Estado de calamidade
• Como a crise fiscal corroeu a saúde financeira das unidades federativas, que sofrem com falta de recursos para investimento e dificuldades para pagar dívidas.
Por Diego Viana | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
SÃO PAULO - Há mais do que uma crise fiscal corroendo a saúde financeira dos Estados. No pacto federativo consagrado pela Constituição de 1988, Estados e municípios cresceram em importância e responsabilidade, aumentaram a participação na distribuição de recursos e passaram a executar a maior parte dos serviços públicos no Brasil. Por isso, a crise das finanças estaduais não atinge a população só no bolso. "Como compatibilizar a demanda por serviços públicos de qualidade com as condições fiscais, gerenciais e políticas dos Estados?", diz o cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
O estado de calamidade financeira em que se encontram três importantes Estados da federação, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, suscita questões quanto à situação das demais unidades federativas e dos municípios. A negociação do alívio financeiro aos Estados, votada no Congresso em dezembro e sancionada com vetos pelo presidente Michel Temer no penúltimo dia útil do ano, chamou atenção para as tentativas que os governadores e as bancadas estaduais têm feito para contornar obrigações financeiras com a União. Um dos dispositivos vetados por Temer era uma "lei de falências" dos Estados, que permitia ajuda federal sem contrapartidas.
Apesar das renegociações realizadas ao longo do último ano, os Estados em pior situação vão precisar de mais ajuda federal, negociada com o Ministério da Fazenda. As condições são severas: o Rio de Janeiro, cujas contas devem ter um rombo de R$ 26 bilhões neste ano, deverá cortar R$ 9 bilhões do orçamento e privatizar a empresa de fornecimento de água e saneamento (Cedae). Rio Grande do Sul e Minas Gerais também terão de abrir mão de estatais.
A fonte mais próxima das dificuldades financeiras nas unidades federativas é a queda da atividade econômica nos últimos dois anos, que se converteu também em queda da arrecadação em impostos importantes para os Estados, como o ICMS. O revés econômico expôs a situação precária das finanças de alguns Estados que, nos anos anteriores, pareciam ter boa saúde financeira.
"Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais antecipam a crise de todos os Estados e, por algumas peculiaridades, a potencializam", afirma o economista José Roberto Afonso, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), que pesquisa as contas de Estados e municípios. "Não por acaso, são os três em que mais pesam os inativos na folha salarial. Todos têm um peso grande de gasto com folha salarial e com dívidas. Dependem de receitas obsoletas e decrescentes, como o ICMS e o Fundo de Participação dos Estados (FPE)."
O caso fluminense é emblemático não somente porque a crise no Rio é mais aguda, com risco de fechamento de uma de suas principais universidades e salários atrasados de servidores sendo pagos em parcelas, mas também porque o Estado viveu um período de acentuado otimismo entre 2008 e 2013. Com a perspectiva de sediar os Jogos Olímpicos, a aproximação da Copa do Mundo e os investimentos na camada do pré-sal, o governo fluminense e a capital do Estado chegaram a receber grau de investimento da agência Standard & Poor's em 2010. Foi o primeiro Estado brasileiro a ser considerado porto seguro para investimentos.
"Uma particularidade do caso do Rio é que o Estado era muito dependente das receitas do petróleo. Além disso, é um Estado que gasta muito com os outros poderes", diz Afonso. Já o Rio Grande do Sul vinha sofrendo com aumentos nos gastos com pessoal, sobretudo inativo, há mais tempo. Segundo Abrucio, os problemas financeiros gaúchos se explicam em grande parte por ter sido um Estado pioneiro na provisão de serviços públicos.
Para além das unidades em situação calamitosa, os dados mais recentes divulgados pelo Tesouro Nacional mostram uma sensível piora na capacidade de pagamento (capag) dos Estados. Se em 2012 havia 15 unidades federativas com as notas mais altas (B ou A) e nenhum com a classificação D, mais baixa, em 2016 não se encontra mais a nota A e, se ainda há 14 notas B, há quatro Estados classificados como D: Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Não é coincidência que os três últimos Estados tenham decretado o estado de calamidade financeira no ano passado.
Ainda assim, para a maior parte dos Estados o alívio concedido em 2016 deve evitar que a deterioração chegue a níveis perigosos, pelo menos no curto prazo. No entanto, há 9 Estados, de um universo de 27 (contando o Distrito Federal), cujas estruturas de gastos estão comprometidas por despesas com pessoal ativo e inativo acima dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ou endividamento consolidado líquido superior a duas vezes a receita corrente líquida. Além de RJ, RS e MG, também Paraíba, Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul, Roraima e o Distrito Federal. Esses são os entes federativos em situação mais delicada.
Um problema nessa lista é que se trata de Estados importantes e ricos da federação, distribuídos nas cinco regiões do país e, na maior parte, populosos. O fato de que é apenas uma fração do universo dos Estados enfraquece o poder de barganha das bancadas. "Qual é a consequência disso, do ponto de vista do processo decisório? Não se forma maioria, seja no parlamento, seja nos fóruns de decisão, para pressionar a União", afirma a cientista política Marta Arretche, da Universidade de São Paulo (USP). "Na votação da negociação da dívida dos Estados, os governadores ficaram muito divididos. O problema não é visto como um problema em comum."
Outro problema é que, mesmo se a situação financeira da maior parte dos Estados não está em situação pré-falimentar, como a de gaúchos e fluminenses, sua capacidade de enfrentar problemas concretos pode estar comprometida, diz Abrucio. Por isso, há crise estrutural dos Estados e, em menor grau, dos municípios. "Os Estados vivem um paradoxo. Por um lado, são centrais na provisão dos serviços públicos: educação, saneamento, saúde, segurança, transporte. Por outro, as condições fiscais e financeiras para isso são muito ruins", diz. "As demandas por serviços públicos de qualidade só vão aumentar. Resolver a crise do Rio não resolve a crise dos Estados."
O caso das revoltas em presídios em Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte são um exemplo, segundo o professor. Elas demonstram que a necessidade de colocar em ordem as contas públicas bate de frente com um obstáculo difícil de contornar: as demandas da população por serviços públicos. "A situação de degradação em lugares como a Baixada Fluminense, por exemplo, é terrível. Ninguém vai se eleger neste país com base em austeridade", afirma.
Para Marta, embora os problemas financeiros dos Estados não estejam tão disseminados, o governo federal tem motivos para se preocupar. Crises locais têm o potencial, diz a cientista política, de subir degraus e afetar Brasília. Ela cita as manifestações de 2013. "Tudo aquilo começou com uma demanda local, que era o reajuste das tarifas de transporte. Essa é uma responsabilidade municipal. Depois os protestos se expandiram, porque alguns governadores deram uma resposta muito repressiva, então os protestos se massificaram", recorda. "Chegou-se a um ponto em que o governo federal não tinha como não dar resposta. E foi nesse momento que a popularidade de Dilma Rousseff teve queda vertiginosa e nunca mais se recuperou."
• "Uma regra que a Constituição não mudou é a autoridade da União para formular políticas que afetam Estados e municípios", diz Marta Arretche
Antes mesmo que a situação de RJ e RS chegasse à calamidade, governos estaduais e municipais se queixavam em Brasília da situação de suas contas. Um dos principais temas de queixa dizia respeito ao indexador das dívidas que os entes subnacionais detêm com a União. Segundo os governadores e prefeitos, a correção da dívida segundo o IGP-DI mais juros de 6% até 9% ao ano fazia com que, mesmo tendo pago valores superiores ao originalmente devido, o estoque continuasse subindo. Em 2014, lei complementar aprovada no parlamento e sancionada por Dilma alterou a fórmula de correção, que passou a ser o IPCA, mais juros de 4% ao ano, ou a taxa Selic, se for menor.
A fórmula anterior datava da década de 90, quando a União assumiu as dívidas de Estados em troca de ajustes nas contas e o enfraquecimento da capacidade que eles tinham até então de se financiar e endividar. A renegociação das dívidas, por meio da Lei nº 8.727/93 e principalmente da Lei nº 9.496/97, teve grande importância para garantir o êxito do Plano Real.
Ao mesmo tempo, a estabilização da economia teve seu papel ao precipitar a necessidade da renegociação, já que as finanças estaduais não poderiam mais contar com o imposto inflacionário. Os governadores foram forçados a abrir mão de grande parte de seu poder econômico, a maior parte dos bancos estaduais foi privatizada. Uma exceção notável e hoje na berlinda é o gaúcho Banrisul, que também poderá ir a leilão como parte da nova negociação para resgatar os Estados em pior situação.
A renegociação é considerada como momento em que a União retomou para si um grande naco de poder no sistema federativo, ao enfraquecer a habilidade dos governadores para gastar à vontade, assinala Abrucio. Na ocasião, o governo federal obteve o poder de reter transferências aos entes subnacionais caso eles desrespeitassem regras da Lei de Responsabilidade Fiscal e efetivamente o fez. A primeira vez foi em 1999, quando Minas Gerais, governado por Itamar Franco, decretou moratória em sua dívida e a União reteve os recursos destinados ao Estado.
Por outro lado, os governadores e as bancadas estaduais em Brasília mantiveram poderes suficientes para barrar algumas das reformas que foram tentadas desde então. "A reforma do ICMS, por exemplo, está em discussão há 25 anos e nunca avançou porque os Estados bloqueiam. A União também tentou reformar o Fundo de Participação dos Estados e não conseguiu", afirma Abrucio.
Desde então, tentativas de aprovar mudanças na regra de pagamento dessas dívidas se sucedem, além dos recursos à Justiça. No ano passado, Estados como Alagoas e Santa Catarina obtiveram liminares no Supremo Tribunal Federal que lhes permitiam pagar apenas juros simples sobre suas dívidas, em vez de juros compostos. Alarmado, o governo central calculou as perdas potenciais, caso fosse adiante a mudança de regra, em mais de R$ 400 bilhões para a União. No mesmo período, deputados propuseram uma lei que fizesse essa alteração, mas o governo conseguiu bloquear. Como resposta, o governo propôs um Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal, alongando as dívidas acordadas na lei de 1997. Só em dezembro se chegou ao acordo definitivo.
Os dados do Tesouro sobre os municípios também apontam ligeira piora da situação fiscal ao longo dos últimos anos. Com a queda do PIB e da arrecadação de tributos, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) minguou e as receitas municipais cresceram abaixo da inflação desde 2014, ou seja, tiveram queda real. O endividamento municipal também cresceu mais devagar, em parte graças à renegociação da dívida do município de São Paulo, que conseguiu reduzir o estoque de 182,3% para 74,1% da receita corrente líquida em 2015. Em 2016, alguns municípios em diversas regiões do país também precisaram decretar o estado de calamidade financeira. Foi o caso de Teresópolis (RJ), Americana (SP) e Betim (MG). Em 2017, prefeitos recém-empossados tomaram a mesma decisão em municípios como Nova Iguaçu (RJ), Tabapuã (SP) e Catanduva (SP).
Por outro lado, os prefeitos dispõem de ferramentas melhores do que as dos governadores para evitar uma crise como a do Rio e do Rio Grande do Sul, afirma José Roberto Afonso. "Mesmo se eles também são muito dependentes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do ICMS, os municípios têm potencial para aumentar o IPTU, o ISS, as taxas. Os municípios também têm mais flexibilidade para modernizar o gasto, que não é tão concentrado em pessoal", diz. "Municípios têm oportunidades, resta a eles se organizar e ter vontade política de explorá-las."
Os problemas que os Estados e, em menor grau, os municípios estão enfrentando podem ser considerados novo episódio da história de crises e tensões entre o poder central e a descentralização no Brasil. "Os poderes, federal, estadual ou local, vão se estendendo e se transformando. A crise atual não é como a dos anos 1990", afirma. "O que faz com que surjam novas crises nos Estados é que o Brasil é marcado pela heterogeneidade territorial." O cientista político aponta que a distribuição regional de poderes, recursos e capital social é diversa no país, o que se reflete nas demandas de cada região e entra em confronto com a homogeneidade das regras administrativas.
O Brasil passou a ser considerado uma federação a partir da proclamação da República. A primeira constituição republicana, promulgada em 1891, transformou as províncias, com presidentes apontados pela administração central, em Estados, com governadores eleitos localmente. Os primeiros presidentes, que eram militares e positivistas, no entanto, buscavam reforçar o poder centralizado. Floriano Peixoto, o segundo presidente, governou em estado de sítio ao longo de boa parte de seu mandato.
Quando o governo passou para a mão de civis, teve início a chamada "política dos governadores", com nomes como Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves. Seus principais adversários eram, também, militares e positivistas que preferiam a centralização do poder e chegaram a tentar um golpe de Estado em 1904, no exato momento em que ocorria a Revolta da Vacina no Rio. O golpe foi um fracasso.
Embora tenha se formado na política estadual do Rio Grande do Sul e apesar de ter sido ministro da Fazenda da última gestão da Primeira República, a de Washington Luiz, Getúlio Vargas entrou para a história como presidente e ditador que operou nova centralização. O regime ditatorial do Estado Novo, instalado em 1937, chegou a promover uma cerimônia de queima das bandeiras estaduais para marcar o triunfo de um Brasil unificado.
A restauração da democracia em 1945 devolveu relevância aos governos regionais, mas ainda em nível inferior ao da Primeira República. Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros foram eleitos em parte com base em suas gestões como governadores respectivamente de Minas Gerais e de São Paulo. A ditadura militar, porém, voltou a concentrar o poder na mão da União. "A principal função de um secretário de Finanças estadual ou municipal era colocar uma pasta debaixo do braço e ir até Brasília para pedir dinheiro", diz Marta. As transferências de recursos da União para os governos locais não passava de 10% naquele período, metade para os Estados, metade para os municípios.
• "Os municípios têm mais flexibilidade para modernizar o gasto, que não é tão concentrado em pessoal", afirma José Roberto Afonso
O atual desenho do federalismo no Brasil, ou "pacto federativo", foi inserido na Constituição de 1988 como projeto de descentralizar a administração pública no país. As transferências automáticas da União para os fundos de participação mais do que quadruplicaram e também continuaram crescendo nos anos seguintes. Com isso, os governadores e prefeitos se tornaram menos dependentes da federação. "Mesmo que um governador fosse um opositor empedernido do governo federal, não deixaria de receber dinheiro, porque a transferência é automática", diz Marta.
Abrucio, que estudou o período da redemocratização no livro "Os Barões da Federação", assinala o importante papel dos governadores no processo de redemocratização. Os Estados estiveram na linha de frente da oposição aos militares no fim do regime e, como o governo central estava atolado na crise da dívida, os poderes locais ganharam margem de manobra. Não foi só no plano das finanças que os Estados cresceram em importância depois de 1988. Ganharam novas atribuições e responsabilidades na execução de políticas públicas.
Mas a mudança mais significativa ocorreu no plano mais próximo da vida cotidiana: os municípios. Com a redemocratização, municípios foram alçados à condição de entes federativos. Até então, a administração local jamais tivera tanta autonomia, quanto menos poder financeiro. Na Primeira República, Victor Nunes Leal mostra, em "Coronelismo, Enxada e Voto", o quanto os prefeitos eram dependentes das oligarquias estaduais, tornando as eleições municipais quase inócuas.
Na atual configuração da democracia brasileira, os municípios se tornaram responsáveis por executar diversas políticas públicas, como o ensino fundamental e o atendimento básico de saúde, e passaram a receber naco maior da redistribuição dos tributos. Algumas políticas públicas importantes, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, são realizadas em convênios diretos da União com os municípios, passando por cima dos Estados. Por outro lado, depois da promulgação da Carta Magna, a criação de novos municípios explodiu no Brasil. Entre 1990 e 2000, o número de municípios no país passou de 4.491 a 5.560, segundo dados do IBGE e do TSE. Um motivo é que a emancipação de distritos implicaria a possibilidade de receber mais recursos através do FPM.
"O lema na época da Constituinte era: 'Descentralizar para democratizar'", diz o vereador recifense André Régis de Carvalho (PSDB), autor do livro "O Novo Federalismo Brasileiro", resultado de sua tese de doutorado. No livro, estuda as renegociações das dívidas dos governos estaduais com a União, ao longo do governo Itamar Franco e do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso. "De 1988 até a renegociação, o desenho das relações entre os governadores e a União acarretava o chamado 'federalismo predatório'", afirma. Dotados de instrumentos de política monetária, fiscal e tributária, controlando bancos estaduais, empresas de distribuição de energia e de posse de novas atribuições, os governadores tinham incentivos para gastar com liberalidade e, sobretudo, endividar-se. Além disso, a inflação muito alta era usada para diminuir estatisticamente os gastos. Quando as consequências financeiras apareciam para as contas estaduais, os mesmos governadores tinham poder e liberdade para recorrer ao governo federal, na certeza de que seriam socorridos.
Marta introduz nuanças na ideia de que a Constituição de 1988 tenha inaugurado um período mais federativo na história política do país. Do ponto de vista financeiro, tributário em particular, Estados e principalmente municípios cresceram em importância. Do ponto de vista executivo, porém, o quadro é diferente. Embora Estados e municípios tenham se tornado responsáveis por executar grande parte das políticas públicas no Brasil, a responsabilidade por sua formulação continua na mão da União.
"Uma regra que a Constituição de 1988 não mudou é a autoridade da União para formular políticas que afetam os Estados e os municípios", diz Marta. Embora tenha havido transferência de recursos e de atribuições para os entes subnacionais, a autoridade para formular as políticas permaneceu exclusiva da União. É isso que permite ao governo federal, a partir de 1990, progressivamente reformular o pacto de 1988.
A cientista política cita a mudança na regra de renovação de contratos das usinas hidrelétricas proposta por Dilma em 2013, para reduzir as contas de luz. Embora a maioria das empresas de geração e distribuição de energia tenham atuação estadual, a formulação da política energética no Brasil, assim como das políticas de infraestrutura, continua sendo uma atribuição federal. "Por que foi possível aprovar a LRF, que atinge as finanças de Estados e municípios, sem fazer uma Emenda Constitucional?", pergunta. "Porque a União tem competência sobre as finanças públicas nacionais. Isso confere à União capacidade de iniciativa legislativa que os Estados e municípios não têm."
Para Régis, o diagnóstico do pacto federativo atual é sombrio. "O projeto de descentralizar para democratizar fracassou", afirma. "A maior autonomia que foi dada aos municípios não resultou em uma descentralização mais democrática, porque o município é lugar de muito clientelismo e patrimonialismo, uma política de muito pouca qualidade."
O vereador se apoia em suas experiências como parlamentar para afirmar que a maioria dos municípios não tem competência gerencial para cuidar de políticas públicas tão importantes quanto a educação. "O impacto disso sobre a democracia é total. Se os municípios são responsáveis pela educação fundamental e a educação não melhora, o problema do déficit democrático se perpetua."
Se a história política do Brasil tem formato pendular entre a centralização e a descentralização, o principal motivo é a heterogeneidade regional do país, na avaliação de Abrucio. "Existe uma tensão inerente ao federalismo brasileiro", diz. "Há uma distribuição assimétrica de poder, que corresponde à assimetria entre as regiões e entre os Estados."
O cientista político lembra que, quando se fala em "política dos governadores", para referir-se à Primeira República, não se trata de sistema em que todos os governadores tinham o mesmo nível de poder. "Havia igualdade de autonomia das oligarquias, que se autogovernavam, mas as oligarquias entre si eram diferentes em termos de poder." Portanto, além do conflito que pode se estabelecer entre os governadores e a União, também tem um conflito horizontal, entre os Estados.
"Os municípios ganharam muitas novas atribuições com a Constituição, mas também são muito heterogêneos, são inclusive mais heterogêneos entre si do que os Estados", acrescenta Abrucio. Essa assimetria de capacidades entre os municípios ajuda a explicar que muitas cidades do país sejam incapazes de levar a cabo as políticas públicas pelas quais são responsáveis. "Nesse sentido, vamos continuar tendo crises no sistema federativo por muito tempo."
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