- Valor Econômico
As empresas ainda estão longe de fazer o mínimo necessário para enfrentar uma crise que só vai se agravar
Apesar do avanço do negacionismo climático em países tão importantes como os EUA, a Austrália e o Brasil, é um equívoco afirmar que o mundo dos negócios, as organizações multilaterais e a maior parte dos governos estejam paralisados diante dos desastres e das ameaças trazidos pelo aquecimento global.
O “State of Green Business” de 2020 mostra que 86% das grandes empresas americanas publicam relatórios de sustentabilidade. Em 2014 esta proporção não passava de 10%. Mais que isso: 79% delas descrevem riscos físicos relacionados à crise climática. 60% das empresas do índice S&P 500, dos EUA (com uma capitalização de mercado de US$ 18 trilhões) e 40% das que integram o S&P Global 1.200 (representando US$ 27,3 trilhões) possuem ativos sob alto risco diante da crise climática.
As informações contidas nestes relatórios não se referem apenas à própria empresa, mas envolvem, em 73% dos casos, o conjunto de seus fornecedores. Em 2014 apenas 16% das maiores empresas globais e americanas tinham objetivos quantificados de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Hoje, estas metas fazem parte do planejamento de 58% destas empresas.
Transportes marítimos, usos do solo, mobilidade, mercados de carbono, construção civil, alimentação, agricultura, finanças e revolução digital, são alguns dos setores em que o “Green Business” 2020 localiza iniciativas importantes, bem como as empresas ou organizações que as estão levando adiante (“key players to watch”). O relatório apoia-se em 40 indicadores de progresso em temas como eficiência no uso dos recursos, transparência, avaliação de riscos, investimentos em tecnologias limpas, economia circular, entre outros.
As informações do Green Business 2020 são produzidas pela Trucost, consultoria que faz parte do conglomerado Standard & Poor, um dos mais importantes grupos financeiros globais. Isso torna ainda mais intrigante o paradoxo que o relatório contém.
Longe de uma visão conformista do tipo “as empresas estão fazendo o que podem”, o relatório mostra o verdadeiro abismo que separa o robusto leque de ações empresariais na luta contra a crise climática e a timidez dos resultados alcançados até aqui. Esta timidez torna-se ainda mais chocante quando comparada ao que estabeleceu não só o Acordo de Paris, mas também a Convenção da Biodiversidade.
O impacto do funcionamento das maiores empresas do mundo (as 500 americanas e as 1.200 globais) sobre os recursos ecossistêmicos dos quais dependem e por cujo uso não pagam, vem aumentando incessantemente desde 2015. Seus “custos de capital natural” aumentaram mais de 50% nos Estados Unidos e 40% globalmente, tendo atingido US$ 5 trilhões em 2018. Isso é mais que seus lucros líquidos. “Se as companhias tivessem que internalizar todos os custos de capital natural associados a seus negócios - por exemplo como resultado de aumento na regulação ou de novos impostos sobre o carbono - seus lucros estariam significativamente em risco”, afirma o relatório.
Embora mais da metade das empresas tenham se comprometido em diminuir as emissões, este engajamento não representa mais que 25% das reduções necessárias a que as 1.200 maiores empresas do mundo se alinhem com o estabelecido no Acordo de Paris. De 2014 para cá as emissões das 500 maiores empresas americanas aumentaram 1% e as das 1.200 maiores empresas globais subiram 3%. Pode parecer pouco, mas isso significa que, a cada ano, o esforço em direção à produção limpa terá que ser maior e, portanto, mais difícil.
É verdade que a intensidade em carbono (ou seja, as emissões relativas ao valor da produção) da economia global caiu 2% entre 2014 e 2018. Mas, como mostram os dados de outra consultoria global, a KPMG, para que o mundo limite o aumento da temperatura global média a 1,5º seria necessário que a intensidade em carbono da economia global diminuísse 11,3% ao ano até 2050. Para não ir além de 2º, esta redução teria que ser de 7,5%.
Tem razão Christiana Figueres, figura decisiva nas negociações que resultaram na aprovação do Acordo de Paris, de 2015, quando rejeita a ideia de que a crise climática chegou a tal ponto que não tem como ser superada, em seu artigo recente de 20 de janeiro último na Nature Sustainability. Longe, porém de complacência diante do que hoje fazem as empresas, seu apelo usa o exemplo do Green Deal da União Europeia (que estabeleceu a meta de alcançar uma economia neutra em carbono até 2050) para mostrar as imensas oportunidades de enfrentar as ameaças trazidas pela crise climática por meio de transformações cujas bases técnicas, energéticas e materiais já existem.
Mudar os fundamentos em que se apoia hoje a oferta de bens e serviços para permitir a emergência do desenvolvimento sustentável é certamente o desafio fundamental do Século XXI. É um desafio cujos caminhos não estão claros, mas que envolve ciência, tecnologia, alterações fundamentais na organização econômica, nos incentivos e nos comportamentos sociais. Embora a pressão da sociedade civil e as políticas públicas sejam decisivas, estão, antes de tudo, nas mãos das empresas os instrumentos que vão permitir as metamorfoses profundas e urgentes que a crise climática exige. As empresas não estão paradas, é verdade. Mas os dados mostram que elas estão muito longe do mínimo necessário para enfrentar uma crise que só vai agravar-se.
*Ricardo Abramovay é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor de “Amazônia. Por uma economia do conhecimento da natureza” (Eds. Elefante/Outras Palavras).
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