sexta-feira, 30 de junho de 2023

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Nova ordem internacional?

A almejada correção dos chamados desequilíbrios globais vai exigir regras de ajustamento não compatíveis com o sistema monetário em sua forma atual

Angustiado com a sucessão de crises financeiras, o presidente da França, Emmanuel Macron, promove em Paris uma reunião para tratar da reforma do sistema financeiro global. Lula estará presente e terá papel importante na apresentação de sugestões.

Como é de conhecimento geral, a conferência convocada para a pequena cidade norte-americana de Bretton Woods cuidou de debater em 1944 a construção de uma arquitetura financeira internacional capaz de impedir as desgraças que assolaram o mundo nos anos 30. As estrelas do conclave foram Dexter White, dos Estados Unidos, e o economista inglês John Maynard Keynes.

Essencialmente, a reforma monetária que Keynes apresentou nos estertores da Segunda Guerra foi a seguinte: o dinheiro internacional seria simplesmente uma moeda de conta, ou seja, os países trocariam mercadoria por mercadoria e o dinheiro seria simplesmente moeda de cálculo. Os países com déficit registrariam na Clearing Union, em sua conta, o que deviam aos demais. E, assim, ia-se fazendo uma compensação entre os déficits e superávits. Os países sistematicamente superavitários seriam estimulados a aumentar suas importações e obrigados, com taxas de juros módicas, a financiar os déficits dos demais. Os países sistematicamente deficitários estariam sujeitos a processos de ajustamento comandados pela Clearing Union. Os particulares pagariam e receberiam suas contas em moeda nacional. Apenas os Bancos Centrais estariam habilitados a realizar operações com a moeda universal.

Keynes pretendia impedir os movimentos de capitais de curto prazo. Estava convencido de que o dinheiro internacional, pela experiência dos anos 20, tinha de ser administrado publicamente. Não se podia deixar aos mercados a tarefa de prover liquidez e regular o ajustamento dos países que porventura tivessem um déficit na balança de pagamentos.

Na verdade, esse sistema não foi aceito nem pelos Estados Unidos nem pela Inglaterra, os protagonistas da montagem do sistema de Breton Woods. De qualquer maneira, permitiu-se que os países controlassem suas contas de capital. Esse era um fator importante de estabilidade e crescimento, pois limitava o poder dos mercados financeiros e permitia aos governos nacionais mais liberdade na definição das políticas monetária, financeira e fiscal.

Assim, os países não tinham, por exemplo, de subir a taxa de juros caso houvesse uma crise na Bolsa de Nova York. Eles poderiam perfeitamente buscar proteção e tentar impedir que o efeito da crise financeira fosse transmitido para a economia nacional. Ou seja, teriam a faculdade de proibir a entrada e a saída de capitais, desvinculando a política doméstica da instabilidade internacional.

Para os reformadores de Breton ­Woods, a estabilidade do câmbio e dos juros era fundamental para a tomada de decisão de produção e de investimento numa economia capitalista. Esses são os dois preços-chave de uma economia capitalista porque “informam” a temperatura do ambiente no qual os capitalistas são obrigados a tomar decisões.

A taxa de juros indica qual é a conveniência do detentor de riqueza em manter o seu capital sob a forma monetária, líquida, ou gastá-lo em equipamentos e estruturas de ferro e tijolo que só vão permitir a recuperação do dinheiro ao longo do tempo, sem que possam saber se um outro empresário estará, durante o período, construindo outra planta mais eficiente e avançada.

A taxa de câmbio é importante porque seu movimento informa qual é a conveniência de se manter a riqueza monetária na moeda local ou encarná-la no dinheiro mundial. Então, se esses preços flutuam muito ou estão fixados em níveis inadequados, a decisão do capitalista torna-se totalmente “irracional”. O controle dos capitais prevaleceu nos anos 50 e 60 do século passado, por isso as economias puderam crescer de maneira mais ou menos equilibrada. Falava-se em milagre alemão, japonês, italiano… e tudo isso estava montado sobre essa arquitetura do chamado capitalismo domesticado, quer dizer, do capitalismo controlado.

A crise de 2007 e 2008 demonstrou que a almejada correção dos chamados desequilíbrios globais vai exigir regras de ajustamento não compatíveis com o sistema monetário internacional em sua forma atual, aí incluído o papel do dólar como moeda reserva. Isso não significa prognosticar a substituição imediata da moeda norte-americana por outra moeda, seja o euro, seja o yuan, mas constatar que o futuro promete solavancos e colisões.

*Publicado na edição n° 1265 de CartaCapital, em 28 de junho de 2023.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e aprendendo.