Folha de S. Paulo
Personagens ignoram alertas, provocando sua
própria perdição
Alguns países se saíram tão bem no controle
da Covid-19 no começo da epidemia que o sucesso lhes subiu à cabeça. Com o
passar do tempo, relaxaram as medidas que lhes asseguraram os baixos índices de
contágio. Também não viram tanta urgência para vacinar suas populações.
Bastou, porém, que surgissem variantes mais
infecciosas (algo esperado ao menos desde o final de 2020), para o jogo mudar.
No caso da Índia, a reviravolta se transformou em tragédia, mas mesmo nações
que não perderam o controle, como a Austrália, passam por maus bocados,
vendo-se forçadas a reintroduzir medidas fortes de distanciamento.
Exceto pela Índia e talvez pela Indonésia, nada indica que esses países que largaram bem passarão por ondas de transmissão tão intensas que os levem a ocupar as piores posições no ranking das mortes ao final da pandemia. Ainda assim, não resistimos à tentação de contar suas histórias em termos moralizantes: eles iam bem, mas sucumbiram à "hýbris", isto é, à soberba, ao excesso de autoconfiança.
O problema é que o homem é um animal
literário, que se vale de histórias para tentar extrair lições úteis para a
vida. E não creio que haja nenhum conceito literariamente mais produtivo do que
a "hýbris", que leva personagens a ignorar os alertas e a infringir a
ordem moral, provocando sua própria perdição.
Encontramo-la num número surpreendentemente
grande de obras-primas, que começam com heróis do ciclo homérico (Aquiles,
Ájax), passam pelas fábulas de Esopo (a lebre e a tartaruga) e culminam nas
mais belas tragédias gregas (Édipo, Antígona). Fora do universo helênico, a
"hýbris" anima algumas das figuras mais marcantes da literatura, como
o Satanás de Milton, Doutor Fausto, Macbeth, Emma Bovary, capitão Ahab.
E a lista fica quase infinita se incluirmos personagens reais: Al Capone,
Harvey Weinstein, Jair Bolsonaro. Alguém já disse que a arte imita a vida.
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