Valor Econômico
As certezas das políticas de metas abriram
as portas para o descaso com o uso de outros instrumentos
O regime de metas, dizem os entendidos, tem
o propósito de definir a regra ótima de reação do Banco Central. Trata-se da
regra que, ao longo do tempo, fortalece a confiança dos mercados no manejo da
taxa de juros de curto prazo entregue à responsabilidade dos BCs. Ao adequar
suas decisões às expectativas (racionais) dos formadores de preços e dos
detentores de riqueza, os bancos centrais tornariam mais suave o processo de
manutenção da estabilidade do nível geral de preços, reduzindo a amplitude das
flutuações da renda e do emprego.
No livro “Interest and Prices”, um dos
luminares do regime de metas, Michael Woodford, recomenda: o regime de metas
deve almejar a estabilização dos preços que são reajustados com pouca
frequência (sticky prices). Flutuações mais intensas nos preços sujeitos a
ajustamentos frequentes ou choques de oferta atípicos devem ser excluídas dos
modelos que adotam o regime de metas de inflação.
Diz Woodford: “Um regime apropriado de metas deve descartar as flutuações nos preços dos ativos (financeiros)... A teoria sugere também que nem todos os bens são igualmente relevantes. Os bancos centrais deveriam adotar a meta de estabilização do núcleo da inflação (core inflation), o que coloca maior ênfase nos preços mais rígidos”, ou seja, menos sujeitos a choques de oferta.
A subida de preços nominais pode resultar
de choques temporários nos preços das matérias primas e alimentos ou de um
reajuste intempestivo de preços administrados. Choques de oferta devem ser
tratados com cautela para não contaminar de forma adversa as expectativas dos
agentes. A reação do Banco Central deve considerar também os efeitos negativos
sobre a dívida pública e o déficit nominal originados por um “excesso” no
manejo da taxa de juros de curto prazo.
O economista-chefe do Citigroup, Willem
Buiter, mostra com clareza as dificuldades de execução da política de metas
numa situação de dominância fiscal. Constata o óbvio: “A elevação da taxa de
juros real causa o crescimento da dívida por duas razões. Primeiro, faz saltar
o custo real do serviço da dívida. Segundo, ao reduzir a demanda de bens,
serviços e de trabalhadores, a elevação do juro real provoca uma queda da
receita fiscal e impede a obtenção do superávit primário”.
Na terça-feira, 28 de fevereiro, Andy
Haldane, ex-economista chefe do Bank of England escreveu no Financial Times:
“Até os economistas são capazes de amar. E eu amo as metas de inflação, estive
envolvido em sua concepção e implementação no Reino Unido, e em vários outros
países, por um período de mais de 30 anos”.
O amor de Haldane não é cego. Ele admite
que grandes e duradouros choques de oferta global colocam os formuladores de
políticas monetárias em um dilema. Eles toleram uma inflação acima da meta - em
linha com a (in)ação inicial dos bancos centrais recentemente? Ou eles
continuam a aumentar as taxas para combater os preços altos e pegajosos - em
linha com sua subsequente (hiper)atividade? O caminho até agora viu os bancos
centrais serem atropelados em ambas as direções, sem dúvida primeiro muito
suave com a inflação e depois muito duro com a economia.
Há alguns anos, o pensamento compacto e
invulnerável ao contraditório conferia conforto às certezas a respeito das
políticas “corretas”. Hoje há quase unanimidade no repúdio à ideia de que
bastava, em um ambiente de desregulamentação financeira, assegurar a
estabilidade monetária, mediante a utilização de um regime de metas de
inflação.
Depois da crise financeira, os economistas
mais respeitáveis passaram a admitir que as certezas das políticas de metas de
inflação abriram as portas para os descuidos com a supervisão das instituições
e ao descaso com a utilização de outros instrumentos - hoje ditos
macroprudenciais - já utilizados amplamente em outros tempos.
No momento glorioso da globalização,
Cláudio Borio, economista do BIS, diante da inflação bem-comportada, sugeriu
que "os fatores globais se tornaram mais importantes do que os
domésticos". Borio refere-se às transformações ocorridas nas condições da
oferta na economia globalizada.
O mundo presenciou um cataclismo na divisão
internacional do trabalho. A Ásia se tornou formidável produtora e processadora
de peças e componentes baratos (sem exclusão dos bens finais). É no território
dos asiáticos, de mão de obra barata, câmbio desvalorizado e abundância de
investimento direto estrangeiro, que se produzem as novas manufaturas
competitivas. Na China os preços de exportação caíram entre 1995 e 2007.
Nesse período glorioso, o mundo
desenvolvido viveu as delícias da Grande Moderação. Assim os corifeus da
globalização qualificaram o “choque positivo de oferta” ocorrido depois da
estagflação deflagrada pela crise de “produtividade” dos anos 70 do século
passado. Em sua evolução, o “novo regime de crescimento” impôs a liberalização
financeira à maioria dos países, mas também impulsionou a metástase produtiva
para o Pacífico dos pequenos tigres e novos dragões. Essas duas dimensões da
chamada globalização garantiram a inflação comportada e, ao mesmo tempo
ensejaram frequentes episódios de crise financeira no Centro e na Periferia.
Em artigo recente, Cláudio Borio discute as
consequências da maior interdependência dos mercados financeiros
“liberalizados”. A dita globalização, diz, acentuou o caráter procíclico dos
sistemas financeiros e impulsionou a criação de desequilíbrios cumulativos
entre credores e devedores - famílias, empresas e países - com sérias
consequências para a eficácia das políticas monetárias nacionais.
Na opinião do economista do Bank of
International Settlements, a questão central reside nas limitações da política
monetária, enclausurada nas metas de inflação, diante da inclinação dos
sistemas financeiros em desatar movimentos procíclicos. “Enquanto o sucesso da
luta contra a inflação foi extraordinário, o mesmo não pode ser dito da
estabilidade financeira. Desde a liberalização do início dos anos 80,
observamos flutuações cada vez maiores na expansão do crédito e no preço dos
ativos. Esses fenômenos desencadearam crises financeiras com consequências
materiais para a economia real”.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é
professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.
Um comentário:
Não entendi bulhufas,mas é lindo.
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