Folha de S. Paulo
Paralelamente às barreiras, presidente divide
zonas de influência com Rússia e China, tendo Groenlândia, Ucrânia e Taiwan na
mesa
Ao mesmo tempo em que ataca a ordem liberal
com investidas variadas, entre as quais o recém-anunciado tarifaço
para transações comerciais, o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump,
vai dando sinais de que, na nova ordem mundial que pretende presidir, os
interesses americanos estão em primeiro lugar, mas não a ponto de desrespeitar
as zonas de influência das grandes potências.
Sob a crença de que o sistema internacional é injusto e prejudica os americanos, o presidente republicano adotou taxações em série, inspirando previsões pouco animadoras de economistas e governos de diversas tendências.
O quadro só se agravará com as reações
internacionais. A União
Europeia, posta de lado na geopolítica, colocou na mesa uma escalada de
retaliações, que mira bancos e big techs dos EUA. A China, uma das mais
atingidas, também acena com respostas significativas.
O Brasil, com comércio modesto, foi atingido
com barreiras a seus produtos, porém no "piso" de 10%. Ao que parece,
dentro do cenário, é um patamar administrável. O país poderá até ter vantagens,
mas legislação de reciprocidade foi aprovada. Como e se será acionada não se
sabe. Cabe ao governo reagir de maneira racional, o mais responsável e eficaz
possível, como vem fazendo até aqui, aliás.
Paralelamente às barreiras aduaneiras, Trump
lança ameaças ao Canadá e Panamá e diz que vai se apoderar da Groenlândia. O
populista autocrático apresenta-se, em outro sentido, como defensor de um
acordo pró-Rússia no caso da Ucrânia e não parece empenhado em criar problemas
para a China quanto a uma possível tomada definitiva de Taiwan.
Para completar este quadro geopolítico tipo
"cada autocrata cuida de seu quintal", sugere a limpeza de Gaza e
chancela a colonização da Cisjordânia por Israel. Se o suporte incondicional
dos EUA a governos israelenses não é uma novidade, vê-se agora, na prática, o
pleno abandono da ideia de dois Estados em favor da imposição israelense do rio
ao mar —e a perspectiva de um acordão com a Arábia Saudita e outros países
árabes.
Eis a nova ordem mundial de Trump. Tarifas
ameaçadoras e simultaneamente a partilha de zonas de influência com Rússia e China, enquanto a
Europa, abandonada, debate-se numa posição difícil.
Que tais ataques ao livre comércio, às
instituições multilaterais, à ordem liberal e à democracia partam dos EUA é uma
realidade nova a desafiar a previsibilidade e a estabilidade já precária de um
mundo que tem perdido seus parâmetros.
Entre tantas incertezas não parece haver
dúvida de que o fantasma do autoritarismo, competitivo ou não, ronda as
democracias sob a égide desse governo hostil e irresponsável. É espantoso que
esse conjunto de providências chegue ao auge num propalado "dia da
libertação".
A eleição de Trump foi saudada por expoentes
da direita internacional —caso do governador bolsonarista de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, que postou imagem constrangedora usando
um boné "Maga". A performance do eleito nos EUA parece agora de
difícil defesa mesmo entre simpatizantes ideológicos. Como o nacionalismo dos
movimentos populistas de ultradireita apoiaria decisões contrárias a seus
países, economia e população? A roleta desse novo mundo está em movimento e não
se sabe aonde vai parar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário