Correio Braziliense / Estado de Minas
Engrossa a adesão de
centro-esquerda e centro-direita à tese do afastamento de Bolsonaro,
mas, em contrapartida, cresce a resistência da esquerda tradicional
Existe uma explicação para a surpreendente
troca de ministros na Casa Civil, com a entrada do senador Ciro Nogueira (PI),
presidente do PP, no lugar do general Luiz Ramos, transferido para a
Secretaria-Geral da Presidência: Bolsonaro está com medo do impeachment, já não
confia na liderança e na capacidade política do grupo de generais que o cerca e
teme a deriva das Forças Armadas em apoio ao vice, Hamilton Mourão, um general
de quatro estrelas escanteado pelo presidente da República. Entregar o coração
do governo ao Partido Progressista — herdeiro da antiga Arena e do PDS,
partidos que apoiaram o regime militar — foi a maneira que encontrou para
evitar que a legenda governista embarque no impeachment, diante do desgaste de
Bolsonaro e da pressão das ruas a favor do afastamento.
Os generais palacianos que mandavam e
desmandavam no Palácio do Planalto levaram um baile dos políticos do Centrão,
que se aproveitam do enfraquecimento do governo para abocanhar fatias maiores
de poder e do Orçamento da União. O último lance dessa disputa de bastidor foi
o vazamento da suposta ameaça feita pelo ministro da Defesa, Braga Netto, de
que não haveria eleição sem voto impresso. O novo ministro da Casa Civil teria
sido o portador do recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que
vazaria a informação para as jornalistas Vera Rosa e Andreza Matais, do jornal
O Estado de S. Paulo.
A dúvida é se o vazamento foi combinado entre os dois políticos ou não. Resultado: o general acabou na berlinda, mesmo tendo desmentido a informação, porque insistiu em defender a tese de que as urnas eletrônicas não são seguras, o que é uma forma de tumultuar o processo eleitoral, além de uma atitude inadequada para quem ocupa o cargo de ministro da Defesa. Nos bastidores da política de Brasília, todos sabem que Braga Netto põe pilha na radicalização de Bolsonaro e, para agradá-lo, constrange os comandantes militares, com exceção do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, bolsonarista convicto. A disputa entre os militares e os políticos do Centrão pelo controle político dos ministérios será a grande contradição interna do governo até as eleições.
A mudança coincide com o crescimento das
manifestações de protesto contra o governo em todo o país, em parte, porque o
avanço da vacinação permite que as pessoas se sintam mais seguras nas ruas, mas
principalmente por causa dos quase 550 mil mortos por covid- 19 e do desmonte
das políticas públicas. Esses protestos passaram por três estágios: no primeiro
momento, foram manifestações convocadas pela esquerda mais radical e alguns
sindicatos; depois, entraram em cena os partidos de esquerda tradicional e as
centrais sindicais; agora, está se ampliando, com maior participação dos
partidos de centro-esquerda, como PSDB e Cidadania, e os movimentos cívicos Vem
Pra Rua, MBL, Agora,Acontece, Livres etc. Mas há contradições também na
oposição.
Polarização eleitoral
O que une os protestos de rua é o “Fora Bolsonaro”, ou seja, a oposição ao
governo; o impeachment de Bolsonaro empolga o senso comum oposicionista, mas
não é unanimidade. Há setores que não concordam com a tese, porque afastar
Bolsonaro significa entregar o governo ao general Hamilton Mourão,
vice-presidente da República, e abrir espaço para a consolidação da hegemonia
militar, além de facilitar o surgimento de uma candidatura conservadora
competitiva, que pode ser a dele próprio e/ou de outro candidato. Esse
posicionamento parte sobretudo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que
lidera as pesquisas de opinião sobre as eleições de 2022.
Esse favoritismo do petista engrossa a
adesão de setores de centro-esquerda e centro-direita à tese do impeachment, mas,
em contrapartida, aumenta a resistência da esquerda tradicional ao afastamento,
pois prefere um embate eleitoral com Bolsonaro. Há uma espécie de “me engana
que eu gosto”. Uns fingem que querem o impeachment e só jogam para a
arquibancada; outros dizem que são contra, mas, se houver necessidade de se
livrar de Bolsonaro para permanecer no poder, não hesitarão em entrar na
conspiração no Congresso, como já aconteceu antes com os presidentes Collor de
Mello e Dilma Rousseff.
No terceiro ano de mandato, o governo
Bolsonaro fracassa em três frentes: a econômica, a social e a sanitária. Até
agora, não tem volume de entregas administrativas para garantir a própria
reeleição. Bolsonaro confia o governo aos aliados do Centrão para sobreviver e
chegar às eleições como alternativa de poder, na polarização com Lula. Para
isso, precisa evitar o surgimento de um candidato competitivo de centro. Isso
coincide com os interesses eleitorais de Lula, que também não quer uma
“terceira via” que possa ameaçá-lo no segundo turno. Na velha dialética, essa é
a lei da “unidade dos contrários”.
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