sexta-feira, 19 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula não pode mais fugir ao imperativo fiscal

O Globo

Mais uma vez ele foi ambíguo sobre o assunto — mas a realidade aritmética cobrará o preço de seu governo

O Brasil vive uma crise fiscal aguda e, se as medidas necessárias não forem tomadas a tempo, terá de enfrentar um cenário duplamente catastrófico: estagnação no crescimento e alta na inflação. A tarefa inescapável para fugir desse prognóstico é ajustar as contas públicas. Enquanto o governo gastar mais do que arrecada, não haverá conserto. Levando em conta o pagamento de juros da dívida, o buraco supera 6% do PIB. Sem os juros, está ao redor de 1%. Mantida a situação atual, a dívida como proporção do PIB crescerá em todos os anos do atual governo, mesmo que a economia registre expansão anual entre 2% e 2,5%. É real o risco de Luiz Inácio Lula da Silva terminar seu terceiro mandato presidencial com a dívida bruta em 82% do PIB, 10 pontos percentuais acima do patamar de 2022.

Essa é a realidade puramente aritmética, que ele resiste a aceitar. Desde o ano passado, Lula adota um discurso ambíguo em relação às metas estipuladas pelo próprio governo. Ora faz questão de ressaltar seu compromisso com a responsabilidade fiscal, ora põe em dúvida a urgência de cumprir os objetivos. Em entrevista à TV Record nesta semana, voltou à carga: “É apenas uma questão de visão. Você não é obrigado a estabelecer uma meta e cumpri-la se você tiver coisas mais importantes para fazer”. Noutro trecho, aliviou e disse que fará “o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal”.

Como no filme “Feitiço do tempo”, em que os personagens vivem as mesmas situações repetidamente, as declarações de Lula mais uma vez lançaram a Bolsa de Valores para baixo e o dólar para o alto. Foi a preocupação com a desvalorização do real que o motivou a determinar no início do mês o cumprimento “a todo custo” das metas previstas para 2024, 2025 e 2026. Com a intenção de resgatar alguma credibilidade, o governo anunciou o o plano de congelar R$ 15 bilhões no Orçamento deste ano e de enviar ao Congresso corte de R$ 26 bilhões no de 2025.

Nesta quinta-feira, Lula se reuniu com ministros no Palácio do Planalto para discutir os detalhes de um pente-fino nos programas sociais. A iniciativa é positiva, por mostrar que o governo entendeu os limites da estratégia de tentar apenas aumentar a arrecadação. Mas é insuficiente. Em artigo publicado no GLOBO, o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida explicou por que reduções tímidas nas despesas não resolverão o problema. “O ajuste fiscal necessário para colocarmos as dívidas bruta e líquida numa trajetória de queda é de pelo menos 3 pontos do PIB (R$ 350 bilhões) — e precisa ser feito ao longo dos anos”, escreveu Mansueto.

O comprometimento de Lula com a responsabilidade fiscal será testado pela resposta a duas questões. A primeira é desvincular despesas de receitas. Os gastos com saúde e educação crescem seguindo a arrecadação. Por óbvio, a solução não é congelar as verbas de duas áreas vitais, mas adotar um novo método para corrigi-las. A segunda questão é desvincular benefícios previdenciários do salário mínimo, cujo reajuste pode superar a inflação. Ambos os mecanismos de correção inviabilizam qualquer ajuste fiscal. Nas palavras certeiras de Mansueto: “Nos demais países, é normal haver despesas que crescem automaticamente com o aumento da receita? Não. É normal que benefícios sociais tenham o mesmo valor que o piso da Previdência? Não. Teremos de rever essas regras”.

Partidarização do Conselho Federal de Medicina não interessa à sociedade

O Globo

Influência política no CFM levou a decisões sem base científica sobre Covid e a desafio à lei do aborto

Entidades profissionais costumam ter forte traço de corporativismo, mas isso não deveria impedi-las de realizar um trabalho técnico sério, com base nos conhecimentos científicos em suas respectivas áreas. Infelizmente não tem sido o caso do Conselho Federal de Medicina (CFM), cuja atuação tem sido condicionada pela polarização ideológica e pelas guerras culturais, afastando a grande maioria dos médicos, que trata de exercer a profissão independentemente de quem esteja no poder em Brasília.

O primeiro alarme para a politização do CFM soou em maio de 2020, quando a entidade avalizou a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina a pacientes com sinais de Covid-19, desde que eles ou seus responsáveis fossem informados. Naquele momento, depois de o então presidente Jair Bolsonaro ter chamado a doença de “gripezinha” e defendido a cloroquina, quando deveria ter respeitado a opinião científica e ficado atento ao desenvolvimento de vacinas, o CFM envolveu-se perigosamente com a política.

A imagem do CFM foi arranhada pela comprovação da ineficácia dos medicamentos. No ano seguinte, a Defensoria Pública da União entrou com ação contra a entidade pedindo indenização pelo fato de ter apoiado o uso do que na época era chamado de “kit Covid”, um conjunto de drogas de cuja eficácia não havia comprovação ou base científica. Dois dias depois do parecer do CFM, em 25 de maio de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselhou a suspensão do uso dos medicamentos, até que fossem revisados os resultados dos testes sobre sua eficácia e segurança.

Mais recentemente, ficou claro que o CFM continua envolvido em confrontos na fronteira da ideologia e da política. Assunto sensível, o aborto é um tema com que ele tem se envolvido de forma desnecessária. No Brasil, o procedimento é permitido legalmente apenas nos casos de mulheres vítimas de estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia fetal. Em abril, porém, o CFM divulgou uma resolução contra a “assistolia fetal”, um método abortivo usado depois da 22ª semana de gravidez nos casos permitidos em lei.

Com isso, a entidade estabeleceu um limite para a interrupção da gravidez que não consta da legislação em vigor. Em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, ao se pronunciar sobre o assunto, suspendeu em sessão virtual da Corte a diretriz estabelecida pelo CFM, por considerar que ele extrapolara sua competência, impondo uma restrição “capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde da mulher”.

Se o CFM já se pautava pelo conservadorismo, a controvérsia criada em torno da resolução atraiu ainda mais o apoio de bolsonaristas, que passaram a atuar na campanha para a eleição de 54 novos conselheiros, prevista para o início de agosto. Entre os candidatos está o relator da resolução sobre o aborto. O envolvimento do CFM nas guerras culturais não interessa a médicos que se dedicam à profissão de forma competente. Muito menos à sociedade.

Senado tem o dever de impedir aumento da carga tributária

Valor Econômico

É essencial que o Congresso delimite da forma mais precisa possível os mecanismos da barreira que impeça a elevação do montante de tributos acima de 26,5%

O projeto de regulamentação da reforma tributária (Projeto de Lei Complementar 68/2024) aprovado pela Câmara dos Deputados, e em exame pelo Senado, não amarrou bem um ponto fundamental das mudanças - a de que não resultariam em carga de impostos superior a 26,5%. Os deputados criaram para isso uma trava frouxa, dando ao Executivo a incumbência de enviar um projeto de lei para fazer as adequações necessárias se a carga total se desviasse do objetivo, em 2031. O dispositivo não estabelece que os impostos serão reduzidos se subirem acima dos 26,5%, apenas que o Congresso examinará esse assunto em 7 anos.

Houve uma corrida esperada de lobbies e setores em busca de vantagens especiais nas votações da regulamentação. Várias delas foram aprovadas, piorando o projeto, ainda que nem de longe desfigurando a mais importante mudança nos tributos desde a ditadura militar e uma transformação quase tão fundamental para a economia como foi a derrota da inflação pelo Plano Real. As principais modificações foram a inclusão de carnes, queijos, sal e farinhas na cesta básica, isenta de impostos, a migração da maior parte dos medicamentos para zero ou a faixa de desconto de 60% e a ampliação do cashback para 100% nas contas de luz, água, gás e esgoto.

Os cálculos sobre o quanto elas adicionarão à alíquota de referência do IVA dual não estão concluídos, mas é praticamente certo que ultrapassarão 27%, colocando o Brasil numa ingrata liderança, como o país que mais cobra tributos sobre consumo do mundo. Um dos motivos é que nas mudanças feitas na votação nenhum dos setores econômicos piorou em relação ao projeto original, e vários deles melhoraram de posição, tornando a conta final, a ser repartida por todos, mais alta e desigual.

Caberá ao Senado corrigir distorções. Os senadores conhecem a posição do governo que, a esta altura, se empenhará em fechar os espaços abertos para aumento da carga deixados por uma trava incerta e frouxa. O principal formulador da reforma, Bernard Appy, secretário para o assunto no Ministério da Fazenda, tem a avaliação correta. A aprovação de uma trava indica uma preocupação legítima, trata-se agora de aprimorá-la. A ideia é tentar definir no Senado que medidas seriam tomadas para reverter eventuais desvios da tributação.

Com a definição aprovada sobre o que fazer em tais casos, e opções para reequilibrar o IVA, consumidores e empresas não precisariam esperar a aprovação duvidosa de um texto pelo Congresso em 2031. A especificação dos procedimentos funcionaria na prática como um gatilho, a ser acionado a todo momento necessário, sem a necessidade de aguardar-se revisões quinquenais, a partir do momento, porém, em que a reforma estivesse plenamente em vigor, passada a fase de transição, em 2033. A fase de adaptação começa em 2026, com IVA de 1%, segue em 2027 com a extinção dos tributos federais PIS-Cofins e entrada em cena da Contribuição sobre Bens e Serviços, até 2033, quando todos os tributos do velho sistema darão lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços e ao CBS, que compõem o IVA dual.

Os deputados atenderam a pleitos de grupos sem preocupação de avaliar o efeito do que foi aprovado no resultado final. Como a transição é longa, aprovaram tudo que julgaram conveniente, para um acerto de contas na próxima década, quando passariam a examinar um projeto de readequação que pode ou não ser aprovado.

Com exceção da trava, o governo não parece decidido a brigar por muito mais coisas no Senado. Os senadores em tese poderiam reverter a inclusão das carnes na cesta básica e voltar ao cashback, mais justo e menos regressivo. No entanto, a oposição e o próprio presidente Lula defenderam a inclusão, o que a torna politicamente quase irreversível. Mas ainda é possível melhorar o que saiu das mãos dos deputados. É o caso da introdução das armas no capítulo do Imposto Seletivo. Ficaram fora e serão agraciadas com uma redução de tributos a 26,5%, menos da metade do que pagam hoje.

Da mesma forma, há detalhes nas cerca de 600 páginas da regulamentação onde se escondem armadilhas. Não bastasse a manutenção de privilégios tributários até 2073, pelos quais o país renuncia a R$ 25 bilhões de receitas por ano, deputados incluíram abatimento de dois terços do IBS para os fabricantes de bens de informática no âmbito de um terceiro crédito presumido (renúncia fiscal) e não previsto para bens industriais (O Estado de S. Paulo, ontem). Cabe aos senadores a complexa tarefa de revisão minuciosa de todo o texto aprovado para eliminar adendos de última hora que trazem vantagens indevidas a segmentos específicos.

Na reta final da reforma, é essencial que o Congresso delimite da forma mais precisa possível os mecanismos da barreira que impeça a elevação do montante de tributos acima de 26,5% e evite que o Brasil suba ao podium como campeão mundial de impostos sobre o consumo.

Senado precisa corrigir a reforma tributária

Folha de S. Paulo

Aos senadores cabe garantir que alíquota máxima não ultrapasse 26,5% e reavaliar o cashback que favorecia os mais pobres

O projeto de lei da reforma da tributação sobre o consumo entregue pela Câmara dos Deputados ao Senado decepciona ao corroer a vantagem que trazia para brasileiros de baixa renda e ao deixar apenas no ar o limite de 26,5% para a alíquota de referência do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

É imprescindível a correção de tais distorções pelos senadores, a bem da consolidação de um sistema socialmente justo e capaz de impedir a elevação da já escorchante carga tributária do país.

Ao atualizar simulação do Banco Mundial sobre os efeitos da reforma, com base no texto aprovado pela Câmara em 10 de julho, esta Folha constatou que a inclusão de última hora da carne e de outros itens na cesta básica ceifará de 50% a 25% a potencial devolução de tributos aos 20% mais pobres.

A distorção, celebrada como ganho social até mesmo por veteranos do PT, é preocupante. A isenção do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) à proteína animal —inclusive aos cortes nobres e ao caviar— beneficiará sobretudo a classe média e o topo da pirâmide de rendimentos, além dos produtores.

O consumo dos mais vulneráveis pode até ser alentado pelo custo reduzido. Não haverá, porém, tributo a ser abatido em seus outros impostos pelo cashback, o real mecanismo distributivo da reforma, que prevê devolução de uma parcela da carga tributária.

Não bastasse, a receita perdida por essa isenção exigirá alíquotas maiores sobre outros bens e serviços consumidos também pelos pobres. Porém, sem chances de serem incluídos no cashback.

Ao Senado cabe corrigir essa capciosa depreciação do mecanismo pela Câmara, aprovada por 447 votos. Igualmente não se pode esperar menos dos senadores do que tornar efetivo o limite de 26,5% para a alíquota de referência do novo IVA a partir de 2026.

Embora bem-vindo, o teto não passa hoje de uma quimera. A isenção às carnes e outros itens, cujo impacto sobre a alíquota de referência é estimado em 0,53 ponto percentual pelo Ministério da Fazenda, tende a extrapolar o limite, mesmo com compensações.

Também é grave a opacidade das regras para os estados e municípios respeitarem o teto de 26,5% entre 2026 e 2033, quando ainda estarão aptos a calibrar para cima o ICMS e o ISS estaduais a fim de angariar receitas adicionais.

Tanto quanto aprovar o projeto de lei ainda neste ano, compete ao Senado a grande responsabilidade de corrigir os equívocos dos deputados. Disso depende a entrega ao país de uma reforma da tributação sobre o consumo justa e efetiva nos seus objetivos.

Vacinas em alta

Folha de S. Paulo

Brasil melhora taxas de imunização infantil, mas ainda há gargalos no sistema

Relatório da Unicef e da Organização Mundial da Saúde divulgado no início da semana mostra que a cobertura global da imunização infantil ainda não retornou ao patamar pré-pandemia. A boa notícia é que, no Brasil, houve melhoras.

Analisou-se o alcance da vacina DTP (para difteria, tétano e coqueluche), dado que sua distribuição reflete a situação da imunização infantil contra outras doenças.

Para a proteção total, são necessárias três doses. Em 2023, a cobertura da terceira dose (DTP3) ficou em 84%, alcançando 108 milhões de crianças, ante 86% em 2019.

Cerca de 21 milhões de crianças ou não foram vacinadas ou não receberam as três doses em 2023. O primeiro grupo, chamado zero dose, somou 14,5 milhões, acima dos 12,8 milhões de 2019. Os piores índices estão na África, Sul da Ásia e América Latina e Caribe.

Na América do SulChile e Guiana Francesa (99%), Guiana (98%) e Brasil (96%) têm as melhores taxas da primeira dose e, com 65%, a Venezuela está na pior situação.

No Brasil, verificou-se queda robusta no número de crianças zero dose —687 mil, em 2021, para 103 mil no ano passado— e também daquelas que não tomaram a DTP3, que passou de 846 mil para 257 mil, no mesmo período.

Os números são auspiciosos, já que o país vem apresentando queda da cobertura da imunização infantil contra outras doenças. A vacinação contra sarampo, caxumba e rubéola no Brasil foi de 93,1%, em 2019, para 71,5%, em 2021; e a da poliomielite, de 84,2% para 67,7%.

O discurso antivacina de Jair Bolsonaro (PL) na pandemia pode ter contribuído para tal deterioração, mas as taxas já vinham caindo desde 2016.

O poder público não deve baixar a guarda devido aos bons resultados sob o governo Lula (PT). Problemas foram verificados na autorização da vacina da dengue, o alcance do imunizante para o HPV ainda é precário e a cobertura contra variantes da Covid-19 oscila.

Ademais casos de coqueluche crescem no Brasil e, de forma preocupante, na Europa —o que gerou um alerta do Ministério da Saúde para possível piora do quadro aqui.

O segredo da eficiência da imunização é a eterna vigilância.

A boiada da dívida dos Estados

O Estado de S. Paulo

Proposta de Pacheco para repactuar dívidas dos Estados é ruim, mas a do governo não é melhor. Para ter algum controle sobre o desfecho, União deveria conduzir as negociações caso a caso

O Senado pretende votar o projeto de renegociação das dívidas dos Estados na primeira quinzena de agosto. O prazo foi dado em resposta a um questionamento feito pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisava o terceiro pedido apresentado pelo Estado de Minas Gerais para prorrogar o pagamento de suas dívidas com a União. Já faz quase seis anos que a dívida está suspensa, mas o STF tem dado respaldo a renovações sucessivas desse prazo – desta vez, até 1.º de agosto.

Minas Gerais deve quase R$ 160 bilhões à União, mas não paga quase nada desde o fim de 2018. Ao longo desse período, esperava-se que o Estado adotasse medidas para se adequar aos requisitos do Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O programa flexibiliza as condições de pagamento das parcelas da dívida, mas impõe algumas contrapartidas, como a aprovação de reformas estruturais e a privatização de empresas públicas.

O governador Romeu Zema nunca conseguiu reunir apoio suficiente na Assembleia Legislativa do Estado para aprovar essas medidas. Com a corda no pescoço, ele apelou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que elaborou uma proposta supostamente abrangente para atender todos os Estados, mas feita sob medida para resolver os problemas de Minas Gerais.

Pacheco tem pressa, e pretende pautar a proposta no retorno do recesso parlamentar. Para ele, quem critica o texto é o mercado financeiro, que gostaria de adquirir as empresas públicas que ele propõe federalizar a “preço de banana”. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ser favorável a uma repactuação, mas disse que a proposta de Pacheco é insustentável e precisa ser revisada para não prejudicar as contas públicas.

Em meio a esse impasse, o governo aposta na atuação da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, para tentar chegar a um acordo entre as partes, segundo revelou o Estadão. Consta que a ideia da governadora é construir uma solução que favoreça, também, os Estados menos endividados e que estejam em dia com suas obrigações com a União. Ou seja, todos querem se juntar à boiada que vai passar pela porteira aberta por Pacheco, tudo à custa dos contribuintes.

De fato, os problemas da proposta de Pacheco não são pontuais, mas estruturais, e não há como salvá-la com meros ajustes. Mas o programa que o governo havia sugerido tampouco era uma boa solução. A intenção da Fazenda era reduzir o estoque e os juros da dívida, hoje atualizados por IPCA mais 4%, como contrapartida a uma política de expansão do ensino médio técnico a ser adotada pelos Estados.

Ora, qualquer proposta de renegociação de dívidas, para ficar de pé, deve partir do pressuposto de que os Estados devem cortar seus gastos, e não expandi-los. Não é o caso do Juros por Educação. Por mais que o investimento em educação seja meritório, trata-se de uma despesa fixa a ser incorporada no orçamento e não haveria formas de garantir que os Estados realmente aplicariam os recursos no programa.

Um dos Estados mais encalacrados, o Rio Grande do Sul, já conseguiu suspender suas dívidas por três anos em razão das enchentes de abril e maio. À exceção de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, que facilmente seriam classificados como devedores contumazes, os demais Estados pagam suas contas em dia.

Goiás, por exemplo, é um dos Estados mais ricos do País, mas isso não impediu o governador Ronaldo Caiado de pleitear o melhor dos mundos – aderir aos benevolentes termos da nova proposta discutida no Senado sem perder os benefícios que o Estado conseguiu ao ingressar no Regime de Recuperação Fiscal.

Para ter algum controle sobre as negociações, a União deveria realizar negociações individuais com os Estados e estabelecer contrapartidas mínimas que os impedissem de se endividar ainda mais – como, aliás, estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Da forma como tem sido conduzida, a renegociação seria apenas uma tentativa de abrir espaço no Orçamento para que os Estados ampliem seus gastos. A questão é que agora o governo criou uma armadilha para si mesmo e dificilmente conseguirá sair dessa enrascada sem ceder a Estados que nem sequer apresentam dificuldades para arcar com suas dívidas.

Sob as águas do Sena

O Estado de S. Paulo

Há um século Paris proibiu mergulhos no Sena poluído. Agora a prefeita da cidade nada no rio para provar que está limpo e apto para a Olimpíada. Quando poderemos nadar no Tietê?

Às vésperas da Olimpíada, a prefeita de Paris cumpriu a promessa de nadar no Sena para provar que o rio é limpo e seguro para provas como as de triatlo, que devem ocorrer em um dos principais símbolos da capital francesa. O mergulho de Anne Hidalgo soma-se aos de outras autoridades francesas e olímpicas e ocorre após processo longo de despoluição, com custo de quase R$ 10 bilhões. O banho no Sena está proibido desde 1923, em razão da poluição do rio, que, como tantos outros mundo afora, foi vítima do processo de urbanização desorganizada das cidades.

Agora, após a prefeita experimentar as águas, Paris pretende que, além de receber provas olímpicas, o Sena seja liberado, a partir do verão de 2025, para o mergulho dos cidadãos parisienses, o que seria um legado gigantesco para a cidade. A organização dos Jogos e o patrimônio deixado aos cidadãos têm sido tema de escrutínio global cada vez maior, uma vez que arcar com a estrutura complexa para a prática de diversos esportes, sem contar a segurança de atletas, exige investimentos vultosos e benefícios não garantidos à população. Sede dos Jogos de 92, Barcelona é comumente citada como exemplo de legado, enquanto Atenas (2004) teria ajudado a empurrar a Grécia para uma gigantesca crise financeira.

É impossível falar de legado olímpico e águas poluídas sem pensar no Rio de Janeiro. Apesar do ouro emocionante conquistado pelas atletas Martine Grael e Kahena Kunze na vela aquática, durante a realização da única edição de uma Olimpíada na América do Sul, a prometida despoluição da Baía de Guanabara entrou na lista de oportunidades perdidas.

É verdade que a morte lenta e gradual de rios, baías e canais, como a do próprio Sena, é um fenômeno generalizado, mas o caso da Baía da Guanabara mostra que o Brasil quase sempre deixa de aproveitar oportunidades, algumas de ouro, para recuperar recursos naturais.

Há décadas os dois principais rios que cortam São Paulo são um cartão-postal indesejado e impossível de esconder, veias expostas de descaso com o meio ambiente.

A despoluição do Tietê e do Pinheiros atravessa governos, consome recursos e ainda não alcançou os resultados desejados. É preciso reconhecer que houve avanço considerável no tratamento de esgoto, que o odor nauseabundo do Tietê e do Pinheiros já foi exponencialmente pior e que a ocorrência de enchentes por conta do grau de assoreamento dos dois rios parece coisa do passado. Ainda assim, o estado geral de ambos, sobretudo do Tietê, exclama que a cidade mais rica da América do Sul tem lacunas gritantes em desenvolvimento e qualidade de vida. Convém lembrar que, até os anos 30 do século passado, o Tietê recebia regularmente provas de remo e natação.

Promessas e reptos não faltam. Em 1992, o então governador paulista, Luiz Antonio Fleury Filho, lançou um programa de despoluição do Tietê garantindo que, até o final de seu mandato, beberia a água do rio. Nem todos os sucessores de Fleury foram atrevidos a esse ponto, mas todos prometeram limpar o Tietê – o atual governador, Tarcísio de Freitas, diz que o rio estará despoluído até 2026 graças a um programa de R$ 5,6 bilhões.

O caso do Tietê é um exemplo da necessidade urgente de maior coordenação entre municípios espalhados por grandes regiões metropolitanas para enfrentar questões ambientais. Sem que todos participem de um esforço concentrado de despoluição, quem estiver fazendo a lição de casa continuará sendo reprovado pelo fato de que o vizinho segue poluindo. Cada cidade polui o rio de maneira diferente, o que demanda soluções específicas. É como se, em uma prova de revezamento, enquanto um corredor dá tudo o que tem, os demais ficam parados ou correm em direções diferentes.

É realmente um feito histórico que o Sena aparentemente tenha se tornado afinal um rio balneável, no qual se pode entrar após quase um século. O prefeito de São Paulo ousaria mergulhar no Pinheiros ou no Tietê? Pelo andar dos projetos de despoluição, talvez, como os parisienses, seja preciso esperar um século. No nosso caso, mais um.

Um crescimento menos ruim

O Estado de S. Paulo

FMI melhora previsão do PIB do Brasil em 2025, mas País continua muito aquém dos emergentes

O esforço de reconstrução após as cheias no Rio Grande do Sul fez o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisar para cima a perspectiva de crescimento econômico do Brasil em 2025, de 2,1% para 2,4%. Do mesmo modo, foram também os efeitos da tragédia gaúcha sobre a economia, especialmente em relação à safra, os responsáveis pela ligeira queda prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, de 2,2% para 2,1%.

Os ajustes feitos neste mês pelo FMI nas previsões feitas em abril do relatório Perspectiva Econômica Global (WEO, na sigla em inglês) mostraram um cenário menos ruim para o Brasil. Como destaque para a economia brasileira no próximo ano, além da recuperação do Rio Grande do Sul, o aumento na produção de petróleo e derivados (hidrocarbonetos) mereceu citação dos técnicos do fundo.

Se há algo a comemorar na avaliação do FMI, são os efeitos de setores distintos que minimizaram o impacto da devastação provocada pelo desastre climático no setor agrícola, nas indústrias e na logística do Estado gaúcho. A reconstrução está ainda em fase inicial, mas, ao menos na visão dos observadores externos, tende a ser rápida e forte.

A citação específica aos hidrocarbonetos como um componente estrutural que ajudará a puxar a economia em 2025 mostra também que, em meio ao esforço global de descarbonização e à estruturação da transição energética, a produção de petróleo no País é ainda – e o será por mais algumas décadas – um fator impulsionador do crescimento. Por isso o Brasil precisa planejar de forma consciente o desenvolvimento de seus campos de petróleo.

A economia do País caminha neste ano meio passo à frente da média de seus vizinhos da América Latina e Caribe, região que deve crescer 1,9%, segundo o FMI, mas muito aquém de seus pares emergentes e em desenvolvimento que, com PIB médio de 4,3%, evidenciam a marcha lenta do crescimento brasileiro.

Em ocasião anterior, o FMI salientou que a simplificação tributária acarretará, já no período de sete anos de transição – entre 2026 e 2033 –, aumento adicional de até 0,5 ponto porcentual ao PIB por ano. Assegurar o bom andamento da reforma é hoje tão importante quanto demonstrar que é para valer o empenho para equilibrar as contas públicas, tema que foi destaque em outro documento recente do FMI. Na ocasião, técnicos do fundo calcularam que as contas do Brasil só voltarão ao azul em 2028 e que a redução da dívida depende de um esforço mais ambicioso do País.

O FMI faz uma avaliação positiva do País, elevando de 2% para 2,5% o crescimento econômico no médio prazo, resultado da resiliência no controle da inflação, como diz o relatório, com política monetária proativa “e adequadamente restritiva” e um cenário favorável de oferta e demanda. Mas está na recomendação futura o principal recado do FMI para o Brasil, quando salienta “desafios de longa data” que ainda permanecem, como a dívida pública elevada e o caminho lento em direção a um padrão de vida mais alto. Sinal de que a busca por crescimento sustentável está apenas no começo.

O parto cirúrgico e a hora do bebê

Correio Braziliense

O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de países com as maiores taxas de partos cirúrgicos: 55%. A Organização Mundial da Saúde preconiza que a proporção de cesáreas seja inferior a 15% do total de nascimentos

Um momento que deveria ser natural, pelo menos na grande maioria, tem sido antecipado, com sérios riscos à vida. Recente levantamento realizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), divulgado no periódico Health Economics, mostra que as brasileiras estão dando à luz antes da hora sem a devida recomendação. O estudo apontou que, para a "comodidade" de médicos e famílias, a antecipação dos partos cesáreos, especialmente em datas anteriores a feriados, tem sido uma constante. 

Se por um lado o adiamento de partos gera um acréscimo na idade gestacional e consequente redução na mortalidade neonatal, a antecipação pode reduzir o peso dos bebês ao nascerem, principalmente daqueles de alto risco. Segundo a coordenadora da Pediatria do Grupo Conaes Brasil, Marcelle Bonomo, antecipar partos sem indicação médica pode provocar problemas respiratórios crônicos nos bebês, além de uma série de complicações, como distúrbios de crescimento, deficiências oculares e auditivas. 

De acordo com os autores da pesquisa, Carolina Melo e Naercio Menezes Filho, a tendência é de que essa medida de encurtar propositalmente o período de gestação seja tomada por famílias com nível educacional mais alto — isto é, teoricamente são pessoas com mais condições de saberem que, agindo dessa forma, podem colocar em risco a vida de seus bebês.

O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de países com as maiores taxas de partos cirúrgicos — 55% do total de procedimentos no país —, perdendo apenas para a República Dominicana (58%), segundo dados do Ministério da Saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive, preconiza que a proporção de partos cesarianos seja inferior a 15%, o que mostra a discrepância entre o recomendável e o que ocorre na prática. 

A espera por partos vaginais, aqueles em que a gestante entra em trabalho de parto, se mostra a decisão mais acertada em termos de maturidade gestacional e sobrevivência de mãe e filho (a). Os especialistas reforçam, ainda, que a prematuridade, nesses casos, pode contribuir para o surgimento de quadros como icterícia por fígado imaturo, formação incompleta dos pulmões, dificuldade na amamentação, no ganho de peso, maior risco de infecções, podendo ocasionar até mesmo sepse neonatal e problemas neurológicos, com maior chance de internação em UTI. 

Fato é que as cesarianas no Brasil são bastante frequentes e muito acima do que prega a OMS. Em hospitais particulares do país, esse índice chega a 86%, correspondendo a 31% a mais do que a média nacional, que também é altíssima. Investimentos em ações e campanhas sobre os riscos da antecipação do nascimento do bebê sem recomendação médica podem ajudar a mudar esse quadro.

 

 

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