Destaco aspectos do texto que me causaram agrado especial. O primeiro foi o autor colocar as coisas de um modo que me fez rever uma interpretação que me ocorrera sobre o voto do ministro Ricardo Lewandowski, decisivo para a decretação, pelo STF, do fim do chamado orçamento secreto. Inicialmente, recebi o voto do ministro como possível complicador do processo de negociação em torno da PEC da transição. Mas Schwartsman foi convincente ao mostrar que o gesto foi positivo, não só por ter respaldado o voto correto e primoroso da relatora, ministra Rosa Weber, como por ter objetivamente ajudado a destravar um impasse. É o que importa, noves fora o que o presidente da Câmara e o futuro presidente da República possam achar ou os meus botões cogitar sobre motivações do ministro. Ao mesmo tempo, o artigo citado lembra um ponto relevante do tema Legislativo / Executivo/orçamento: decidir sobre orçamento é, em democracias, prerrogativa genuína do Legislativo.
Dito isso, acrescento comentários ao segundo
ponto. Tal prerrogativa do Legislativo
concretiza-se através da política dos partidos nele representados pela via
eleitoral. Nas democracias mais saudáveis essa é uma potente vacina contra
atitudes golpistas de governantes despóticos. Aí está um aspecto a considerar,
para compreender, de modo contextualizado e menos panfletário, decisões tomadas
na Câmara, em 2020, durante a gestão de Rodrigo Maia. Elas são vistas,
geralmente, como se fossem marco original de uma conspiração do centrão, da
qual procedimentos da era Lira seriam desdobramento fatal. O corporativismo do
Legislativo sempre influi em suas decisões, às vezes mais, às vezes menos. Mas
raramente é o único fator que as explica, de fato. Quando o corporativismo é a
única motivação e faz vítimas, aí sim, surgem situações a exigir controle ou
intervenção do Judiciário, prevista na Constituição.
Mas a vacina da prerrogativa legislativa, partidariamente
exercida, atua também contra a lógica negacionista de populismos em geral. Ao
contrário do caso do despotismo, populismo é enredo que não finda com o fim do
tempo de Bolsonaro. Se é, como se diz, um enredo "em aberto" (meus
botões têm dúvidas, mas, também aqui, não importam), um cenário alvissareiro é
a continuidade - não a reversão, que o populismo pode causar - de efeitos
incrementais, já em curso, de reformas institucionais recentes. Vejo alguns deles
como repercussões benignas sobre o sistema eleitoral (tendência a estimular
voto em partidos, mais que o voto personalista ou em grupos ad hoc) e
sobre o sistema partidário (redução razoável da fragmentação, facilitando, em
tese, a governabilidade, sem prejuízo da diversidade).
Sob esse pano de fundo, volto à conjuntura,
foco de Schwartsman: o que o STF fez foi
facilitar ao Executivo recobrar a prerrogativa de executar (gerir talvez seja
palavra mais da época) o orçamento, à qual Bolsonaro havia renunciado. Se após essa
intervenção pontual o Legislativo mantém papel decisivo na fixação anual de
diretrizes e dotações orçamentárias, nada de errado ou ilegítimo resta
corrigir.
Se a orientação política do Legislativo é
de direita, isso é algo a tratar com o eleitor. Se é Lira quem preside a Câmara
e/ou se o centrão é uma força homogênea (sic), ali hegemônica (sic de novo), a
experiência (e não a regra) ensina que podem ser cometidos atos que justifiquem
outras intervenções pontuais de instituições de controle ou do STF. Mas essas
eventualidades não relativizam o fato de a regra da prerrogativa legislativa
seguir sendo a mais nobre, merecendo, portanto, defesa política contra todo
tipo de invasão, inclusive aquela que atua, via guerra de posição, pelo
estímulo a uma cultura política antiliberal, presente - assim como a sua antípoda,
ainda mais longeva - no DNA nacional, desde a irrupção explícita do jacobinismo,
nos primeiros anos da nossa República.
*Cientista político e professor da UFBa.
Um comentário:
Paulo Fábio Dantas Neto.
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