Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Depois de 45 anos, os episódios ocorridos entre a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, e a deposição do seu sucessor legal, o vice João Goulart, em 1964, continuam a ser vistos com os olhos da época e interpretados da mesma maneira. Falta visão de conjunto pela perspectiva dos antecedentes, desde a Proclamação da República em 1889, por iniciativa militar e com participação civil complementar. Em 1964 faltou bom senso às esquerdas e capacidade de recomposição ao centro liberal, para evitar a derrapagem à direita. O sonho republicano se converteu em pesadelo e, mais do que um erro, em 1964 o radicalismo golpista cometeu o crime de acordar preconceitos equivocados nas relações entre militares e civis.
Nos episódios anteriores, como o suicídio de Getúlio Vargas, a eleição de JK, a renúncia de Jânio e a posse de Jango, os militares foram assediados pelos políticos, que contavam certo com a devolução das rédeas do poder logo depois. Mas, em 64, os militares resolveram assumir a empreitada e completar o serviço. Sobraram-lhes a culpa histórica e o ressentimento com a sociedade. Neste século, amplia-se a aposta de que a história do Brasil proscreveu os golpes de Estado. E secou a ilusão castrense de que a vida pública possa ser aperfeiçoada com menos democracia. Nas circunstâncias sociais, econômicas e políticas de 1889 não se cogitava da via parlamentar para chegar à República. O Exército era republicano, mas politicamente jejuno. E o primeiro presidente civil da República veio a ser o terceiro na ordem em que se processou a sucessão de governos. As eleições não filtravam a vontade popular e as oligarquias regionais detinham o controle político.
A turbulência marcou politicamente a República Velha, mas em 1930 o golpe de Estado se institucionalizou, depois da deposição de um presidente em fim de mandato e sem consideração pelo sucessor já eleito. Por fora, um governo provisório (com duração de quase quatro anos) só foi sensível, dois anos depois, ao episódio armado assumido por São Paulo e, resolvido militarmente, o governo convocou a Constituinte como solução política natural. Os constituintes elegeram o presidente que já governava o país e, três anos depois, consumaria uma ditadura que estava na índole da Proclamação da República. O propósito (ou pretexto?) era fazer o que a democracia não conseguira. E se repetiria, em escala maior, em 1964.
No Estado Novo foram anos de mão pesada, censura à imprensa, Tribunal de Segurança Nacional. Mas, tanto quanto se viabilizou graças à situação internacional, também findou por efeito direto da derrota militar do nazismo e da ressurreição da democracia. Durante a guerra os fatos chegavam pelas ondas do rádio, que esboçava nas cabeças, a despeito da censura, outro mapa político de contorno democrático. Sob a Constituição de 1946, se as franquias democráticas modernizaram os padrões da propaganda política, os partidos reincidiram na rejeição da maioria absoluta e na eleição de presidente por um partido (ou aliança partidária) e do vice por outra legenda. A sombra do golpe de Estado se estendeu por todo o período constitucional.
Só se tem feito até agora reiterar a convicção subjetiva de que a democracia voltou para ficar. É pouco. A tentação de golpes de Estado não se perdeu de todo no labirinto da memória coletiva. Os políticos fazem votos de vida longa à Constituição de 1988 e, a cada ano, cresce a ilusão de que o Brasil proscreveu o golpe de Estado como solução política. Mas os políticos não colaboram sequer para a empreitada das reformas acumuladas.
Somando aspectos positivos e creditando confiança à normalidade política, a democracia já tem saldo de seis mandatos presidenciais avalizados pelo voto direto e a maioria absoluta. A chegada de um candidato de esquerda ao poder foi mais persuasiva do que o temor residual dos que ainda não entenderam que os benefícios da liberdade de escolher são muito maiores do que os riscos. O advento da televisão e a terceira dimensão, a cargo da internet, pegam no contrapé os pessimistas que subestimam o poder didático da liberdade no exercício da responsabilidade política.
Quando se completar meio século da última ilusão com ditaduras, os brasileiros poderão confrontar o que os espera com o que esperavam. Não faltará oportunidade de se atender ao pedido do último presidente do ciclo militar para que o esquecessem. Todos os golpes se parecem no saldo negativo. O Brasil já terá então esquecido todos e, com eles, as respectivas circunstâncias.
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL
Depois de 45 anos, os episódios ocorridos entre a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, e a deposição do seu sucessor legal, o vice João Goulart, em 1964, continuam a ser vistos com os olhos da época e interpretados da mesma maneira. Falta visão de conjunto pela perspectiva dos antecedentes, desde a Proclamação da República em 1889, por iniciativa militar e com participação civil complementar. Em 1964 faltou bom senso às esquerdas e capacidade de recomposição ao centro liberal, para evitar a derrapagem à direita. O sonho republicano se converteu em pesadelo e, mais do que um erro, em 1964 o radicalismo golpista cometeu o crime de acordar preconceitos equivocados nas relações entre militares e civis.
Nos episódios anteriores, como o suicídio de Getúlio Vargas, a eleição de JK, a renúncia de Jânio e a posse de Jango, os militares foram assediados pelos políticos, que contavam certo com a devolução das rédeas do poder logo depois. Mas, em 64, os militares resolveram assumir a empreitada e completar o serviço. Sobraram-lhes a culpa histórica e o ressentimento com a sociedade. Neste século, amplia-se a aposta de que a história do Brasil proscreveu os golpes de Estado. E secou a ilusão castrense de que a vida pública possa ser aperfeiçoada com menos democracia. Nas circunstâncias sociais, econômicas e políticas de 1889 não se cogitava da via parlamentar para chegar à República. O Exército era republicano, mas politicamente jejuno. E o primeiro presidente civil da República veio a ser o terceiro na ordem em que se processou a sucessão de governos. As eleições não filtravam a vontade popular e as oligarquias regionais detinham o controle político.
A turbulência marcou politicamente a República Velha, mas em 1930 o golpe de Estado se institucionalizou, depois da deposição de um presidente em fim de mandato e sem consideração pelo sucessor já eleito. Por fora, um governo provisório (com duração de quase quatro anos) só foi sensível, dois anos depois, ao episódio armado assumido por São Paulo e, resolvido militarmente, o governo convocou a Constituinte como solução política natural. Os constituintes elegeram o presidente que já governava o país e, três anos depois, consumaria uma ditadura que estava na índole da Proclamação da República. O propósito (ou pretexto?) era fazer o que a democracia não conseguira. E se repetiria, em escala maior, em 1964.
No Estado Novo foram anos de mão pesada, censura à imprensa, Tribunal de Segurança Nacional. Mas, tanto quanto se viabilizou graças à situação internacional, também findou por efeito direto da derrota militar do nazismo e da ressurreição da democracia. Durante a guerra os fatos chegavam pelas ondas do rádio, que esboçava nas cabeças, a despeito da censura, outro mapa político de contorno democrático. Sob a Constituição de 1946, se as franquias democráticas modernizaram os padrões da propaganda política, os partidos reincidiram na rejeição da maioria absoluta e na eleição de presidente por um partido (ou aliança partidária) e do vice por outra legenda. A sombra do golpe de Estado se estendeu por todo o período constitucional.
Só se tem feito até agora reiterar a convicção subjetiva de que a democracia voltou para ficar. É pouco. A tentação de golpes de Estado não se perdeu de todo no labirinto da memória coletiva. Os políticos fazem votos de vida longa à Constituição de 1988 e, a cada ano, cresce a ilusão de que o Brasil proscreveu o golpe de Estado como solução política. Mas os políticos não colaboram sequer para a empreitada das reformas acumuladas.
Somando aspectos positivos e creditando confiança à normalidade política, a democracia já tem saldo de seis mandatos presidenciais avalizados pelo voto direto e a maioria absoluta. A chegada de um candidato de esquerda ao poder foi mais persuasiva do que o temor residual dos que ainda não entenderam que os benefícios da liberdade de escolher são muito maiores do que os riscos. O advento da televisão e a terceira dimensão, a cargo da internet, pegam no contrapé os pessimistas que subestimam o poder didático da liberdade no exercício da responsabilidade política.
Quando se completar meio século da última ilusão com ditaduras, os brasileiros poderão confrontar o que os espera com o que esperavam. Não faltará oportunidade de se atender ao pedido do último presidente do ciclo militar para que o esquecessem. Todos os golpes se parecem no saldo negativo. O Brasil já terá então esquecido todos e, com eles, as respectivas circunstâncias.
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