terça-feira, 19 de setembro de 2023

Carlos Andreazza - “Adevogados”

O Globo 

O respeito à advocacia deve ser assegurado, incondicionalmente, pela magistratura, tanto mais no Supremo. Não podemos perder os parâmetros sobre o que seja um juiz de Corte constitucional. Cabe-lhe garantir a respeitabilidade do tribunal. Dar o exemplo. 

Sobre os advogados dos golpistas réus julgados no Supremo, ouvi e li que atuaram tecnicamente muito mal. Isso tenderá a ocorrer sempre que houver perversão da prerrogativa de foro — e aqui foi a Corte constitucional a violar a Constituição: defensores humildes, sem experiência e desapetrechados, falando por cidadãos que não deveriam ser julgados no STF. 

Causa e efeito. 

A miséria de defesas incapazes de defender é consequência de o tribunal haver criado um foro excepcional-simbólico para dar recado exemplar julgando — com a licença de Elio Gaspari — “o andar de baixo”. 

O próprio Alexandre de Moraes, essa competência universal, em sua versão juiz comentarista de defesa, aproveitou a vitrine do julgamento para condenar um dos advogados: “não analisou nada”; preparou “discursinho para postar em redes sociais”; esqueceu o processo e quis “fazer média com os patriotas”. 

Julgou e condenou — “um momento triste, que vai ficar na história e nos anais do Supremo Tribunal Federal” — o advogado em pouco menos de três minutos: 

— O réu aguarda que seu advogado venha aqui, venha defender tecnicamente, venha analisar tipo por tipo. O advogado ignorou a defesa. O advogado não analisou nada. Absolutamente nada. Não analisou a associação criminosa. Não analisou dano. Não analisou nada porque o advogado preparou um discursinho, um discursinho para postar em redes sociais. Isso é muito triste. 

(Tudo muito triste.) 

Concordo. Não seria meu advogado. Mas, atenção: não invadi nem depredei as sedes da República com palavras de ordem pela derrubada dos Poderes. De modo que seria o caso — para aferir satisfações — de lhes ouvir os clientes. Terão ficado desgostosos? Arrogância de bolha elitista à parte, “o réu aguarda” o quê? 

Para alguém que considerasse seu destino já traçado, perseguido e injustiçado, condenado de antemão qualquer que fosse a estratégia e sem outras instâncias recursais, aquilo — “o discursinho” — talvez tenha sido uma aula do que “deve ser feito na tribuna da Suprema Corte do país”. 

Sim, um cínico diria que os golpistas miúdos já estavam condenados, pinçados para imolação em nome da normalidade institucional e que banca graúda nenhuma lhes atenuaria a dosimetria; que o advogado, jogando para galera (e, claro, com pretensões eleitorais), trabalhou pessimamente; e que Moraes — essa onipresença — excedeu-se, expandindo sua musculatura togada para avacalhar um causídico. 

Não seria preciso um Fla-Flu a respeito. É sempre possível que, ao mesmo tempo, o advogado tenha defendido mal o cliente — e ofendido o STF – e que o ministro tenha se comportado mal como juiz, enfraquecendo “a própria Justiça”. (Tudo muito triste.) 

— Presidente [dirigindo-se a Rosa Weber], é patético e medíocre que um advogado suba à tribuna do Supremo Tribunal Federal com um discurso de ódio. 

Como classificar, então, a intervenção de ministro que, no plenário do Supremo, vale-se de sua prerrogativa — também dos holofotes — para esculhambar um advogado que falara desde a tribuna? E terá sido com amor — e não com a face trincada — que pregou Moraes? 

O respeito à advocacia deve partir da magistratura e ser assegurado, incondicionalmente, por ela, tanto mais na Suprema Corte, não importando o grau da provocação-ofensa. 

Não podemos perder os parâmetros sobre o que seja um juiz de Corte constitucional. Cabe-lhe garantir a respeitabilidade do tribunal. Dar o exemplo. Manifestar-se impessoalmente — colegiadamente. Prezar o comedimento. Ministros, no entanto, produzem votos com a intenção instagramável, pensando (também) em tiktoks para lacração nas redes, e depois reclamam de advogados fazerem o mesmo. 

Falou Moraes, cuidando de passagem em que o defensor confundiu escritores-livros nada afins: 

— Só é mais triste porque ainda confundiu “O príncipe”, de Maquiavel, com “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, que são obras que não têm absolutamente nada a ver. Mas, obviamente, quem não leu nem uma nem outra vai no Google e às vezes dá algum problema. 

Para que o achincalhe? O que expressa, senão autoritarismo, um ministro do Supremo se valer de superioridade formal para ridicularizar um advogado? 

A propósito de livros e autoridade, é ruim que aquele que leu tudo seja o que humilhará um pilar do Estado de Direito. Especialmente grave que aquele que leu tudo seja o que confunde — e exerce — as funções de investigador, acusador e julgador. (Confunde?) Que aquele que leu tudo seja o mesmo que, em nome da democracia, toca solo inquérito infinito que já censurou uma revista. 

Esse gênio não voltará mais à lâmpada; o gênio sendo — para além do indivíduo, do togado da vez — um modo de agir. Trilha aberta a que outro juiz — de repente um justiceiro que não justice para salvar a República — lance mão. 

 

Um comentário:

Daniel disse...

Confesso que no dia gostei das respostas de Moraes. Agora, depois de ler este texto, reconheço que estava errado. Como errado estava o ministro "Xandão"... 18 anos de cadeia pros coitados "patriotários" que se deixaram usar pelos bolsonaristas é absurdo! E já estão levando o julgamento dos demais pro escurinho do plenário virtual. A OAB já está reagindo a mais este absurdo do STF. Parabéns ao colunista por questionar os excessos do STF!