A escolha social se baseia em dois modelos,
o eleitor mediano e os grupos de pressão
A democracia representativa funciona assim:
os representantes da população no Congresso Nacional escolhem as leis que
organizarão os diversos aspectos de nossa vida em sociedade. É simples.
Não é simples, contudo, entender de que
maneira o Congresso funciona: quer dizer, como os seus integrantes fazem as
escolhas sociais por nós. A dinâmica da escolha social se torna menos obscura
com a ajuda de dois modelos ideais: o teorema do eleitor mediano e a lógica da
ação coletiva, conceito elaborado pelo economista americano Mancur Olson.
O que diz o teorema do eleitor mediano? É
com uma escolha social envolver uma troca entre presente e futuro. Parece ser o
caso da nova Constituinte chilena. Há claro desejo daquela sociedade de
aumentar a carga tributária para elevar as transferências às famílias, na forma
de maiores benefícios previdenciários e de um Estado de bem-estar mais
generoso.
É natural imaginar que os ricos prefiram carga tributária menor e maior crescimento. Os pobres, o contrário, pois dependem mais do Estado. O futuro é distante e, no limite, quem tem fome tem pressa.
Numa democracia em que vale o princípio de
“cada cidadão, um voto”, e em que a escolha envolve uma diferença de
preferência associada à renda, a política pública escolhida será a preferida
por quem estiver no meio da distribuição de renda: o cidadão para quem metade
da população é mais pobre que ele, e a outra metade, mais rica. Esse cidadão é
chamado eleitor mediano.
Se a desigualdade é alta, como no Brasil, o
eleitor mediano é pobre, tem pressa, quer mais Estado. É o que a maior parte da
população vai querer. Os ricos, que preferem carga tributária menor, são uma
fração mínima do eleitorado. Quem quiser agradar aos ricos dificilmente vai ser
reeleito. Nesse caso, a escolha social priorizará a equidade, e o crescimento
será objetivo secundário.
A escolha social produzirá uma relação
negativa entre desigualdade e crescimento: quanto maior a desigualdade, maior a
demanda por transferências a indivíduos; maior a carga tributária; menor o
incentivo ao trabalho, à poupança e ao investimento; menor o crescimento.
Há mais de dez anos, chamei de “contrato
social da redemocratização” a operação do teorema do eleitor mediano por aqui.
Ele explica programas universais, e outros, focados: política de valorização do
salário mínimo, aposentadoria rural, Benefício de Prestação Continuada,
programa Bolsa Família, entre tantos outros. São políticas públicas claras e
transparentes. Não obstante, têm elevado custo, a curto e médio prazo.
A longo prazo, se as políticas forem bem
desenhadas, podem estimular o crescimento, como ocorre com o maior acesso à
educação e à saúde de qualidade. Boas medidas que aumentem a igualdade de
oportunidades estimulam, a longo prazo, o crescimento.
Geralmente, o mesmo não ocorre com
políticas que estimulam a igualdade de resultados (tratei dessa distinção
—igualdade de resultados e de oportunidades— na coluna de 16/2/2020, sobre o
filme “Parasitas” —folha.com/x0cnoztf).
O segundo modelo de escolha social é a
lógica da ação coletiva, de Mancur Olson. Grupos, muitas vezes pequenos, se
organizam para pleitear no Congresso Nacional benefícios para si mesmos —seja
na forma de desoneração tributária ou algum outro incentivo, seja na forma de
transferência direta de recursos.
Como o Congresso tem dificuldade de
defender o interesse difuso (ou coletivo), muitas políticas públicas ditadas
por essa lógica de escolha social são aprovadas. É uma deficiência da
democracia em geral. É por isso que ela é o pior sistema, fora todos os outros.
Ocorre que o sistema político brasileiro,
por algum motivo que desconheço, parece ter menos imunidade à lógica da ação
coletiva do que outras democracias, mesmo na América Latina.
Desonerações e regimes tributários
especiais para setores ou grupos de indivíduos ou privilégios de servidores
públicos, exemplos de operação da lógica da ação coletiva de Mancur Olson, são
mais prevalentes por aqui do que alhures.
A legislação derivada de ambos os processos
de escolha social são legítimas do ponto de vista da democracia, pois
resultaram do funcionamento normal das instituições. A legitimidade em
democracia é processual. É fato que, sob um critério moral um pouco mais
rigoroso de legitimidade, os favorecimentos resultantes da lógica da ação
coletiva parecem ilegítimos.
Sugestão de leitura: o livro de Marcos
Mendes “Por Que o Brasil Cresce Pouco”, da Elsevier.
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