- O Estado de S. Paulo
Em todo ano de eleição há uma notável regularidade: antes que se inicie a campanha oficial e, sobretudo, a propaganda no rádio e na TV, o eleitorado de um modo geral dá pouca atenção à disputa. Mesmo depois disso a coisa não melhora tanto, o que fica patente em dois dados das pesquisas de opinião.
O primeiro é o número de eleitores que declaram interesse na disputa. Numa pesquisa do Ibope de abril deste ano, 56% dos eleitores diziam ter pouco ou nenhum interesse pelos pleitos de outubro. No final de agosto último, decorrida uma semana de propaganda, eram ainda 51% os que continuavam desinteressados. E na pesquisa do último dia 15, passado quase um mês da propaganda eletrônica, esse número caiu apenas quatro pontos, para 47%. É de se esperar que esse número decline mais acentuadamente apenas às vésperas do pleito.
O segundo dado são as intenções de voto nos diferentes candidatos. Alguns meses antes da campanha oficial começar, os números das pesquisas são mais reveladores das condições do governante que concorre à reeleição (que é muito conhecido e está sob avaliação constante) do que da situação de seus desafiantes.
A já citada pesquisa do Ibope de abril mostrava que, considerados os três candidatos principais que hoje polarizam a disputa, Marina Silva era superada por Aécio Neves (15% x 13%) e ficava bem atrás de Dilma Rousseff (39%). Note-se que a situação da presidente não mudou muito, mas a de seus adversários sim. Num eventual 2.º turno, Dilma superaria Marina por 41% a 25% e Aécio por 43% a 22%. Esses números também mudaram bastante, sobretudo pela redução dos que diziam votar nulo, em branco ou não sabiam e quem votariam. A drástica mudança é sinal de que a campanha na rua (e, principalmente, na TV e no rádio) faz muita diferença, ainda que a maioria dos eleitores continue pouco interessada pela disputa.
Há um fluxo de informações proporcionado pela propaganda, pelos debates entre candidatos e pela discussão existente na sociedade que efetivamente faz com que mesmo os desinteressados acabem se posicionando. Aliás, pode-se dizer que os menos afetados por esse fluxo de informações talvez sejam os muito interessados. Esses normalmente já dispõem de muitas informações prévias, certas ou erradas, resultado de reflexões ou preconceitos. Diante disso, a propaganda eleitoral, os debates e as discussões de véspera tendem a afetar-lhes menos.
Isso não quer dizer que nesse público mais envolvido não haja os que mudem de opinião. Se tiverem uma razoável dúvida prévia sobre as alternativas, muitas vezes causada justamente por já terem se informado, podem ser convencidos pelo debate, pela apresentação de novos argumentos ou pelo surgimento de dados adicionais, antes desconhecidos. Para esses, faz muito sentido a noção de que uma democracia requer debate público, sendo a eleição um momento especialmente profícuo para isso.
Entretanto, há outros para os quais contra fatos sempre haverá não apenas argumentos, mas convicções e preconceitos. Daí, o debate aberto tem pouca serventia para o aprimoramento das ideias e a revisão crítica das próprias opiniões; ele serve apenas como oportunidade para a mobilização emocional e para o reforço do partidarismo - seja em sua forma positiva ou negativa. E como as eleições envolvem a questão crucial de ganhar ou perder - e do time para o qual eu torço (ou contra o qual eu torço) ganhar ou perder - elas frequentemente deixam de promover o bom debate, dando lugar ao bate-boca.
Desponta aí um paradoxo da despolitização. Boa parte do eleitorado inicialmente menos interessado e informado, justamente por dispor de menos preconceitos, abre-se à informação e à argumentação alheia. Sua ignorância prévia faz-lhe desconfiar dos convictos agressivos, tornando-lhe mais racional do que os dotados de excessivas certezas.
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