Os Estados Unidos e a China elevaram ontem as ameaças iniciais do que pode vir a ser uma guerra comercial - o que não é uma certeza nem uma forte possibilidade. Na terça, o governo americano divulgou uma lista de 1.330 produtos chineses, um lote equivalente a US$ 50 bilhões de importações, que serão submetidos a uma tarifa de 25%. Os chineses, que atuaram moderadamente quando o presidente Donald Trump anunciou igual gravame sobre as compras externas de aço e alumínio, reagiram desta vez à altura. Farão a mesma coisa com soja, produtos químicos, aviões e carro vindos dos Estados Unidos, numa conta também de US$ 50 bilhões.
A forma escolhida por Trump para obter o que pretende já se tornou conhecida - primeiro, tiros de canhão, e só depois negociações. A troca de ameaças de retaliações levam isto em conta. O secretário de Comércio americano, Wilbur Ross, disse que "mesmo guerras de verdade terminam em negociações". Pequim afirmou que não deseja guerra alguma, mas "se alguém insistir em uma, estaremos lá". Nas palavras do vice-ministro do Comércio chinês, Wang Shouwen, a lista de produtos americanos a serem taxados são, por enquanto, "um catálogo".
Há espaço de sobra para entendimento, embora ele seja trabalhoso. A nova lista americana passará por consultas a empresários e por uma audiência pública e só será aplicada em junho. Os chineses não se moverão até que as taxações dos EUA entrem em campo.
A intenção do staff de Trump que lida com o comércio exterior, como Robert Lighthizer, do USTR, e Peter Navarro, assessor especial para a área, é a de realizar uma ofensiva generalizada contra a China. Ações intempestivas, a regra no atual governo, podem provocar muito mais estragos do que seus planejadores amadores imaginam. As bolsas mundiais balançaram fortemente ontem, membros do Federal Reserve alertaram para o aumento das incertezas e de todos os cantos partiram alertas de que as expectativas otimistas sobre o comportamento do comércio mundial podem estar começando a se esvair.
O que foi anunciado são tarifas de lado a lado que trarão um encarecimento de US$ 13 bilhões das importações mútuas. Seu poder destrutivo, se a escalada parar por aí, é pequeno. Analistas do Morgan Stanley calcularam que as barreiras retirariam 0,8 ponto percentual das exportações da China e 0,1% de seu PIB. Outras estimativas apontaram uma redução de até 0,2 pontos no PIB dos EUA.
Mas há muito mais em jogo. O governo Trump deixou de lado, na escolha dos produtos-alvo, grande parte das commodities industriais chinesas de consumo e se concentraram nos que compõem os 10 setores prioritários do governo chinês, que constam do "Made in China 2025", o abrangente e ambicioso plano de tornar o país uma potência tecnológica de primeira linha. Foram atingidos equipamentos e material elétrico e nuclear, vários subsetores de TI, satélites, robôs industriais, locomotivas, veículos alternativos, e componentes relacionados.
O objetivo americano é cortar o acesso da China ao estado da arte da tecnologia e impedi-la de ascender na escala produtiva, ferindo prioridades estratégicas de Pequim. É uma meta inalcançável e, ainda que houvesse uma chance de ser parcialmente bem sucedida, isso só seria possível com o apoio de boa parte dos países que comerciam com a China. Não seria difícil reunir aliados, se Trump estivesse interessado nisso. É generalizada a percepção de que a China obtém por imposições, chantagens ou métodos ilícitos a tecnologia de empresas de países que se instalam por lá, em troca de acesso a um amplo mercado consumidor.
A Organização Mundial do Comércio poderia ser o palco de ação concertada, mas Trump desde que assumiu se esforça por desmoralizá-la, a ponto de tornar a China uma paladina da defesa do livre comércio na instituição. Além disso, ao fustigar a segunda maior economia do mundo, o presidente americano traz problemas e potenciais prejuízos às maiores empresas de seu país.
Trump entrou em seara que ignora e o aprendizado por tentativa e erro deverá lhe ensinar algo. O problema é quanto estrago será feito até ele recuar. Ele disse que "quem tem um déficit de US$ 500 bilhões não pode perder". Para o resto do mundo, as perdas podem ser grandes.
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