Legislação
brasileira sobre o tema deve se alinhar a acordo internacional
Senador
da República (PSDB-SP), ex-governador de São Paulo (2007-2010), ex-prefeito de
São Paulo (2005-2006) e ex-deputado federal (1987-1991); doutor em economia
pela Universidade Cornell (EUA)
Temos
dois tipos básicos de leis: as que geram benefícios para a sociedade no curto e
longo prazos, e as que impõem uma troca (a sociedade opta por perder agora para
ganhar depois). Temos aqui um conflito que exige decisões políticas. Grupos de
interesse perdem privilégios assegurados em lei para aumentar o bem-estar
social, mas aos poucos a nova legislação passa a ser aceita por todos como
legítima.
Conflitos dessa natureza ocorrem com frequência quando se trata de inovação e seu papel econômico e social. Por exemplo, a regulação de combate aos cartéis promove, a um só tempo, crescimento e eficiência. Oligopólios e monopólios tendem a não inovar, e a concorrência promovida pela legislação produz mais eficiência graças ao incentivo à inovação. O fim dos lucros extraordinários permite preços mais baixos, o que incentiva o consumo e, consequentemente, o crescimento econômico.
Leis
referentes à exclusividade na exploração de direitos de propriedade intelectual
geram uma troca a curto prazo. Para a sociedade obter um nível eficiente de
inovação, foi criado o instituto da patente, que é um monopólio jurídico
temporário para quem criar uma inovação, garantindo ao autor o retorno para os
recursos investidos no processo de geração da nova tecnologia.
Como
todo monopólio, a patente produz uma ineficiência: o inventor,
por ter poder de mercado, pode estabelecer o preço de seu produto a um valor
bem acima do que seria ideal para a sociedade. Esse poder de mercado é limitado
pelo tempo de vigência da patente: quanto maior o prazo, mais incentivos para
atuação monopolista ineficiente.
A
patente é um direito do pesquisador garantido na Constituição Federal. A
LPI (Lei de Propriedade Industrial) prevê o prazo mínimo de 10 anos —a
contar da concessão da patente— e o prazo geral de 20 anos —a contar do
depósito da patente— para o inventor gozar desse privilégio temporário.
A
morosidade nos processos de concessão de patentes pelo Inpi (Instituto Nacional
de Propriedade Intelectual) faz com que o privilégio concedido às patentes
ultrapasse o prazo de 20 anos devido à exigência do prazo mínimo de 10 anos
previsto no parágrafo único do artigo 40 da LPI, que, por isso, está sendo
agora questionado no Supremo Tribunal Federal.
Esse
dispositivo da LPI não está ancorado no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de
Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips), que inspirou a lei,
pois amplia a proteção que prejudica a concorrência e dificulta o acesso aos
medicamentos. O próprio Trips estabelece que nenhum Estado signatário é
obrigado a adotar medidas mais rígidas.
A
análise dos efeitos econômicos e sociais aí envolvidos precisa ser efetuada no
Congresso Nacional, independentemente do pronunciamento do STF sobre o tema. Eu
defendo um alinhamento
da legislação brasileira ao acordo internacional. Por isso, em 2018
apresentei o Projeto de Lei do Senado 437, que, entre outras providências,
revoga o parágrafo único do artigo 40 da LPI.
Ao
meu ver, essa proteção ampliada prejudica a concorrência e restringe acesso aos
medicamentos. O relatório do senador Rogério Carvalho (PT-SE) está pronto para
a deliberação do Senado, que não haverá de se omitir nem deixar essa iniciativa
morrer durante a maior crise sanitária da nossa história.
*José Serra, senador (PSDB-SP)
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