quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto* - O bem e o mal no Legislativo e nos partidos

Hoje é quinta-feira, mas fiquei animado a publicar este texto que substitui o que não seria publicado no sábado do Natal. O motivo foi um ótimo artigo de Hélio Schwartsman ("A política de volta" - Folha de São Paulo, 21.12.22) sobre a conjuntura delicada em que ora se envolvem os três poderes da República.

Destaco aspectos do texto que me causaram agrado especial. O primeiro foi o autor colocar as coisas de um modo que me fez rever uma interpretação que me ocorrera sobre o voto do ministro Ricardo Lewandowski, decisivo para a decretação, pelo STF, do fim do chamado orçamento secreto. Inicialmente, recebi o voto do ministro como possível complicador do processo de negociação em torno da PEC da transição. Mas Schwartsman foi convincente ao mostrar que o gesto foi positivo, não só por ter respaldado o voto correto e primoroso da relatora, ministra Rosa Weber, como por ter objetivamente ajudado a destravar um impasse. É o que importa, noves fora o que o presidente da Câmara e o futuro presidente da República possam achar ou os meus botões cogitar sobre motivações do ministro. Ao mesmo tempo, o artigo citado lembra um ponto relevante do tema Legislativo / Executivo/orçamento: decidir sobre orçamento é, em democracias, prerrogativa genuína do Legislativo.

Dito isso, acrescento comentários ao segundo ponto.  Tal prerrogativa do Legislativo concretiza-se através da política dos partidos nele representados pela via eleitoral. Nas democracias mais saudáveis essa é uma potente vacina contra atitudes golpistas de governantes despóticos. Aí está um aspecto a considerar, para compreender, de modo contextualizado e menos panfletário, decisões tomadas na Câmara, em 2020, durante a gestão de Rodrigo Maia. Elas são vistas, geralmente, como se fossem marco original de uma conspiração do centrão, da qual procedimentos da era Lira seriam desdobramento fatal. O corporativismo do Legislativo sempre influi em suas decisões, às vezes mais, às vezes menos. Mas raramente é o único fator que as explica, de fato. Quando o corporativismo é a única motivação e faz vítimas, aí sim, surgem situações a exigir controle ou intervenção do Judiciário, prevista na Constituição.

Mas a vacina da prerrogativa legislativa, partidariamente exercida, atua também contra a lógica negacionista de populismos em geral. Ao contrário do caso do despotismo, populismo é enredo que não finda com o fim do tempo de Bolsonaro. Se é, como se diz, um enredo "em aberto" (meus botões têm dúvidas, mas, também aqui, não importam), um cenário alvissareiro é a continuidade - não a reversão, que o populismo pode causar - de efeitos incrementais, já em curso, de reformas institucionais recentes. Vejo alguns deles como repercussões benignas sobre o sistema eleitoral (tendência a estimular voto em partidos, mais que o voto personalista ou em grupos ad hoc) e sobre o sistema partidário (redução razoável da fragmentação, facilitando, em tese, a governabilidade, sem prejuízo da diversidade).

Sob esse pano de fundo, volto à conjuntura, foco de Schwartsman:  o que o STF fez foi facilitar ao Executivo recobrar a prerrogativa de executar (gerir talvez seja palavra mais da época) o orçamento, à qual Bolsonaro havia renunciado. Se após essa intervenção pontual o Legislativo mantém papel decisivo na fixação anual de diretrizes e dotações orçamentárias, nada de errado ou ilegítimo resta corrigir.

Se a orientação política do Legislativo é de direita, isso é algo a tratar com o eleitor. Se é Lira quem preside a Câmara e/ou se o centrão é uma força homogênea (sic), ali hegemônica (sic de novo), a experiência (e não a regra) ensina que podem ser cometidos atos que justifiquem outras intervenções pontuais de instituições de controle ou do STF. Mas essas eventualidades não relativizam o fato de a regra da prerrogativa legislativa seguir sendo a mais nobre, merecendo, portanto, defesa política contra todo tipo de invasão, inclusive aquela que atua, via guerra de posição, pelo estímulo a uma cultura política antiliberal, presente - assim como a sua antípoda, ainda mais longeva - no DNA nacional, desde a irrupção explícita do jacobinismo, nos primeiros anos da nossa República.

*Cientista político e professor da UFBa.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Paulo Fábio Dantas Neto.