Todo fim de ano, principalmente naqueles que marcam o término de uma legislatura, a sociedade presencia a corrida de parlamentares para aprovar, a toque de caixa, projetos que criam novas despesas, ampliam as existentes ou concedem benefícios tributários a grupos empresariais diversos, com grande impacto sobre as finanças públicas. Essas iniciativas ficaram conhecidas na imprensa como "pautas-bomba".
Nessas ocasiões, o governo apela aos líderes, promove negociações e libera emendas parlamentares na tentativa de evitar a aprovação das medidas. Mas nem sempre consegue evitar que todas sejam aprovadas. Resta ao presidente da República passar pelo desgaste de vetá-las. E o que vem acontecendo nos últimos anos é a derrubada de vetos em quantidade impressionante.
Tudo isso poderia ser evitado, no entanto, se os senadores e deputados cumprissem as leis que eles mesmos aprovaram. A emenda constitucional 95/2016, que criou o chamado teto de gastos, por exemplo, determina (artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) que toda proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
A mais recente "pauta-bomba" aprovada pela Câmara dos Deputados foi o projeto de lei, proveniente do Senado, que prorroga e estende benefícios tributários para as áreas de atuação da Sudene, Sudam e Sudeco. Até agora, apenas os projetos protocolados e aprovados por essas Superintendências até o dia 31 de dezembro deste ano teriam direito aos benefícios tributários, entre eles redução de 75% do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ). O prazo foi prorrogado para 31 de dezembro de 2023.
Coube ao deputado Tadeu Alencar (PSB-PE) dar um parecer em plenário, em substituição à Comissão de Finanças e Tributação, sobre a compatibilidade e adequação do projeto com o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária.
O deputado produziu algumas pérolas em seu parecer. Ele disse, por exemplo, que o projeto "não tem implicação orçamentária e financeira imediata, nem permite dimensionar o impacto futuro, já que isso dependerá de conhecer quais os projetos que virão a ser aprovados e quais seriam os tributos apurados pelas pessoas jurídicas que os subscreveram".
E acrescentou: "Se por hipótese não houver nenhum novo projeto aprovado em nenhuma das regiões, o impacto orçamentário das disposições da proposição será equivalente a zero".
Não é isso o que a lei complementar 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estabelece. Em seu artigo 14, a lei diz que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes.
Além disso, o proponente precisa demonstrar que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais. Ou, então, estar acompanhada de medidas de compensação, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, estimou que o projeto aprovado resultará em uma renúncia de receita de R$ 3,5 bilhões por ano. Ele disse que a renúncia não está prevista no Orçamento do próximo ano e nem foi oferecida uma compensação, como determina a LRF. Restará ao presidente Michel Temer, portanto, vetar o projeto.
O projeto 9.252/2017, que anistia o passivo de dívidas acumuladas dos produtores rurais com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que é uma contribuição previdenciária, quase foi aprovado. Ficou para o próximo ano. A Receita Federal estima o prejuízo do erário se o projeto for aprovado em R$ 17 bilhões. Em março do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional a cobrança da contribuição previdenciária.
Embora tenha sido aprovada urgência para votação do projeto pelo plenário da Câmara, até hoje não foi estimado o seu impacto orçamentário e financeiro, como determina a Constituição.
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