segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Sergio Lamucci* - Menos crescimento e menos inflação

- Valor Econômico

Com um crescimento mais perto de 2% e uma inflação confortavelmente abaixo da meta, os juros poderão ficar baixos por um longo tempo

As projeções de crescimento e de inflação para a economia brasileira em 2020 passam por uma onda de reduções neste começo do ano. Com o surto de coronavírus e os resultados mais fracos de alguns indicadores econômicos nos últimos meses, as estimativas para a expansão do PIB têm caído para mais perto de 2%. Para a inflação, as apostas migram para um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais próximo de 3%, por causa da grande ociosidade na economia e da perspectiva de continuidade da queda dos preços das carnes, depois do choque do fim do ano passado, e de um comportamento favorável das cotações de energia elétrica e combustíveis.

Na economia global, surgiu um risco novo, cujas consequências são difíceis de avaliar. A epidemia de coronavírus deve ter um efeito fortemente negativo sobre o crescimento da China no primeiro trimestre, mas há muitas dúvidas quanto ao impacto em outros países e em relação à intensidade e à duração do problema. As projeções para a expansão do PIB chinês em 2020 têm recuado da casa de 6% para 5,4%, com a avaliação dominante de que os contratempos vão se concentrar nos primeiros três meses do ano.

Na semana passada, UBS e J.P. Morgan baixaram a estimativa para o crescimento brasileiro em 2020 por causa do novo vírus. A China é o principal parceiro comercial do Brasil e os preços de commodities, com grande peso nas exportações do país, têm sido bastante afetados. O UBS cortou a projeção de 2,5% para 2,1%, enquanto o J.P. Morgan fez uma redução menor, de 2% para 1,9%.

No J.P. Morgan, a equipe liderada por Cassiana Fernandez estima que, a cada queda de 1 ponto percentual do avanço do PIB chinês, o crescimento brasileiro cai entre 0,2 a 0,3 ponto percentual num ano, em geral com uma defasagem de três meses. No caso atual, porém, o impacto já deve ocorrer no primeiro trimestre, dada a parada súbita da economia chinesa, avaliam eles.

O banco reduziu a previsão para o crescimento do PIB brasileiro no primeiro trimestre de 0,5% para 0,3%, na comparação com os três meses anteriores, e a do segundo trimestre de 0,4% para 0,3%, na série com ajuste sazonal. Já o avanço no terceiro trimestre deve ser um pouco mais forte, passando de 0,5% para 0,7%, enquanto a estimativa para o quarto trimestre foi mantida em 0,5%. Se o problema na China for mais intenso, o PIB brasileiro pode sofrer mais, crescendo 1,6% neste ano, segundo o banco.

Outros analistas reduziram a projeção de crescimento para 2020 devido aos números recentes de atividade mais fracos. É o caso do economista-chefe da ACE Capital, Ricardo Denadai, que cortou sua previsão de 2,4% para 2,1%, numa reação a indicadores como a produção industrial de dezembro, que recuou 0,7% em relação a novembro, feito o ajuste sazonal, terminando o ano em queda de 1,1% e ainda 18% abaixo do pico atingido em maio de 2011. Indicações mais fracas de janeiro, como o emplacamento de veículos, contribuem para o movimento, segundo Denadai.

Os números da Fenabrave (que reúne as distribuidoras de automóveis) mostraram uma queda de 3,1% em relação a janeiro de 2019, sugerindo um recuo de 4,3% sobre o mês anterior, na série livre de influências sazonais, de acordo com o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. No entanto, o recuo foi influenciado por cerca de 9 mil licenciamentos atrasados pela adoção das novas placas do Mercosul, lembra ele. Se esses carros tivessem sido emplacados em janeiro, teria havido uma alta de 1% na comparação com janeiro do ano passado. Com ajuste sazonal, porém, ainda haveria uma queda de 1,1% sobre dezembro, nas contas de Montero. Para ele, o mercado está estacionado nos últimos trimestres.

Na visão de Denadai, o maior risco seria o Brasil caminhar para um quadro de crescimento de 1,5% neste ano. “Isso poderia embaralhar bastante o cenário econômico e político”, diz ele. Do ponto de vista econômico, a confiança de empresários seria especialmente afetada.

Do ponto de vista político, mais um ano de crescimento anêmico poderia diminuir o apoio dos parlamentares às propostas do governo, colocando em risco a agenda de reformas, afirma Denadai.

Esse não é, porém, o cenário central com que ele trabalha. O economista ressalta que há fatores importantes para impulsionar a economia neste ano, como a combinação formada por juros baixos, forte expansão do crédito e recuperação do mercado de trabalho, ainda que gradual. Com isso, seria prematuro afirmar que 2% se tornou um teto para as projeções deste ano, diz Denadai. Um ponto preocupante, porém, é a falta de dinamismo da indústria, destaca ele.

Nesse quadro, há em geral uma cautela maior em relação às perspectivas para a economia em 2020, embora haja quem não tenha mexido nas projeções, como o Bradesco. Na sexta-feira, o banco divulgou o seu cenário de fevereiro, reafirmando a estimativa de uma expansão de 2,5%. O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, considera que o crédito e o emprego seguirão como “os motores do crescimento doméstico”. Ele diz que o nível de incerteza global se elevou em função do surto de coronavírus, mas avalia que é cedo para mudar as projeções de forma relevante enquanto não se conhecer a extensão completa do problema.

Também houve revisões recentes das estimativas de inflação. O IPCA de janeiro subiu apenas 0,21%, bem abaixo das projeções, que apontavam uma alta de 0,35%. Os preços das carnes estão em forte queda, combustíveis e energia devem ajudar nos próximos meses e a ociosidade na economia ainda é enorme. Em 2020, é possível que a inflação fique mais próxima de 3%, bem inferior à meta de 4%. Na virada do ano, o consenso apontava para 3,6%.

Com um crescimento mais perto de 2% e uma inflação confortavelmente abaixo da meta, os juros poderão ficar baixos por um longo tempo. Na semana passada, o BC reduziu a Selic de 4,5% para 4,25% ao ano, considerando adequado interromper o processo de corte da taxa. No entanto, uma eventual retomada da queda dos juros neste ano não pode ser descartada, se persistir um cenário de recuperação muito gradual da economia e de índices de preços baixos e expectativas inflacionárias sob controle.

*Sergio Lamucci é editor de Brasil

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