domingo, 2 de junho de 2024

Luiz Edson Fachin* - O STF e o dever de preservar

O Globo

Ao Poder Judiciário cabe um papel nessa complexidade atrelada à emergência climática

Há razões graves para relembrar em 2024, às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, o dever de restaurar e preservar a Terra. Estão no banco dos réus as intervenções humanas que se tornaram irremediavelmente perigosas ao sistema climático mundial.

Uma especial audiência planetária se dará na Conferência do Clima sobre Mudanças Climáticas (COP30), em novembro de 2025, em Belém. A temática, que foi tratada no Brasil pela primeira vez na conferência Rio 92, está de volta à agenda dos Poderes da República, inclusive o Judiciário. É dela que eclode a questão do século. Não se pode desperdiçar o maior evento global de discussões climáticas, agora dentro da própria Amazônia e dos povos que vivem nela.

Mas a emergência é agora. Refiro-me à catástrofe no Rio Grande do Sul. Trata-se de um desastre climático, extremo, severo, e eventos como esse estão fadados à repetição.

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de março de 2023, atesta o aumento da temperatura global, gerando catástrofes e ambiente adverso em termos das condições de sobrevivência das populações. O alcance da temperatura limite estabelecida pelo Acordo de Paris pode ocorrer até 2040. Urgem ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e evitar tragédias ainda maiores. O Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si, ao refletir sobre nossa casa comum, chama a atenção para que avisos não soem como mensagem repetida ou vazia.

Há lições a cumprir: na área da prevenção, além de imprescindíveis investimentos em infraestrutura, a mitigação dos efeitos dos desastres climáticos. É preciso haver protocolos e ações efetivas em sistemas de proteção no planejamento e gestão; tem aí espaço de relevo o conjunto de elementos que compõem a estrutura urbana, a planificação, a ocupação do solo. A recuperação abrange a estabilização, a reabilitação dos serviços essenciais, a reparação, a redução de riscos de novos desastres, o reerguimento da vida, da economia e da infraestrutura. Tem mais.

Ailton Krenak, primeiro indígena eleito membro da Academia Brasileira de Letras, convida-nos a repensar sobre a sustentabilidade e os perigos para um futuro habitável que o pensamento único a respeito da civilização e do desenvolvimento cria. Numa sociedade aberta e plural, livre e democrática, verdadeiramente inexiste uma concepção unitária do modo de ser e de estar.

Caminhos há, como o valor das florestas para capturar carbono, de modo especial as florestas tropicais e o bioma Caatinga. Isso sem falar na urgência de reduzir a emissão de gás carbônico pelos conglomerados urbanos. A questão climática é a interpelação que nos lança ao encontro do primado da ciência e da razão.

Ao Poder Judiciário cabe um papel nessa complexidade atrelada à emergência climática. A gestão do ministro Luís Roberto Barroso na presidência do STF e do CNJ tem estado atenta e ativa quanto às ações de sustentabilidade, porquanto os tribunais são instados ao enfrentamento célere e efetivo das questões referentes ao Direito intergeracional e ao meio ambiente equilibrado e sadio.

As respostas, também, devem lançar um olhar mais atento aos direitos daqueles que mais sofrem e padecem dos males trazidos pelas mudanças extremas do clima: minorias e populações vulneráveis.

É preciso pensar o presente de modo a assegurar um porvir às gerações futuras. Manter a integridade ecológica para que aqueles que ainda não nasceram tenham um mundo para viver. Eis o dever ético a que todos são chamados.

Aprendi com Hannah Arendt que devemos sempre nos questionar sobre o que estamos a fazer. Venho afirmando que é preciso valorizar a pesquisa, as evidências e a experiência. O encontro rumo a Belém já começou, e que seja repleto de propósito nessa responsabilidade, para que todos mereçam um futuro com sustentabilidade social e igualdade. O tempo é curto, e a tarefa é longa.

Às vésperas do 5 de junho cumpre aprofundar seriamente as reflexões. Não haverá solução mágica. O Judiciário fará certamente o que for necessário no âmbito de suas atribuições.

*Luiz Edson Fachin é vice-presidente do Supremo Tribunal Federal

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