Cristian Klein
SÃO PAULO - A criação de um partido pela ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é uma tarefa que terá de superar duas frentes de batalha e um desafio. A primeira frente são os obstáculos cartoriais - como a exigência de coleta e validação de quase 500 mil assinaturas de apoio. A segunda é a rejeição política do governo federal e de legendas que não querem ver seus espaços e bancadas reduzidos para uma nova sigla em ascensão. Já o desafio - interno e mais contornável - é convergir os interesses dos três principais grupos que se reúnem em torno da liderança de Marina: os ambientalistas, os evangélicos e os militantes de esquerda, especialmente os de perfil mais radical, ligados ao PSOL.
As duas frentes de batalha estão relacionadas. Marina tende a enfrentar mais dificuldades de juntar as assinaturas do que teve o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ao sair do DEM para fundar o PSD, em 2011. O projeto de Kassab foi incentivado pelo PT porque representava um racha na oposição e trazia um naco importante dela para a base de sustentação da presidente Dilma Rousseff. O PSD, que já nasceu como a quarta bancada da Câmara, com 51 deputados federais, permitiu o maior realinhamento partidário desde a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2003.
Marina, diferentemente de Kassab, representa uma ameaça à reeleição de Dilma em 2014 e não conta com a boa vontade dos petistas. Nem dos partidos que ainda contabilizam a perda de recursos políticos para o PSD.
"A maior dificuldade da Marina não será colher as assinaturas. Mas atrair filiados caso não tenha acesso à fatia maior do tempo de TV e do fundo partidário. Há um movimento forte no Congresso para não se permitir o que aconteceu com o PSD. E esse movimento tem tudo para dar certo", afirma Carlos Siqueira, primeiro-secretário do PSB, partido liderado por outro presidenciável, o governador de Pernambuco Eduardo Campos.
Siqueira refere-se ao projeto do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP). A proposta proíbe que a bancada recém-cooptada por um novo partido na Câmara seja utilizada como critério para o rateio proporcional do tempo de rádio e TV e dos recursos do fundo partidário. É algo já previsto na legislação, mas que recebeu outra interpretação, em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável ao PSD. O objetivo agora é explicitar a regra, fechando a brecha aberta pelo STF. "Quem tem que legislar é o Congresso Nacional. Com esta lei, fica mais claro. O deputado é eleito com a ajuda do partido. Ele pode até criar outra legenda, mas não vai levar o tempo de rádio, de TV, nem recursos do fundo. Isso dá segurança institucional e jurídica [ao partido pelo qual foi eleito]", defende Edinho Araújo.
O deputado nega que a proposta tenha sido criada com o objetivo de prejudicar a candidatura presidencial de Marina Silva. "Quando propus, não pensei em ser contra ninguém individualmente. A dificuldade será geral", prevê. Caso a lei seja aprovada, o partido de Marina terá direito de participar apenas da distribuição igualitária do tempo de TV (um terço dele dividido entre todos os candidatos) e de 5% do fundo partidário. Os demais 95% e os restantes dois terços do horário eleitoral seriam repartidos proporcionalmente pelos partidos de acordo com o desempenho na última eleição à Câmara dos Deputados. O projeto é apoiado por nove legendas tanto governistas - PT, PMDB, PSB, PP, PR, PDT e PRB - quanto os oposicionistas PSDB e PPS, que reúnem 360 deputados, nada menos que 70% dos votos na Casa.
Com o clima político hostil, a terceira via Marina Silva tende a ter mais problema para obter, em pelo menos nove Estados, as 491.569 assinaturas de apoio - número equivalente a 0,5% dos votos válidos na última disputa à Câmara. A exigência é um muro de contenção erguido no anos 1990 para impedir a proliferação de legendas. Hoje, há 30 partidos. Mas cerca de 70 siglas nasceram - e a maioria foi extinta - entre 1980 até 1995, quando entrou em vigor a nova legislação, mais rígida. Desde então, em 17 anos, apenas cinco agremiações foram criadas da estaca zero: o PRB, ligado à Igreja Universal, e o PSOL, fundado por dissidentes do PT, ambos em 2005; o PSD e o Partido Pátria Livre (PPL), em 2011; e o Partido Ecológico Nacional (PEN), no ano passado.
O PEN, de acordo com seu presidente, o ex-deputado estadual de São Paulo Adilson Barroso, levou seis anos para levantar as assinaturas e obter o registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Barroso chegou a oferecer a legenda para abrigar o grupo de Marina Silva, que, no entanto, não aceitou.
Kassab, por sua vez, conseguiu o registro do PSD em menos de sete meses, tempo semelhante ao que terá Marina. Se lançar a sigla em meados de fevereiro, como se cogita, a ex-ministra terá menos de oito meses até o prazo de 5 de outubro para cumprir todas as etapas - já que os candidatos precisam estar filiados a seu partido pelo menos um ano antes do dia da eleição.
O secretário-geral do PSD, Saulo Queiroz, afirma que a missão do grupo de Marina não será fácil e talvez nem factível, pelo pouco tempo à disposição. "É uma tarefa infernal, se você não tem uma estrutura importante, como foi o caso do PRB que tem a Igreja Universal. Quanto a nós, lançamos o partido em abril [de 2011] e começamos a colher as assinaturas em maio. Mas o que já éramos na época? Tínhamos dois governadores, cinco ou seis vice-governadores e mais de 40 deputados. Tínhamos estrutura de ação grande para fazer a coleta de assinaturas", diz o dirigente do PSD, que aponta ainda como dificuldade a criação de comissões provisórias em ao menos 5% dos municípios de cada Estado.
Saulo Queiroz questiona o poder de fogo do grupo da ex-senadora, que não detém o controle de máquinas de governo como era o caso dos aliados de Kassab. "Marina não tem esse apoio. Quem vai acompanhá-la, quem vai operar pelo país todo?", questiona.
A ex-ministra conta com os simpatizantes que a acompanham desde a eleição de 2010, e de sua saída do PV, e formaram o Movimento por uma Nova Política, com atuação nas redes sociais da internet. O movimento é composto por uma gama de políticos de vários partidos, como PT, PDT, PPS, PSOL, ambientalistas e evangélicos.
O deputado federal Alfredo Sirkis (RJ), que preferiu ficar no PV durante a crise que levou Marina a abandonar o partido, em julho de 2011, questiona a associação de segmentos tão diferentes. "É um conjunto de forças extremamente heterogêneo. Vai ser a dificuldade do partido. Numa campanha presidencial, como a de 2010, tudo bem, puderam coexistir. Mas imagine como será o programa do partido. Estou visceralmente ligado à causa verde; e não me vejo discutindo assuntos como aborto ou voltando a teses da extrema-esquerda", afirma Sirkis, que participou da luta armada durante o regime militar.
O deputado diz que Marina está estreitando sua base de apoio, numa inflexão à esquerda, "sobretudo se a Heloisa Helena for a segunda maior personalidade" da legenda. A contundente ex-senadora e candidata à Presidência em 2006, hoje em seu segundo mandato de vereadora em Maceió, já anunciou que sairá do PSOL caso Marina venha a formar o partido.
Sirkis considera que a previsão de que a nova sigla atraia até 15 deputados federais trabalha com um "cenário muito otimista". "Os descontentes nos partidos não são tantos assim. Agora tem muita gente fazendo rerré, jogando charme. Mas na hora do "vamos ver" desiste", diz.
O deputado afirma que o projeto em tramitação na Câmara sobre tempo de TV e fundo partidário "está em ponto de bala". Se ele passar, diz Sirkis, Marina terá tempo mínimo no horário eleitoral e seu poder de atração cairá muito. "Não vão dar para ela a colher de chá que deram para o Kassab. Antes interessava ao governo, agora não", diz.
O ex-presidente estadual do PV em São Paulo, Maurício Brusadin, que saiu da legenda junto com Marina Silva, concorda que o ambiente político para a ex-senadora será bem menos propício. No entanto, discorda do baixo potencial de adesões. Ele lembra que recentemente 312 dissidentes petistas no Piauí aderiram ao Movimento por uma Nova Política. Na Câmara, em sua opinião, a bancada poderia chegar a 30 deputados federais. "Ela [Marina] não é um azarão. É uma candidata a presidente que teve 20% e pode puxar a votação dos parlamentares que querem se reeleger. O mais difícil já se tem, que é uma potência, uma candidatura sedutora para o parlamentar mediano", diz.
Sobre o perfil heterogêneo do grupo ligado à Marina, Brusadin minimiza. "Não dá para aceitar alguém que nos foi contrário no Código Florestal, mas a tese ampla da sustentabilidade comporta tudo isso. Para se chegar à Presidência tem que se ter mesmo um balaio", afirma.
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário