foi feito de lá para cá, e, de última hora, a presidência do Senado conseguiu de seu departamento jurídico uma interpretação que adia para 2013 a mudança dos critérios do FPE. Mas há senadores que não confiam nessa interpretação e temem que o STF decida bloquear a distribuição do fundo, que normalmente é feito pelo Ministério da Fazenda até 10 de janeiro de cada ano. Como tanto o Legislativo quanto o Judiciário estarão de recesso na data, e o Executivo já avisou que vai distribuir o dinheiro de acordo com os critérios vigentes, pode ser que também essa crise acabe não acontecendo, acumulando mais desgastes para o Legislativo.
A lei complementar que define as regras dos fundos de participação deveria ter vigorado só nos exercícios fiscais de 1990 a 1992, mas continua em vigor com os mesmos coeficientes de divisão de 20 anos atrás. Os recursos do FPE representam quase 70% dos orçamentos de Acre, Amapá, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins, e cerca de metade dos de Maranhão, Pará, Paraíba e Sergipe. Governos estaduais que já reclamam da situação financeira e querem renegociar suas dívidas com a União não conseguiriam sobreviver sem esses repasses. O fim do mundo não chegou pelo calendário maia em 21 de dezembro, mas poderá chegar a 10 de janeiro se o dinheiro não for distribuído, define um secretário de Fazenda.
Formados por parte da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o dos Municípios (FPM) já estão sofrendo com os subsídios que o Planalto vem dando a certos setores econômicos, como indústria automobilística ou de eletrônicos.
As "perdas" por conta do FPM afetam, sobretudo, os municípios menores e as regiões Norte/Nordeste. As perdas relativas ao FPE atingem basicamente Norte/Nordeste/Centro-Oeste. Mas os incentivos do IPI e do IR afetam também os fundos constitucionais dessas regiões, que alimentam o crédito subsidiado dos bancos regionais como BNB, BASA. O total desses fundos absorve, a cada ano, 3% do IR e do IPI, a fundo perdido. O FPE e FPM absorvem uns 45%. Mais ainda, há um fundo que devolve ICMS não cobrado sobre as exportações industriais equivalente a dez por cento do IPI. Todos esses instrumentos de desenvolvimento regional estão sendo afetados pelas benesses que o governo federal faz, especialmente com o IPI. Por isso a alteração dos FPE e dos FPM é tão difícil de ser feita. De novo o Legislativo fica inerme diante de um impasse político e demonstra sua incapacidade de decisão, abrindo espaço para que o Judiciário atue.
Aliás, o Legislativo vem fazendo dessa inércia um instrumento político, como se viu agora com a descoberta de que existem mais de três mil vetos, desde o tempo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não analisados. Mas o Congresso não vota também a aprovação das contas dos presidentes da República. O Tribunal de Contas da União é um órgão auxiliar, dá parecer prévio, e, mesmo quando rejeita, a decisão só tem efeito quando o Legislativo aprova. Os políticos usam esse poder de não votar como uma chantagem permanente contra os presidentes, sem se importar para o fato de que perdem poder assim agindo.
Fonte: O Globo
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