O teto de gastos pode estar com seus dias contados, seja pela mudança de governo, seja por mudanças políticas, seja pela compressão de recursos mínimos para o funcionamento da máquina pública. O cerco político ao controle prescrito pelo teto é o mais evidente - ele será eliminado se ganharem os candidatos da esquerda, enquanto que os de centro com chances de vitória não morrem de amores por ele. Contábil e praticamente, o dispositivo tem um encontro com a verdade em 2019 ou 2020, anos em que a contração das despesas de custeio levará ao abandono de prestação de serviços em muitos setores, alguns deles de grande importância para os cidadãos.
O teto de gastos consolidou uma ideia simples para atacar um problema complexo, o do crescimento ininterrupto das despesas públicas - de 1997 em diante, com avanço real de 6% ao ano. O desastre fiscal da gestão de Dilma Rousseff, a brutal recessão subsequente e o limite que parece ter sido atingido para o aumento de impostos impuseram uma solução radical. A limitação das despesas à variação da inflação tem validade por pelo menos 10 anos e é mais que polêmica. Há quem julgue esse gradualismo perigoso - o Fundo Monetário, por exemplo -, enquanto há quem considere que o aperto é terrível já no curto prazo e insustentável politicamente. Dependendo das premissas, os dois lados podem ter razão.
O Congresso colocou na Constituição que abdicou por duas décadas de sua prerrogativa de aumentar despesas à brasileira - adequando seu montante a uma estimativa fictícia de receitas e jogando nos ombros dos malabaristas da Fazenda a responsabilidade por controlar gastos na boca do caixa. A gravidade da crise fiscal e política levou à mudança dos termos da questão, embora não tanto a disposição do Legislativo e do Judiciário. Os políticos, então, sem poder elevar despesas, passaram a dilapidar as receitas, com Refis múltiplos, por exemplo.
A estreia do teto deveria ser seguida de perto por uma reforma da previdência que não veio - os gastos com aposentadorias e pensões consomem metade do orçamento e crescem vegetativamente algo como 3% ao ano. Além disso o Executivo autorizou aumento generalizado de salários para o funcionalismo público - a folha de pagamentos é a segunda maior rubrica do orçamento e, coma previdência, somam 70% do orçamento. O resultado é que as demais despesas foram então esmagadas pelo aumento desses gastos, em especial os investimentos, que em 2017 caíram 30% e mal chegaram a 1,8% do PIB.
Não é difícil prever a morte do teto - se tudo continuar igual. Ainda que não seja bem essa a premissa dos estudos, a inviabilidade do mecanismo ocorrerá até a metade do próximo mandato. Estudo da economista Vilma Pinto, do Ibre-FGV, coloca o limiar mínimo de funcionamento da máquina pública na casa dos R$ 100 bilhões, montante que já corresponderá ao das despesas obrigatórias no ano que vem. Já a Instituição Fiscal Independente calcula que a despesa mínima para manutenção das atividades básicas do governo é menor, algo entre R$ 75 e R$ 80 bilhões, por isso o teto se sustentaria até 2020.
O espírito do teto pressupõe que os três Poderes estejam alinhados em seu propósito e isto está longe de ser verdadeiro, como se viu, por exemplo, nas recentes investidas salariais do Judiciário. Ele exige bem mais do que a imprescindível reforma da previdência, como congelamento ou redução dos gastos de pessoal, desvinculação radical das despesas obrigatórias, correção do salário mínimo pela inflação, redução drástica e criteriosa de subsídios etc. Se nada disso ocorrer, o teto dos gastos se torna mesmo inviável.
Para reverter a trajetória explosiva de crescimento da dívida pública, é preciso obter superávits primários de 2% do PIB, o que exige uma correção de pelo menos 4,5 pontos percentuais do PIB, o que deveria ocorrer até 2026. A partir daí, se tudo der certo, os superávits serão desnecessariamente crescentes e a regra poderia ser revista.
Mas não é aos aperfeiçoamentos necessários que boa parte dos críticos do teto de gastos se referem. Vários deles não propõem nada em seu lugar, o que significa que o ajuste fiscal será ainda mais gradual - se ocorrer. Pela tradição brasileira, com a maneira indecorosa como é feita a distribuição de renda via orçamento, têm boa dose de razão. Mas se essa tradição não for deixada para atrás, o país manterá um crescimento medíocre e continuará a enfrentar crises periódicas. O teto é um caminho para evitar essa rota.
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