- Folha de S. Paulo
Acho que personalidades autoritárias são mais propensas ao pensamento mágico
Jair Bolsonaro é definitivamente um fã da hidroxicloroquina, como era da fosfoetanolamina (a pílula do câncer). Ele promove a droga, apesar dos alertas de especialistas de que ainda não há provas de que ela funcione contra a Covid-19. Bolsonaro também flerta com o negacionismo pandêmico. Há uma relação entre as duas coisas?
Obviamente, não podemos tirar nenhuma conclusão generalizável a partir de um caso isolado, mas acho que dá para formular uma conjectura que poderia ser testada mais amplamente: personalidades autoritárias, que não admitem ser contrariadas, são mais propensas ao pensamento mágico, especialmente diante de situações sobre as quais não têm controle.
Acreditar que a hidroxicloroquina seja a resposta para a crise e recomendar o uso indiscriminado sem estudos controlados que atestem que ela funciona é uma instância de pensamento mágico, a sobreposição do desejo sobre a realidade. Não estou afirmando que médicos não possam fazer uso "off label" da droga (ou humanitário, nos casos graves), mas que é loucura transformar sua administração maciça em política pública sem amparo em evidências. Isso é torcida, não gestão.
Embora minha hipótese seja a de que figuras como Bolsonaro estejam mais sujeitas ao pensamento mágico, este não é uma exclusividade de personalidades autoritárias. Durante milhares de anos, do Antigo Egito à América oitocentista, médicos, isto é, a elite intelectual, prescreviam sangrias a pacientes imaginando curá-los. Juravam que funcionava.
Hoje, sabemos que a prática era frequentemente letal. George Washington e Mozart morreram por causa dela. Só a abandonamos, e ainda assim com relutância, depois que começamos a conduzir ensaios clínicos controlados, que possibilitam separar desejo de realidade. É triste ver que ainda há profissionais que não aprenderam essa que é a mais básica das lições da medicina baseada em evidências.
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