O Globo
É preciso superar a crença equivocada de
que o mercado prefere trabalhar em ambiente de juros altos
O mercado financeiro tenta ganhar dinheiro em qualquer cenário. Se os juros estão baixos, há uma migração de recursos para a bolsa, porque a lucratividade e os dividendos pagos pelas companhias tendem a crescer. O PIB acelera, o desemprego cai, e as concessões de crédito também disparam porque o risco de inadimplência para os bancos fica mais baixo. Esse é o quadro em que todos ganham, caso seja sustentável e aconteça com a inflação sob controle. Se os juros sobem, por outro lado, a bolsa perde, mas os maiores bancos podem sustentar os seus lucros porque emprestam a taxas mais elevadas. Porém, também sobem as provisões e o risco de inadimplência com a desaceleração do PIB. É o que estamos vendo este ano.
É preciso superar a crença equivocada que
vem sendo repetida pelo presidente Lula de que o mercado prefere trabalhar em
ambiente de juros altos. A verdade é que é muito mais seguro o quadro econômico
com crescimento do PIB, juros em queda e inflação sob controle.
— O sonho do investidor é um mercado
pujante, com abertura de capital na bolsa (IPOs), empresas crescendo, PIB
crescendo 3%, 4%. Os bancos ganham muito mais emprestando para empresas
saudáveis do que para companhias com risco de dar calote. O mercado ganha muito
mais com juros baixos — afirmou Roberto Motta, estrategista-chefe da Genial
Investimentos em seu canal no YouTube.
Um dado ilustra bem essa linha de
pensamento: o ano em que os quatro maiores bancos do país, Bradesco, Banco do
Brasil, Itaú e Santander, mais lucraram foi 2019, quando a Selic começou em
6,5% e terminou em 4,5%: foram R$ 99 bilhões de lucro, corrigidos pela
inflação, segundo dados exclusivos levantados por Einar Rivero, head comercial
da Trademap.
O gráfico mostra os efeitos dos juros sobre
a bolsa. Existe uma correlação inversa entre o desempenho do Ibovespa e a Taxa
Selic. Ou seja, quanto maior a taxa, menor tende a ser o índice, e vice-versa.
De 2000 a 2005, no final do governo Fernando Henrique e início do governo Lula,
a Selic estava nas alturas, e o Ibovespa, nas mínimas. Quando o BC de Lula
começou a reduzir os juros, a partir de 2005, o índice começou a subir. Dali
para frente, períodos de alta da Selic levaram a quedas na bolsa, e a partir de
2016 isso ficou ainda mais evidente: os juros despencaram, e a bolsa bateu
recorde.
O risco para o sistema financeiro com os
juros altos pode ser medido pelo Provisionamento para Devedores Duvidosos
(PDD). Desde 2006, o pior ano para os quatro maiores bancos do país foi 2015,
com R$ 120 bilhões provisionados, corrigidos pela inflação. E em quanto estava
a Selic nesse ano? Exorbitantes 14,25%, número maior do que os 13,75% de hoje.
Lula pode e deve criticar os juros altos.
Só não pode alegar que eles subiram para favorecer o mercado financeiro.
Inadimplência em alta
O índice de inadimplência medido pela Boa
Vista apontou a sétima alta em janeiro. Em relação a dezembro, subiu 1,1%, e no
acumulado em 12 meses disparou 20,8%. Esse indicador mostra a quantidade de
novos registros de dívidas vencidas e não pagas informados pelas empresas
credoras. “O cenário é delicado, as projeções para 2023 não são animadoras e
este caminha para ser mais um ano de alta nos registros”, disse Flávio Calife,
economista da Boa Vista.
Pressão dos serviços
A inflação de serviços é uma das principais
dores de cabeça para o Banco Central. O IBGE divulga na próxima semana o
IPCA-15 de fevereiro e pelas contas do Credit Suisse os preços dos serviços
devem subir 1,58% no mês e acelerar para 7,9% em 12 meses.
Boia de salvação
O reajuste de servidores faz todo o sentido, ainda que tenha impacto sobre as contas públicas. Categorias estavam sem reajuste desde 2019, e ajuste fiscal não é estrangulamento forçado do orçamento das famílias. Cabe agora ao governo cortar em outras áreas menos importantes para evitar a disparada da dívida pública.
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