Lula não pode mais fugir ao imperativo fiscal
O Globo
Mais uma vez ele foi ambíguo sobre o assunto
— mas a realidade aritmética cobrará o preço de seu governo
O Brasil vive uma crise fiscal aguda e, se as medidas necessárias não forem tomadas a tempo, terá de enfrentar um cenário duplamente catastrófico: estagnação no crescimento e alta na inflação. A tarefa inescapável para fugir desse prognóstico é ajustar as contas públicas. Enquanto o governo gastar mais do que arrecada, não haverá conserto. Levando em conta o pagamento de juros da dívida, o buraco supera 6% do PIB. Sem os juros, está ao redor de 1%. Mantida a situação atual, a dívida como proporção do PIB crescerá em todos os anos do atual governo, mesmo que a economia registre expansão anual entre 2% e 2,5%. É real o risco de Luiz Inácio Lula da Silva terminar seu terceiro mandato presidencial com a dívida bruta em 82% do PIB, 10 pontos percentuais acima do patamar de 2022.
Essa é a realidade puramente aritmética, que
ele resiste a aceitar. Desde o ano passado, Lula adota um discurso ambíguo em
relação às metas estipuladas pelo próprio governo. Ora faz questão de ressaltar
seu compromisso com a responsabilidade fiscal, ora põe em dúvida a urgência de
cumprir os objetivos. Em entrevista
à TV Record nesta semana, voltou à carga: “É apenas uma questão de visão. Você
não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais
importantes para fazer”. Noutro trecho, aliviou e disse que fará “o que for
necessário para cumprir o arcabouço fiscal”.
Como no filme “Feitiço do tempo”, em que os
personagens vivem as mesmas situações repetidamente, as declarações de Lula
mais uma vez lançaram a Bolsa de Valores para baixo e o dólar para o alto. Foi
a preocupação com a desvalorização do real que o motivou a determinar no início
do mês o cumprimento “a todo custo” das metas previstas para 2024, 2025 e 2026.
Com a intenção de resgatar alguma credibilidade, o governo anunciou o o plano
de congelar R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano e de enviar ao Congresso corte
de R$ 26 bilhões no de 2025.
Nesta quinta-feira, Lula se reuniu com
ministros no Palácio do Planalto para discutir os detalhes de um pente-fino nos
programas sociais. A iniciativa é positiva, por mostrar que o governo entendeu
os limites da estratégia de tentar apenas aumentar a arrecadação. Mas é
insuficiente. Em artigo
publicado no GLOBO, o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida explicou
por que reduções tímidas nas despesas não resolverão o problema. “O ajuste
fiscal necessário para colocarmos as dívidas bruta e líquida numa trajetória de
queda é de pelo menos 3 pontos do PIB (R$ 350 bilhões) — e precisa ser feito ao
longo dos anos”, escreveu Mansueto.
O comprometimento de Lula com a
responsabilidade fiscal será testado pela resposta a duas questões. A primeira
é desvincular despesas de receitas. Os gastos com saúde e educação crescem
seguindo a arrecadação. Por óbvio, a solução não é congelar as verbas de duas
áreas vitais, mas adotar um novo método para corrigi-las. A segunda questão é
desvincular benefícios previdenciários do salário mínimo, cujo reajuste pode
superar a inflação. Ambos os mecanismos de correção inviabilizam qualquer
ajuste fiscal. Nas palavras certeiras de Mansueto: “Nos demais países, é normal
haver despesas que crescem automaticamente com o aumento da receita? Não. É
normal que benefícios sociais tenham o mesmo valor que o piso da Previdência?
Não. Teremos de rever essas regras”.
Partidarização do Conselho Federal de
Medicina não interessa à sociedade
O Globo
Influência política no CFM levou a decisões
sem base científica sobre Covid e a desafio à lei do aborto
Entidades profissionais costumam ter forte
traço de corporativismo, mas isso não deveria impedi-las de realizar um
trabalho técnico sério, com base nos conhecimentos científicos em suas
respectivas áreas. Infelizmente não tem sido o caso do Conselho Federal de
Medicina (CFM),
cuja atuação tem sido condicionada pela polarização ideológica e pelas guerras
culturais, afastando a grande maioria dos médicos, que trata de exercer a
profissão independentemente de quem esteja no poder em Brasília.
O primeiro alarme para a politização do CFM
soou em maio de 2020, quando a entidade avalizou a prescrição de cloroquina e
hidroxicloroquina a pacientes com sinais de Covid-19, desde que eles ou seus
responsáveis fossem informados. Naquele momento, depois de o então presidente
Jair Bolsonaro ter chamado a doença de “gripezinha” e defendido a cloroquina,
quando deveria ter respeitado a opinião científica e ficado atento ao
desenvolvimento de vacinas, o CFM envolveu-se perigosamente com a política.
A imagem do CFM foi arranhada pela
comprovação da ineficácia dos medicamentos. No ano seguinte, a Defensoria
Pública da União entrou com ação contra a entidade pedindo indenização pelo
fato de ter apoiado o uso do que na época era chamado de “kit Covid”, um
conjunto de drogas de cuja eficácia não havia comprovação ou base científica.
Dois dias depois do parecer do CFM, em 25 de maio de 2020, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) aconselhou a suspensão do uso dos medicamentos, até que
fossem revisados os resultados dos testes sobre sua eficácia e segurança.
Mais recentemente, ficou claro que o CFM
continua envolvido em confrontos na fronteira da ideologia e da política.
Assunto sensível, o aborto é
um tema com que ele tem se envolvido de forma desnecessária. No Brasil, o
procedimento é permitido legalmente apenas nos casos de mulheres vítimas de
estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia fetal. Em abril, porém, o
CFM divulgou uma resolução contra a “assistolia fetal”, um método abortivo
usado depois da 22ª semana de gravidez nos casos permitidos em lei.
Com isso, a entidade estabeleceu um limite
para a interrupção da gravidez que não consta da legislação em vigor. Em maio,
o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, ao se
pronunciar sobre o assunto, suspendeu em sessão virtual da Corte a diretriz
estabelecida pelo CFM, por considerar que ele extrapolara sua competência,
impondo uma restrição “capaz de criar embaraços concretos e significativamente
preocupantes para a saúde da mulher”.
Se o CFM já se pautava pelo conservadorismo,
a controvérsia criada em torno da resolução atraiu ainda mais o apoio de
bolsonaristas, que passaram a atuar na campanha para a eleição de 54 novos
conselheiros, prevista para o início de agosto. Entre os candidatos está o
relator da resolução sobre o aborto. O envolvimento do CFM nas guerras
culturais não interessa a médicos que se dedicam à profissão de forma
competente. Muito menos à sociedade.
Senado tem o dever de impedir aumento da
carga tributária
Valor Econômico
É essencial que o Congresso delimite da forma mais precisa possível os mecanismos da barreira que impeça a elevação do montante de tributos acima de 26,5%
O projeto de regulamentação da reforma
tributária (Projeto de Lei Complementar 68/2024) aprovado pela Câmara dos
Deputados, e em exame pelo Senado, não amarrou bem um ponto fundamental das
mudanças - a de que não resultariam em carga de impostos superior a 26,5%. Os
deputados criaram para isso uma trava frouxa, dando ao Executivo a incumbência
de enviar um projeto de lei para fazer as adequações necessárias se a carga
total se desviasse do objetivo, em 2031. O dispositivo não estabelece que os
impostos serão reduzidos se subirem acima dos 26,5%, apenas que o Congresso
examinará esse assunto em 7 anos.
Houve uma corrida esperada de lobbies e
setores em busca de vantagens especiais nas votações da regulamentação. Várias
delas foram aprovadas, piorando o projeto, ainda que nem de longe desfigurando
a mais importante mudança nos tributos desde a ditadura militar e uma
transformação quase tão fundamental para a economia como foi a derrota da
inflação pelo Plano Real. As principais modificações foram a inclusão de
carnes, queijos, sal e farinhas na cesta básica, isenta de impostos, a migração
da maior parte dos medicamentos para zero ou a faixa de desconto de 60% e a
ampliação do cashback para 100% nas contas de luz, água, gás e esgoto.
Os cálculos sobre o quanto elas adicionarão à
alíquota de referência do IVA dual não estão concluídos, mas é praticamente
certo que ultrapassarão 27%, colocando o Brasil numa ingrata liderança, como o
país que mais cobra tributos sobre consumo do mundo. Um dos motivos é que nas
mudanças feitas na votação nenhum dos setores econômicos piorou em relação ao
projeto original, e vários deles melhoraram de posição, tornando a conta final,
a ser repartida por todos, mais alta e desigual.
Caberá ao Senado corrigir distorções. Os
senadores conhecem a posição do governo que, a esta altura, se empenhará em
fechar os espaços abertos para aumento da carga deixados por uma trava incerta
e frouxa. O principal formulador da reforma, Bernard Appy, secretário para o
assunto no Ministério da Fazenda, tem a avaliação correta. A aprovação de uma
trava indica uma preocupação legítima, trata-se agora de aprimorá-la. A ideia é
tentar definir no Senado que medidas seriam tomadas para reverter eventuais desvios
da tributação.
Com a definição aprovada sobre o que fazer em
tais casos, e opções para reequilibrar o IVA, consumidores e empresas não
precisariam esperar a aprovação duvidosa de um texto pelo Congresso em 2031. A
especificação dos procedimentos funcionaria na prática como um gatilho, a ser
acionado a todo momento necessário, sem a necessidade de aguardar-se revisões
quinquenais, a partir do momento, porém, em que a reforma estivesse plenamente
em vigor, passada a fase de transição, em 2033. A fase de adaptação começa em 2026,
com IVA de 1%, segue em 2027 com a extinção dos tributos federais PIS-Cofins e
entrada em cena da Contribuição sobre Bens e Serviços, até 2033, quando todos
os tributos do velho sistema darão lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços e ao
CBS, que compõem o IVA dual.
Os deputados atenderam a pleitos de grupos
sem preocupação de avaliar o efeito do que foi aprovado no resultado final.
Como a transição é longa, aprovaram tudo que julgaram conveniente, para um
acerto de contas na próxima década, quando passariam a examinar um projeto de
readequação que pode ou não ser aprovado.
Com exceção da trava, o governo não parece
decidido a brigar por muito mais coisas no Senado. Os senadores em tese
poderiam reverter a inclusão das carnes na cesta básica e voltar ao cashback,
mais justo e menos regressivo. No entanto, a oposição e o próprio presidente
Lula defenderam a inclusão, o que a torna politicamente quase irreversível. Mas
ainda é possível melhorar o que saiu das mãos dos deputados. É o caso da
introdução das armas no capítulo do Imposto Seletivo. Ficaram fora e serão
agraciadas com uma redução de tributos a 26,5%, menos da metade do que pagam
hoje.
Da mesma forma, há detalhes nas cerca de 600
páginas da regulamentação onde se escondem armadilhas. Não bastasse a
manutenção de privilégios tributários até 2073, pelos quais o país renuncia a
R$ 25 bilhões de receitas por ano, deputados incluíram abatimento de dois
terços do IBS para os fabricantes de bens de informática no âmbito de um
terceiro crédito presumido (renúncia fiscal) e não previsto para bens
industriais (O Estado de S. Paulo, ontem). Cabe aos senadores a complexa tarefa
de revisão minuciosa de todo o texto aprovado para eliminar adendos de última
hora que trazem vantagens indevidas a segmentos específicos.
Na reta final da reforma, é essencial que o Congresso delimite da forma mais precisa possível os mecanismos da barreira que impeça a elevação do montante de tributos acima de 26,5% e evite que o Brasil suba ao podium como campeão mundial de impostos sobre o consumo.
Senado precisa corrigir a reforma tributária
Folha de S. Paulo
Aos senadores cabe garantir que alíquota
máxima não ultrapasse 26,5% e reavaliar o cashback que favorecia os mais pobres
O projeto de lei da reforma da tributação
sobre o consumo entregue pela Câmara dos
Deputados ao Senado decepciona
ao corroer a vantagem que trazia para brasileiros de baixa renda e ao deixar
apenas no ar o limite de 26,5% para a alíquota de referência do novo Imposto
sobre Valor Agregado (IVA).
É imprescindível a correção de tais
distorções pelos senadores, a bem da consolidação de um sistema socialmente
justo e capaz de impedir a elevação da já escorchante carga tributária do país.
Ao atualizar simulação do Banco Mundial sobre
os efeitos da reforma, com base no texto aprovado pela Câmara em 10 de julho,
esta Folha constatou que a inclusão de última hora da carne e de
outros itens na cesta básica ceifará de
50% a 25% a potencial devolução de tributos aos 20% mais pobres.
A distorção, celebrada como ganho social até
mesmo por veteranos do PT, é preocupante. A
isenção do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre
Bens e Serviços (CBS) à proteína animal —inclusive aos cortes nobres e ao
caviar— beneficiará sobretudo a classe
média e o topo da pirâmide de rendimentos, além dos produtores.
O consumo dos mais vulneráveis pode até ser
alentado pelo custo reduzido. Não haverá, porém, tributo a ser abatido em seus
outros impostos pelo cashback, o real
mecanismo distributivo da reforma, que prevê devolução de uma
parcela da carga tributária.
Não bastasse, a receita perdida por essa
isenção exigirá alíquotas maiores sobre outros bens e serviços consumidos
também pelos pobres. Porém, sem chances de serem incluídos no cashback.
Ao Senado cabe corrigir essa capciosa
depreciação do mecanismo pela Câmara, aprovada por 447 votos. Igualmente não se
pode esperar menos dos senadores do que tornar efetivo o limite de 26,5% para a
alíquota de referência do novo IVA a partir de 2026.
Embora bem-vindo, o teto não passa hoje de
uma quimera. A isenção às carnes e outros itens, cujo impacto sobre a alíquota
de referência é estimado em 0,53 ponto percentual pelo Ministério da
Fazenda, tende a extrapolar o limite, mesmo com compensações.
Também é grave a opacidade das regras para os
estados e municípios respeitarem o teto de 26,5% entre 2026 e 2033, quando
ainda estarão aptos a calibrar para cima o ICMS e o ISS estaduais a fim de
angariar receitas adicionais.
Tanto quanto aprovar o projeto de lei ainda
neste ano, compete ao Senado a grande responsabilidade de corrigir os equívocos
dos deputados. Disso depende a entrega ao país de uma reforma da tributação
sobre o consumo justa e efetiva nos seus objetivos.
Vacinas em alta
Folha de S. Paulo
Brasil melhora taxas de imunização infantil,
mas ainda há gargalos no sistema
Relatório da Unicef e
da Organização Mundial da Saúde divulgado
no início da semana mostra que a cobertura global da imunização infantil ainda
não retornou ao patamar pré-pandemia. A boa notícia é que, no Brasil, houve
melhoras.
Analisou-se o alcance da vacina DTP (para
difteria, tétano e coqueluche), dado que sua distribuição reflete a situação da
imunização infantil contra outras doenças.
Para a proteção total, são necessárias três
doses. Em 2023, a cobertura da terceira dose (DTP3) ficou em 84%, alcançando
108 milhões de crianças, ante 86% em 2019.
Cerca de 21 milhões de crianças ou não foram vacinadas ou não receberam as três
doses em 2023. O primeiro grupo, chamado zero dose, somou 14,5
milhões, acima dos 12,8 milhões de 2019. Os piores índices estão na África, Sul
da Ásia e América
Latina e Caribe.
Na América do
Sul, Chile e
Guiana Francesa (99%), Guiana (98%) e Brasil (96%) têm as melhores taxas da
primeira dose e, com 65%, a Venezuela está
na pior situação.
No Brasil, verificou-se queda robusta no
número de crianças zero dose —687 mil, em
2021, para 103 mil no ano passado—
e também daquelas que não tomaram a DTP3, que passou de 846 mil para 257 mil,
no mesmo período.
Os números são auspiciosos, já que o país vem
apresentando queda da cobertura da imunização infantil contra
outras doenças. A vacinação contra
sarampo, caxumba e rubéola no Brasil foi de 93,1%, em 2019, para 71,5%, em
2021; e a da poliomielite, de 84,2% para 67,7%.
O discurso antivacina de Jair Bolsonaro (PL)
na pandemia pode ter contribuído para tal deterioração, mas as taxas já vinham
caindo desde 2016.
O poder público não deve baixar a guarda
devido aos bons resultados sob o governo Lula (PT). Problemas foram verificados
na autorização da vacina da dengue, o alcance do imunizante para o HPV ainda é
precário e a cobertura contra variantes da Covid-19 oscila.
Ademais casos de coqueluche crescem no Brasil
e, de forma preocupante, na Europa —o
que gerou um alerta do Ministério da
Saúde para possível piora do quadro aqui.
O segredo da eficiência da imunização é a
eterna vigilância.
A boiada da dívida dos Estados
O Estado de S. Paulo
Proposta de Pacheco para repactuar dívidas
dos Estados é ruim, mas a do governo não é melhor. Para ter algum controle
sobre o desfecho, União deveria conduzir as negociações caso a caso
O Senado pretende votar o projeto de
renegociação das dívidas dos Estados na primeira quinzena de agosto. O prazo
foi dado em resposta a um questionamento feito pelo ministro Edson Fachin, do
Supremo Tribunal Federal (STF), que analisava o terceiro pedido apresentado
pelo Estado de Minas Gerais para prorrogar o pagamento de suas dívidas com a
União. Já faz quase seis anos que a dívida está suspensa, mas o STF tem dado
respaldo a renovações sucessivas desse prazo – desta vez, até 1.º de agosto.
Minas Gerais deve quase R$ 160 bilhões à
União, mas não paga quase nada desde o fim de 2018. Ao longo desse período,
esperava-se que o Estado adotasse medidas para se adequar aos requisitos do
Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O programa flexibiliza as condições de
pagamento das parcelas da dívida, mas impõe algumas contrapartidas, como a
aprovação de reformas estruturais e a privatização de empresas públicas.
O governador Romeu Zema nunca conseguiu
reunir apoio suficiente na Assembleia Legislativa do Estado para aprovar essas
medidas. Com a corda no pescoço, ele apelou ao presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), que elaborou uma proposta supostamente abrangente para
atender todos os Estados, mas feita sob medida para resolver os problemas de
Minas Gerais.
Pacheco tem pressa, e pretende pautar a
proposta no retorno do recesso parlamentar. Para ele, quem critica o texto é o
mercado financeiro, que gostaria de adquirir as empresas públicas que ele
propõe federalizar a “preço de banana”. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
disse ser favorável a uma repactuação, mas disse que a proposta de Pacheco é
insustentável e precisa ser revisada para não prejudicar as contas públicas.
Em meio a esse impasse, o governo aposta na
atuação da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, para tentar
chegar a um acordo entre as partes, segundo revelou o Estadão. Consta que
a ideia da governadora é construir uma solução que favoreça, também, os Estados
menos endividados e que estejam em dia com suas obrigações com a União. Ou
seja, todos querem se juntar à boiada que vai passar pela porteira aberta por
Pacheco, tudo à custa dos contribuintes.
De fato, os problemas da proposta de Pacheco
não são pontuais, mas estruturais, e não há como salvá-la com meros ajustes.
Mas o programa que o governo havia sugerido tampouco era uma boa solução. A
intenção da Fazenda era reduzir o estoque e os juros da dívida, hoje
atualizados por IPCA mais 4%, como contrapartida a uma política de expansão do
ensino médio técnico a ser adotada pelos Estados.
Ora, qualquer proposta de renegociação de
dívidas, para ficar de pé, deve partir do pressuposto de que os Estados devem
cortar seus gastos, e não expandi-los. Não é o caso do Juros por Educação. Por
mais que o investimento em educação seja meritório, trata-se de uma despesa
fixa a ser incorporada no orçamento e não haveria formas de garantir que os
Estados realmente aplicariam os recursos no programa.
Um dos Estados mais encalacrados, o Rio
Grande do Sul, já conseguiu suspender suas dívidas por três anos em razão das
enchentes de abril e maio. À exceção de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, que
facilmente seriam classificados como devedores contumazes, os demais Estados
pagam suas contas em dia.
Goiás, por exemplo, é um dos Estados mais
ricos do País, mas isso não impediu o governador Ronaldo Caiado de pleitear o
melhor dos mundos – aderir aos benevolentes termos da nova proposta discutida
no Senado sem perder os benefícios que o Estado conseguiu ao ingressar no
Regime de Recuperação Fiscal.
Para ter algum controle sobre as negociações,
a União deveria realizar negociações individuais com os Estados e estabelecer
contrapartidas mínimas que os impedissem de se endividar ainda mais – como,
aliás, estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Da forma como tem sido conduzida, a
renegociação seria apenas uma tentativa de abrir espaço no Orçamento para que
os Estados ampliem seus gastos. A questão é que agora o governo criou uma
armadilha para si mesmo e dificilmente conseguirá sair dessa enrascada sem
ceder a Estados que nem sequer apresentam dificuldades para arcar com suas
dívidas.
Sob as águas do Sena
O Estado de S. Paulo
Há um século Paris proibiu mergulhos no Sena
poluído. Agora a prefeita da cidade nada no rio para provar que está limpo e
apto para a Olimpíada. Quando poderemos nadar no Tietê?
Às vésperas da Olimpíada, a prefeita de Paris
cumpriu a promessa de nadar no Sena para provar que o rio é limpo e seguro para
provas como as de triatlo, que devem ocorrer em um dos principais símbolos da
capital francesa. O mergulho de Anne Hidalgo soma-se aos de outras autoridades
francesas e olímpicas e ocorre após processo longo de despoluição, com custo de
quase R$ 10 bilhões. O banho no Sena está proibido desde 1923, em razão da
poluição do rio, que, como tantos outros mundo afora, foi vítima do processo de
urbanização desorganizada das cidades.
Agora, após a prefeita experimentar as águas,
Paris pretende que, além de receber provas olímpicas, o Sena seja liberado, a
partir do verão de 2025, para o mergulho dos cidadãos parisienses, o que seria
um legado gigantesco para a cidade. A organização dos Jogos e o patrimônio
deixado aos cidadãos têm sido tema de escrutínio global cada vez maior, uma vez
que arcar com a estrutura complexa para a prática de diversos esportes, sem
contar a segurança de atletas, exige investimentos vultosos e benefícios não garantidos
à população. Sede dos Jogos de 92, Barcelona é comumente citada como exemplo de
legado, enquanto Atenas (2004) teria ajudado a empurrar a Grécia para uma
gigantesca crise financeira.
É impossível falar de legado olímpico e águas
poluídas sem pensar no Rio de Janeiro. Apesar do ouro emocionante conquistado
pelas atletas Martine Grael e Kahena Kunze na vela aquática, durante a
realização da única edição de uma Olimpíada na América do Sul, a prometida
despoluição da Baía de Guanabara entrou na lista de oportunidades perdidas.
É verdade que a morte lenta e gradual de
rios, baías e canais, como a do próprio Sena, é um fenômeno generalizado, mas o
caso da Baía da Guanabara mostra que o Brasil quase sempre deixa de aproveitar
oportunidades, algumas de ouro, para recuperar recursos naturais.
Há décadas os dois principais rios que cortam
São Paulo são um cartão-postal indesejado e impossível de esconder, veias
expostas de descaso com o meio ambiente.
A despoluição do Tietê e do Pinheiros
atravessa governos, consome recursos e ainda não alcançou os resultados
desejados. É preciso reconhecer que houve avanço considerável no tratamento de
esgoto, que o odor nauseabundo do Tietê e do Pinheiros já foi exponencialmente
pior e que a ocorrência de enchentes por conta do grau de assoreamento dos dois
rios parece coisa do passado. Ainda assim, o estado geral de ambos, sobretudo
do Tietê, exclama que a cidade mais rica da América do Sul tem lacunas
gritantes em desenvolvimento e qualidade de vida. Convém lembrar que, até os
anos 30 do século passado, o Tietê recebia regularmente provas de remo e
natação.
Promessas e reptos não faltam. Em 1992, o
então governador paulista, Luiz Antonio Fleury Filho, lançou um programa de
despoluição do Tietê garantindo que, até o final de seu mandato, beberia a água
do rio. Nem todos os sucessores de Fleury foram atrevidos a esse ponto, mas
todos prometeram limpar o Tietê – o atual governador, Tarcísio de Freitas, diz
que o rio estará despoluído até 2026 graças a um programa de R$ 5,6 bilhões.
O caso do Tietê é um exemplo da necessidade
urgente de maior coordenação entre municípios espalhados por grandes regiões
metropolitanas para enfrentar questões ambientais. Sem que todos participem de
um esforço concentrado de despoluição, quem estiver fazendo a lição de casa
continuará sendo reprovado pelo fato de que o vizinho segue poluindo. Cada
cidade polui o rio de maneira diferente, o que demanda soluções específicas. É
como se, em uma prova de revezamento, enquanto um corredor dá tudo o que tem, os
demais ficam parados ou correm em direções diferentes.
É realmente um feito histórico que o Sena aparentemente tenha se tornado afinal um rio balneável, no qual se pode entrar após quase um século. O prefeito de São Paulo ousaria mergulhar no Pinheiros ou no Tietê? Pelo andar dos projetos de despoluição, talvez, como os parisienses, seja preciso esperar um século. No nosso caso, mais um.
Um crescimento menos ruim
O Estado de S. Paulo
FMI melhora previsão do PIB do Brasil em
2025, mas País continua muito aquém dos emergentes
O esforço de reconstrução após as cheias no
Rio Grande do Sul fez o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisar para cima a
perspectiva de crescimento econômico do Brasil em 2025, de 2,1% para 2,4%. Do
mesmo modo, foram também os efeitos da tragédia gaúcha sobre a economia,
especialmente em relação à safra, os responsáveis pela ligeira queda prevista
para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, de 2,2% para 2,1%.
Os ajustes feitos neste mês pelo FMI nas
previsões feitas em abril do relatório Perspectiva Econômica Global (WEO,
na sigla em inglês) mostraram um cenário menos ruim para o Brasil. Como
destaque para a economia brasileira no próximo ano, além da recuperação do Rio
Grande do Sul, o aumento na produção de petróleo e derivados (hidrocarbonetos)
mereceu citação dos técnicos do fundo.
Se há algo a comemorar na avaliação do FMI,
são os efeitos de setores distintos que minimizaram o impacto da devastação
provocada pelo desastre climático no setor agrícola, nas indústrias e na
logística do Estado gaúcho. A reconstrução está ainda em fase inicial, mas, ao
menos na visão dos observadores externos, tende a ser rápida e forte.
A citação específica aos hidrocarbonetos como
um componente estrutural que ajudará a puxar a economia em 2025 mostra também
que, em meio ao esforço global de descarbonização e à estruturação da transição
energética, a produção de petróleo no País é ainda – e o será por mais algumas
décadas – um fator impulsionador do crescimento. Por isso o Brasil precisa
planejar de forma consciente o desenvolvimento de seus campos de petróleo.
A economia do País caminha neste ano meio
passo à frente da média de seus vizinhos da América Latina e Caribe, região que
deve crescer 1,9%, segundo o FMI, mas muito aquém de seus pares emergentes e em
desenvolvimento que, com PIB médio de 4,3%, evidenciam a marcha lenta do
crescimento brasileiro.
Em ocasião anterior, o FMI salientou que a
simplificação tributária acarretará, já no período de sete anos de transição –
entre 2026 e 2033 –, aumento adicional de até 0,5 ponto porcentual ao PIB por
ano. Assegurar o bom andamento da reforma é hoje tão importante quanto
demonstrar que é para valer o empenho para equilibrar as contas públicas, tema
que foi destaque em outro documento recente do FMI. Na ocasião, técnicos do
fundo calcularam que as contas do Brasil só voltarão ao azul em 2028 e que a
redução da dívida depende de um esforço mais ambicioso do País.
O FMI faz uma avaliação positiva do País, elevando de 2% para 2,5% o crescimento econômico no médio prazo, resultado da resiliência no controle da inflação, como diz o relatório, com política monetária proativa “e adequadamente restritiva” e um cenário favorável de oferta e demanda. Mas está na recomendação futura o principal recado do FMI para o Brasil, quando salienta “desafios de longa data” que ainda permanecem, como a dívida pública elevada e o caminho lento em direção a um padrão de vida mais alto. Sinal de que a busca por crescimento sustentável está apenas no começo.
O parto cirúrgico e a hora do bebê
Correio Braziliense
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de
países com as maiores taxas de partos cirúrgicos: 55%. A Organização Mundial da
Saúde preconiza que a proporção de cesáreas seja inferior a 15% do total de
nascimentos
Um momento que deveria ser natural, pelo
menos na grande maioria, tem sido antecipado, com sérios riscos à vida. Recente
levantamento realizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), divulgado
no periódico Health Economics, mostra que as brasileiras estão dando à luz
antes da hora sem a devida recomendação. O estudo apontou que, para a
"comodidade" de médicos e famílias, a antecipação dos partos
cesáreos, especialmente em datas anteriores a feriados, tem sido uma
constante.
Se por um lado o adiamento de partos gera um
acréscimo na idade gestacional e consequente redução na mortalidade neonatal, a
antecipação pode reduzir o peso dos bebês ao nascerem, principalmente daqueles
de alto risco. Segundo a coordenadora da Pediatria do Grupo Conaes Brasil,
Marcelle Bonomo, antecipar partos sem indicação médica pode provocar problemas
respiratórios crônicos nos bebês, além de uma série de complicações, como
distúrbios de crescimento, deficiências oculares e auditivas.
De acordo com os autores da pesquisa,
Carolina Melo e Naercio Menezes Filho, a tendência é de que essa medida de
encurtar propositalmente o período de gestação seja tomada por famílias com
nível educacional mais alto — isto é, teoricamente são pessoas com mais
condições de saberem que, agindo dessa forma, podem colocar em risco a vida de
seus bebês.
O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de
países com as maiores taxas de partos cirúrgicos — 55% do total de
procedimentos no país —, perdendo apenas para a República Dominicana (58%),
segundo dados do Ministério da Saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS),
inclusive, preconiza que a proporção de partos cesarianos seja inferior a 15%,
o que mostra a discrepância entre o recomendável e o que ocorre na
prática.
A espera por partos vaginais, aqueles em que
a gestante entra em trabalho de parto, se mostra a decisão mais acertada em
termos de maturidade gestacional e sobrevivência de mãe e filho (a). Os
especialistas reforçam, ainda, que a prematuridade, nesses casos, pode
contribuir para o surgimento de quadros como icterícia por fígado imaturo,
formação incompleta dos pulmões, dificuldade na amamentação, no ganho de peso,
maior risco de infecções, podendo ocasionar até mesmo sepse neonatal e
problemas neurológicos, com maior chance de internação em UTI.
Fato é que as cesarianas no Brasil são bastante frequentes e muito acima do que prega a OMS. Em hospitais particulares do país, esse índice chega a 86%, correspondendo a 31% a mais do que a média nacional, que também é altíssima. Investimentos em ações e campanhas sobre os riscos da antecipação do nascimento do bebê sem recomendação médica podem ajudar a mudar esse quadro.
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