terça-feira, 25 de julho de 2023

Merval Pereira - Na cola do(s) mandante(s)

O Globo

O depoimento de Élcio Queiroz, que é mais longo do que foi publicado, já aponta indicativo de mandante

A Polícia Federal já tem os caminhos para chegar ao(s) mandante(s) do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. A delação do ex-PM Élcio Vieira de Queiroz é ampla, e só foi divulgada uma parte, que já foi checada e confirmada. Há uma exigência legal de que a delação sozinha não serve como prova, precisa de outros elementos, as chamadas “provas de corroboração”. No caso da execução, foram encontradas provas de corroboração.

Por exemplo, ele disse que, depois do assassinato, foram para casa de fulano de tal e de lá pegaram um táxi. A Polícia Federal encontrou o táxi, o registro da corrida, são várias provas que confirmam a delação. Os demais passos dependem ainda de uma investigação mais aprofundada. Não é possível cravar que já tenham o(s) nome(s) do(s) mandante(s), mas é possível afirmar que o Ministério Público e a Polícia Federal já têm os caminhos para chegar a ele(s).

O caso de agora é muito importante porque garante a autoria. Quando Queiroz diz como foi, ele desnuda Ronnie Lessa, desmonta todos os álibis dele, que já está preso, mas insistia em negar os fatos, na esperança de que, sem provas, a acusação não conseguisse condená-lo no júri popular. O ex-policial Lessa tinha muitos álibis, não estava fácil chegar a ele com provas, agora há prova robusta, concreta, confissão com detalhes.

Quando Queiroz conta cada detalhe, cada planejamento, acabou a dúvida sobre a execução, patamar fundamental para chegar ao(s) mandante(s). O ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, preso ontem devido à delação, é parceiro histórico de Lessa e leva a quem desmontou o carro, o tal de Orelha. Demonstrado esse esquema todo que foi montado, e com a participação de mais gente, fica claro que houve uma grande armação, o que pressupõe um ou mais mandantes.

O depoimento de Élcio Queiroz, que é mais longo do que foi publicado, já aponta indicativo de mandante. Se realmente a polícia encontrou um caminho com essa delação premiada para chegar ao(s) mandante(s) do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, é uma grande notícia. Porque essa é a questão fundamental. Já estão presos quem matou, quem atirou, quem fez, quem aconteceu e não se toca no mandante, na razão dos assassinatos. A descoberta do mandante servirá para desbaratar pelo menos parte desse esquema miliciano que domina certas regiões do Rio, o subúrbio e as comunidades carentes.

Se chegarmos ao(s) nome(s) de quem mandou matar, e qual é a participação dele(s) nesses grupos milicianos, será um avanço espetacular para melhorar a segurança pública no Rio. Infelizmente, milícias e bandos de criminosos estão tomando conta de territórios em vários estados do país, principalmente nas fronteiras, onde fazem acordo com quadrilhas internacionais para tráfico de drogas. É muito importante saber quem matou e quem mandou matar, e puxar esse fio, para desbaratarmos pelo menos um pedaço dessa criminalidade que está fazendo com que o Rio sofra muito.

A milícia tem uma metástase no Rio, está em tudo que é lugar. Lessa matou miliciano, matou para a milícia. Maxwell também. Ontem houve uma quebra da lei do silêncio, na avaliação dos policiais, que derrubou a estratégia de defesa. A dinâmica do crime está toda descrita, como foi preparado, como foi executado, como foi o período pós-assassinato, onde foi parar a arma, o desmanche do carro. Há outros nomes de envolvidos, quebrando o pacto do silêncio, que foi mantido durante anos, mesmo os autores estando na cadeia.