domingo, 26 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

IA desperta temor de bolha similar à da internet

Por O Globo

O paralelo é intrigante, mas ninguém deve ter dúvida sobre o impacto futuro na produtividade

Desde que a OpenAI lançou o ChatGPT, em 2022, o mercado acionário americano valorizou-se 75% — e as empresas cujo negócio está atrelado à inteligência artificial (IA) responderam por 80% dessa valorização. Ao mesmo tempo, a geração de empregos nos Estados Unidos caiu 30% no período (apesar de o nível de desemprego continuar baixo). Não há registro de divergência semelhante, com alta nas ações e queda na criação de postos de trabalho.

O principal fator do desaquecimento, dizem os economistas, foi a alta nos juros. As maiores perdas de postos de trabalho estão em setores como mineração ou indústria, afetados pelo choque tarifário de Donald Trump, e não nos ligados à tecnologia, constata análise do jornalista Derek Thompson. Ainda assim, o impacto da automatização não pode ser ignorado. Praticamente todas as empresas puseram a IA em seus planos, a começar pelos próprios protagonistas da revolução digital. Só a Amazon planeja substituir 500 mil empregos por robôs, segundo documentos revelados pelo New York Times. A aposta na IA tem levado à construção de gigantescos data centers, com consumo de energia galopante. “Parece haver duas economias agora — uma pujante da IA e uma sem brilho com todo o resto”, escreveu Thompson. Pelas estimativas, neste ano o PIB americano cresceria, em vez de 2%, apenas 0,6% ou mesmo 0,1%, não fossem os investimentos colossais em IA.

A situação é insólita. De um lado, espera-se que a IA provoque um salto de produtividade jamais visto, afetando atividades que vão de finanças à saúde, da educação ao agronegócio. Para atender à demanda, os investimentos projetados somam US$ 2 trilhões até 2030. De outro lado, não há modelo de negócio consolidado. Daí os temores de mais uma bolha no mercado acionário, semelhante à das empresas de internet no final dos anos 1990.

A OpenAI deverá faturar perto de US$ 13 bilhões neste ano, mas é avaliada em US$ 500 bilhões. A NVidia, que produz os chips essenciais para a IA funcionar, se tornou a empresa mais valiosa da História, avaliada em mais de US$ 4 trilhões. Há uma teia de investimentos, empréstimos e participações acionárias cruzadas ligando as duas, mais Microsoft, Oracle, Meta, Intel, AMD, xAI e outros empreiteiros da IA. Se houver dúvida sobre a capacidade do mercado de sustentar a demanda robusta que se projeta no futuro, todo o edifício desmorona.

Relatório do Instituto de Tecnologia de Massachusetts constatou que, até agora, 95% das organizações não obtiveram retorno de seus investimentos em IA. Estudo de Harvard e Stanford questiona os benefícios, afirmando que ainda falta qualidade ao conteúdo gerado. Os últimos modelos lançados pela OpenAI e pela Anthropic enfrentaram dificuldades no desempenho, afastando a meta de desenvolver sistemas com comportamento semelhante ao humano (a inteligência artificial geral, ou IAG). Some-se a isso a competição barata dos modelos chineses como o DeepSeek, e está semeada a dúvida.

O paralelo com a bolha do final dos anos 1990 é intrigante, mas também pode servir de alento. Afinal, mesmo depois das perdas quando a bolha estourou, hoje ninguém tem mais dúvida de que a internet transformou todos os negócios, multiplicou a produtividade e gerou muito mais empregos do que destruiu. Se ocorrer o mesmo com a IA, não há motivo para pânico.

Impunidade prevaleceu na tragédia do Ninho do Urubu

Por O Globo

Por falta de provas, Justiça absolveu sete acusados pelo incêndio que matou dez adolescentes em 2019

Foi frustrante a decisão da Justiça do Rio de Janeiro de absolver os sete réus acusados pelo incêndio no centro de treinamento do Flamengo, conhecido como Ninho do Urubu, que deixou dez adolescentes mortos e três feridos em 2019. Do total de 11 denunciados, quatro já haviam ficado sem punição, por rejeição da denúncia, absolvição ou prescrição. Em suma, uma tragédia sem culpados.

O incêndio, na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, chocou o país. Adolescentes de 14 a 16 anos da categoria de base rubro-negra dormiam em contêineres precários, usados como alojamentos, em Vargem Grande, na Zona Sudoeste do Rio, quando o fogo começou. Os bombeiros chegaram rapidamente, mas já encontraram a estrutura tomada pelas chamas. Treze jovens, mais perto da saída, conseguiram escapar. O alojamento só tinha uma porta, e as janelas eram protegidas por grades. Nove das dez vítimas foram encontradas carbonizadas. Segundo as investigações, o fogo teve origem em curto-circuito num aparelho de ar-condicionado ligado 24 horas por dia. As chamas se alastraram rapidamente devido ao material inflamável usado na produção dos contêineres.

Os réus respondiam pelos crimes de incêndio culposo qualificado com dez mortes e lesão corporal grave em três vítimas. O juiz Tiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal da Capital, disse não haver “demonstração de culpa penalmente relevante” e alegou “impossibilidade de estabelecer um nexo causal seguro entre as condutas individuais e a ignição”. Afirmou ainda que a investigação da Polícia Civil e a denúncia do Ministério Público não foram suficientes para indicar a autoria e apontar indícios de crime para condenação. Segundo ele, o MP formulou a denúncia de forma genérica e contraditória.

Independentemente de quem tenha razão, é lamentável que num caso de tamanha repercussão não se tenham reunido provas robustas para apontar responsabilidades. Aqueles adolescentes que sonhavam ser jogadores de futebol estavam sob os cuidados do Flamengo. São os únicos inocentes. O alojamento era na verdade uma arapuca. A instalação era provisória e, segundo informou na época a Prefeitura do Rio, não tinha sequer alvará de funcionamento. As famílias foram indenizadas, mas isso é o mínimo a que têm direito. Não repara a dor.

O incêndio se junta a outras tragédias nacionais que expõem o desleixo com a vida humana e o desprezo pelas normas básicas de prevenção e segurança. É o caso do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), onde morreram 242 jovens em 2013. Fogos de artifício foram disparados num ambiente revestido com material altamente inflamável e tóxico. Não havia rotas de fuga sinalizadas, e as saídas estavam obstruídas. Diferentemente desse caso, em que acusados foram identificados e sentenciados, a tragédia do Ninho permanece impune, impondo às famílias das vítimas um segundo luto. A impunidade não educa. Só estimula que novos crimes façam novas vítimas.

Uma eleição decisiva para Milei

Por Folha de S. Paulo

Pleito legislativo definirá chances de prosseguimento das reformas econômicas do mandatário argentino

A inflação foi dos 211% de 2023 a 118% em 2024, e deve chegar perto de 30% em 2025; será desastroso desperdiçar sacrifícios feitos até aqui

Argentina escolhe neste domingo (25) quem vai passar a ocupar quase metade das cadeiras da Câmara dos Deputados e um terço das vagas do Senado. Decide também se Javier Milei terá condições de renovar seu governo, de implementar as reformas da economia e do Estado que prometeu ou de, pelo menos, evitar uma nova convulsão social em seu país.

Milei chega à eleição enfraquecido. A avaliação de seu governo é a mais baixa desde a posse, em dezembro de 2023; menor do que a de seu aliado e ex-presidente Maurício Macri (2015-2019) à mesma altura do mandato.

Em setembro, o governo foi derrotado na eleição regional da província de Buenos Aires, que não inclui a capital, mas conta com 37% do eleitorado, de pendor peronista. Escândalos abateram o prestígio de um político que critica a "casta" dominante.

O primeiro ano de Milei foi o segundo seguido de recessão, com queda de 1,7% do PIB. Em 2024, o presidente cortou mais de um quarto do gasto federal, contendo benefícios previdenciários, salários de servidores, obras públicas, transferências a províncias e subsídios. A renda no setor privado caiu, a pobreza aumentou. A maioria aceitou o sacrifício.

A economia sairá do fundo do poço neste ano, mas o crescimento estancou nos últimos quatro meses. A inflação baixou dos 211% de 2023 para 118% em 2024, e deve chegar perto de 30% em 2025. Mas o arranjo para conter os preços, o câmbio administrado, foi ameaçado pelo abalo político.

O peso supervalorizado prejudica o saldo comercial; o temor de desvalorização súbita limita a entrada de capital, necessário para que a Argentina pague sua dívida. A intervenção patrocinada pelo aliado Donald Trump, com oferta de crédito e compra de pesos, e a alta brutal de juros evitaram o colapso da moeda.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e os Estados Unidos cobram de Milei uma liberação organizada do câmbio.

A fim de manter um mínimo de confiança no projeto de mudança, o partido de Milei, A Liberdade Avança (LLA), e seu aliado em parte incerto, o PRO, de Macri, teriam de conquistar um terço dos votos em cada casa do Congresso, bastantes para manter vetos presidenciais —eles ora têm 31% da Câmara.

No primeiro turno da eleição de 2023, Milei teve 30% dos votos. Votação abaixo desse piso agora terá efeito crítico. Ainda que obtenha ao menos o terço do Congresso, o presidente argentino ainda não terá poder de iniciativa legislativa para levar adiante a imensidão de reformas.

A Casa Rosada teria, pois, de negociar alianças, controlando sua atual prepotência. Mesmo agredindo o mundo político, o mandatário que se diz libertário já conseguiu apoios circunstanciais no Congresso para suas reformas. Será desastroso desperdiçar todos os sacrifícios feitos até aqui pelos argentinos para recuperar uma economia devastada pelo populismo peronista.

Tributo a Herzog reaviva sentido de repulsa ao arbítrio

Por Folha de S. Paulo

Ato em memória do jornalista assassinado não tem a premência de 50 anos atrás, mas ainda é necessário

Apesar de todos os horrores praticados pela ditadura militar, há no país quem defenda o autoritarismo e faça apologia da tortura

Separados por 50 anos, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog e o ato realizado em sua homenagem neste sábado (25), em São Paulo, encontraram dois Brasis muito diferentes nos mais diversos aspectos, a começar do regime político. Em 1975, a ditadura militar; em 2025, a democracia consolidada

E, mesmo assim, o tributo a Vlado, como Herzog era conhecido, não se limita ao caráter memorial. É inevitável que se converta também em alerta —pois, apesar de todos os horrores praticados deliberadamente pelo governo de exceção, ainda há no país quem defenda o autoritarismo e faça apologia da tortura.

Herzog sofreu com as duas facetas tenebrosas da ditadura. Ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), o então diretor da TV Cultura dirigiu-se de forma espontânea à sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna), o principal antro de repressão da época.

É uma praxe dos regimes de força: restringem-se os direitos civis como um todo, e as liberdades políticas em particular. No Brasil, grupos no campo da oposição, especialmente de esquerda, sofriam perseguições sistemáticas, com a censura e a prisão de seus quadros —mesmo no caso de uma organização contrária à luta armada, como o PCB.

O autoritarismo, além disso, despreza qualquer rito judicial que possa conter sua sanha persecutória. Vão às favas os escrúpulos e, com eles, os direitos humanos. Tomam seu lugar o arbítrio e a violência contra qualquer um que seja visto como inimigo.

Dentro da lógica primitiva de uma ditadura militar, todo crítico do regime é um inimigo. Vlado combatia o governo de exceção.

O desfecho desse silogismo se deu em 25 de outubro de 1975, quando o DOI-Codi submeteu Herzog a sessões de tortura que provocaram sua morte. Coroando a própria infâmia, a repressão apresentou o caso como suicídio.

O episódio ensejou diversas contestações públicas, e uma delas tomou a forma de missa ecumênica na Catedral da Sé, no centro da capital paulista. O arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor presbiteriano Jaime Wright celebraram uma das cerimônias mais marcantes da época.

Cinco décadas depois, o atual arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, o rabino Uri Lam, da Congregação Israelita Beth-El, e a pastora presbiteriana Anita Wright, filha de Jaime, recriaram o ato inter-religioso e seu sentido de repulsa ao arbítrio. Sem a mesma premência de então, mas nem por isso menos necessário.

O Supremo cria o crime de ‘desinformação’

Por O Estado de S. Paulo

Ao tipificar a ‘propagação de mentiras’, o STF ultrapassa o limite entre julgar e legislar. Nenhuma democracia sobrevive quando a opinião depende de sentenças e licenças

O Supremo Tribunal Federal (STF) transformou o julgamento do “núcleo da desinformação” da trama golpista em algo maior do que o destino de sete réus. Converteu-o num marco simbólico da sua própria mutação: o tribunal que nasceu para guardar a Constituição agora a reescreve, dia após dia, em sentenças que confundem convicção moral com norma jurídica. Em nome da defesa da democracia, o STF a desgasta por dentro. A criação do crime de “desinformação” foi apenas a mais recente das iniciativas do STF estranhas ao Estado Democrático de Direito.

Ao tipificar a “propagação de mentiras”, o Supremo substituiu o Congresso e violou o princípio da legalidade – segundo o qual ninguém pode ser punido por crime não previsto em lei. “Todos os que insistem em desinformação”, ameaçou Alexandre de Moraes, “devem saber, ficar atentos já com esse precedente do STF”. A Constituição, que deveria ser um aparato para conter o arbítrio, passou a ser manipulada como um instrumento para praticá-lo. A Corte, ao invés de julgar conforme as leis, passou a produzi-las ao sabor de humores políticos.

O Direito Penal tornou-se um produto da ocasião nas mãos do Supremo. O ministro Flávio Dino, por exemplo, equiparou fake news a “violência gravíssima”, com efeitos “semelhantes a uma facada ou a um tiro”. Moraes afirma que “atacar” a Justiça Eleitoral “é crime tipificado”, sem indicar o artigo. Enquanto presidia a Corte, o agora ex-ministro Luís Roberto Barroso afirmava que “no Brasil não existe censura”, enquanto cidadãos eram intimidados e veículos de imprensa, calados. A retórica da virtude virou salvo-conduto para o arbítrio.

O julgamento do “núcleo da desinformação” não é um ponto fora da curva: é o ápice de uma escalada. Desde 2019, quando o STF instaurou o interminável inquérito das fake news, a Corte vem acumulando poderes sem controle. Primeiro veio a censura à revista Crusoé, depois seguiram-se – de motu proprio – as prisões preventivas, os bloqueios de contas, as remoções sumárias de postagens. A imunidade parlamentar virou letra morta. Em 2024, o Supremo bloqueou a rede X e ameaçou todos os brasileiros com multas caso a acessassem. Em 2025, reescreveu o Marco Civil da Internet, impondo às plataformas o “dever de cuidado”: a censura virou política pública, terceirizada à iniciativa privada. Agora, com o crime de “desinformação”, o círculo se fecha – a crítica passou a ser matéria penal.

A metástase já se espalha. O exemplo vem de cima, e os “guardas da esquina” aprenderam depressa. O humorista Léo Lins foi condenado por contar piadas. Uma magistrada do Rio de Janeiro ordenou a supressão de reportagem de O Antagonista que expunha informações sobre um colega que rejeitou um pedido de prisão preventiva de um criminoso reincidente. No Rio Grande do Sul, a jornalista Rosane de Oliveira foi condenada a pagar R$ 600 mil por divulgar dados públicos sobre o salário de uma desembargadora. A toga, que deveria simbolizar a prudência, virou farda de patrulha moral e blindagem corporativista.

Os ministros parecem imunes ao espelho. Cármen Lúcia, que em 2015 proclamou orgulhosamente que “o cala-boca já morreu”, justificou em 2022 a censura a um documentário como “situação excepcionalíssima”. Moraes cria, investiga e julga os crimes que lhe vêm à cabeça; Flávio Dino transforma a indignação em hermenêutica jurídica.

Ao definir o que pode ou não pode ser dito, o STF assume o poder mais tentador e perigoso de todos: o poder de calar. Nenhuma democracia sobrevive quando a opinião depende de sentenças e licenças, e nenhum cidadão é livre quando o medo se torna a gramática do debate público. A autocensura é a mordaça mais eficiente – e a mais covarde.

A ofensiva do STF contra a liberdade de expressão pode não ter se dado pela via da violência, mas decisões judiciais, convicções pessoais e a crença de que preservar a democracia justificaria restringi-la não são menos prejudiciais ao Estado Democrático de Direito. O tribunal que se proclama guardião da liberdade é hoje seu algoz mais ativo – e, como todo poder que se imagina virtuoso, não percebe que já se tornou o oposto do que dizia defender.

A Hugo Motta só resta o oportunismo

Por O Estado de S. Paulo

Sem liderança sobre seus pares e a reboque de forças políticas que o excedem em habilidade e influência, presidente da Câmara tenta compensar seu amadorismo com gestos oportunistas

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), é um deputado aquém do alto cargo que ocupa na República. Sem liderança sobre os pares e a reboque de forças políticas que o excedem em habilidade e influência, o sr. Motta parece querer compensar o amadorismo com gestos claramente oportunistas. O mais recente deles foi a aprovação do regime de urgência, previamente anunciado em suas redes sociais, para um projeto de lei que proíbe as companhias aéreas de cobrarem pelo transporte de bagagens de mão em voos nacionais e internacionais, iniciativa demagógica e, ademais, desprovida de urgência real.

Para começar, a Câmara e Motta, em particular, afrontam o princípio constitucional da liberdade econômica. Se as companhias aéreas quiserem oferecer tarifas diferenciadas para seus clientes, com ou sem bagagem de mão incluída, é a livre concorrência que há de definir o que sobrevive no mercado, não a demagogia de um deputado em busca de uma agenda supostamente positiva. O presidente da Câmara, como é notório, está à procura de uma pauta que não apenas reverta a crise de imagem que se abateu sobre a Casa, como sublime as humilhações a que Motta, pessoalmente, tem sido submetido.

Não se trata apenas de populismo econômico. A pressa de Motta em anunciar mais uma iniciativa “popular” é sintoma de um problema mais amplo: sua debilidade política. Por mais boa vontade que tenha, nenhum observador sério da vida política nacional pode enxergar nele um presidente à altura da Câmara, sobretudo nestes tempos desafiadores. Motta é uma peça acessória num tabuleiro dominado por figuras muito mais experientes e poderosas, como o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), para citar apenas os dois fiadores de sua presidência.

Motta sentou-se na cadeira de Ulysses Guimarães como resultado de um arranjo entre forças do governo e da oposição movidas por interesses distintos que ele claramente não consegue mediar. Desde então, tem se comportado como um títere, sem autoridade para arbitrar conflitos nem tampouco para impor ordem aos trabalhos legislativos, como ficou evidente no lamentável episódio em que deputados bolsonaristas sequestraram a Mesa Diretora para impor a votação do projeto de anistia “ampla, geral e irrestrita” aos golpistas – o ex-presidente Jair Bolsonaro à frente.

Para piorar, quando finalmente retomou a cadeira, Motta nada fez para punir exemplarmente os deputados insurgentes, talvez porque não pudesse, em mais uma humilhação. A despeito da gravidade do caso, o Conselho de Ética da Câmara limitou-se a propor a suspensão do mandato de três deputados de menor expressão e a advertência a outros poucos.

Diante dessa sequência de vexames, o presidente da Câmara tenta agora “virar a página” e reconstruir sua imagem com gestos que soem simpáticos ao eleitorado, mas que nada têm de republicanos. A pauta da mala de mão “gratuita” é só o mais recente exemplo. Antes disso, Motta foi conivente com a aprovação da PEC da Blindagem, concebida para proteger parlamentares de investigações e punições judiciais. Também foi tíbio ao não acabar de vez com as pressões pela aprovação da anistia. E, quando confrontado com os escândalos de desvio de emendas parlamentares, preferiu o silêncio corporativista diante de um abuso real à transparência e ao espírito público exigidos de quem está na sua posição.

A complacência com que a Câmara, tradicionalmente, trata deputados que quebraram o decoro parlamentar e a engenharia antirrepublicana cada vez mais sofisticada para apor emendas ao Orçamento da União sem os devidos controles e transparência completam o quadro de degradação institucional da Casa. E tudo isso ocorre sob o beneplácito de Hugo Motta, que assiste a essa erosão moral como se fosse um espectador isento, não sua autoridade maior.

Enquanto Motta se ocupa em conquistar aplausos fáceis, a Câmara continua a se desmoralizar. A democracia representativa só perde quando suas instituições são comandadas por quem não tem estatura política para defendê-las.

O fim de uma arbitrariedade

Por O Estado de S. Paulo

STF defende a Constituição ao proibir Justiça do Trabalho de condenar sem ouvir a defesa

O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a cobrança de uma condenação trabalhista de uma empresa que não tenha participado de toda a tramitação do processo na Justiça do Trabalho. Na prática, uma empresa, mesmo que integre o grupo econômico de uma outra que tenha sido condenada numa ação trabalhista, não terá de pagar pela indenização a um trabalhador na fase de execução, que é etapa final do processo, haja vista que não foi incluída como parte desde a fase de conhecimento, a etapa inicial. Com isso, os ministros afirmaram o óbvio aos seus colegas de toga da Justiça do Trabalho: existem princípios constitucionais vigentes neste país.

No caso concreto, uma concessionária de rodovias recorreu de uma decisão que a incluíra na fase de execução de um processo trabalhista para arcar com uma indenização imposta contra uma destilaria. A concessionária alegou que não havia participado da fase de conhecimento, que é quando a reclamada pode se defender de uma acusação. A empresa, acertadamente, argumentou que houve uma evidente violação do devido processo legal. Essa arbitrariedade é que estava em discussão no recurso extraordinário com repercussão geral que foi julgado recentemente pelo STF.

Durante esse julgamento, os ministros constataram que não só o devido processo legal fora violado. Não menos importante, houve também afronta ao direito de ampla defesa e do contraditório. Isso porque a concessionária, ao não ser chamada para participar do processo, não pôde apresentar a sua defesa nem pôde contraditar tudo o que lhe fora imputado pelo trabalhador. Como afirmou o relator, o ministro Dias Toffoli, tudo isso conduz “à insegurança jurídica e ao descrédito nas leis, no Direito e no Poder Judiciário”.

Os ministros decidiram por nove votos a dois que essa medida da Justiça do Trabalho é inconstitucional, proibindo que se pratique esse ato contra qualquer empresa em todo o País. Votaram de modo divergente apenas os ministros Edson Fachin, o que não surpreende em razão de sua reiterada postura pró-Justiça do Trabalho, e Alexandre de Moraes, que, embora apresente votos mais liberais em temas empresariais e trabalhistas, parece ter mantido a coerência com a sua polêmica decisão em relação à Starlink e ao X, do bilionário Elon Musk, quando misturou as pessoas jurídicas das duas empresas para obrigar o cumprimento de uma sentença.

Agora, de acordo com o entendimento dos ministros do STF, até há exceções, mas toda alegação contra uma empresa terá de ser devidamente fundamentada para que se possa obrigar essa companhia a arcar com uma condenação imposta a uma outra. Isso poderá ocorrer quando houver sucessão empresarial – ou seja, quando uma empresa assume as atividades de outra – ou quando houver abuso de personalidade jurídica, isto é, quando há ilegalidades cometidas por sócios. Como regra, a decisão do STF pôs fim à instabilidade patrocinada pela Justiça do Trabalho. E, ao restituir a ordem constitucional para evitar excessos dessa envergadura, a Corte promoveu a pacificação social, com o estímulo a um ambiente de negócios mais seguro.

O alerta da Terra do Meio

Por Correio Braziliense

Enquanto o Brasil oficial promove reuniões de cúpula como a Rio+20 e a COP30, o Brasil real avança sobre reservas indígenas e dificulta a subsistência da população ribeirinha

Em dezembro de 1861, o imortal Machado de Assis formulou um dos pensamentos mais conhecidos sobre o Brasil. Em crônica publicada na imprensa carioca, o Bruxo do Cosme Velho distinguia: "O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco". Era a constatação do contraste reinante em uma nação onde os poderosos decidem os rumos do país em um debate medíocre, enquanto a massa de brasileiros busca tão somente uma sobrevivência digna.   

Série de reportagens sobre a Terra do Meio, publicada em quatro edições do Correio durante a semana, mostra como as políticas de preservação ambiental e respeito aos povos indígenas são uma luta inglória. Enquanto o Brasil oficial promove reuniões de cúpula, como a Rio 20 e a COP30, o Brasil real avança sobre reservas indígenas, aniquila a subsistência de etnias, dificulta a subsistência da população ribeirinha e põe em xeque o papel do Ministério dos Povos Indígenas e da Funai.

O brilhante trabalho assinado por Cristina Ávila, repórter com mais de 45 anos de serviços prestados ao jornalismo, registra de forma crua como as melhores intenções firmadas por meio de acordos em gabinetes se reduzem a pó quando falta a execução de políticas públicas. O caso da Terra do Meio é cristalino. Localizada no sudoeste do Pará, a região se tornaria um projeto sustentável que preservaria 11 unidades de conservação e 15 Terras Indígenas (TI), em uma área maior do que o estado do Paraná. Atualmente é administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mas enfrenta uma infinidade de problemas.  

O acordo entre Brasil e União Europeia foi formalizado em 2012, com a liberação de 10,7 milhões de euros. Mas a iniciativa jamais saiu do papel. Testemunha da assinatura dos termos que serviriam de lastro para o projeto ambiental da Terra do Meio, Cristina Ávila retornou à imensidão amazônica paraense em cinco ocasiões, entre 2022 e 2025. Em duas dessas viagens, de forma totalmente independente, dirigiu seu Fiat Uno, batizado de "Niño". Na bagagem, alguns mantimentos e equipamentos básicos. No espírito, a determinação de retratar a urgência de impedir a destruição em curso na Amazônia. 

Prevista para se tornar um projeto ambiental bem-sucedido, a Terra do Meio tornou-se uma mostra das mazelas acumuladas na Amazônia. Os textos de Cristina Ávila relatam o avanço de invasores em Terras Indígenas, as constantes violências sofridas pelo povo Arara, o aumento do desmatamento na reserva Cachoeira Seca, as condições extremas enfrentadas pelos ribeirinhos. "A gente pisa em terra rica e está na extrema pobreza. Aqui ninguém tem a dignidade de um banheiro nem água potável pra beber", relata Chiquinha Lima, 43 anos, nascida e criada na Estação Ecológica da Terra do Meio.

Esse Brasil real, violento e destrutivo precisa ser contido pelas autoridades que têm compromisso com uma Amazônia próspera e sustentável. A 15 dias da COP30, o Brasil oficial precisa convencer o mundo da urgência de se tomarem medidas para interromper o câncer que avança na Amazônia por meio do crime organizado, do garimpo ilegal, da perpetuação da pobreza e da violência contra os povos indígenas. A Cúpula de Belém é uma oportunidade excepcional de dar mais visibilidade internacional às ações emergenciais que precisam ser tomadas na maior floresta tropical do mundo. Mas, como mostra a série de reportagens sobre a Terra do Meio, o Brasil também precisa implementar políticas públicas que atendam, principalmente, aqueles que não têm força política em Brasília e estão sob o jugo de lobby de poderosos ou da ação bruta do crime.

Por eleições tranquilas em Santa Quitéria

Por O Povo (CE)

Não à toa o plenário do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) aprovou o pedido da 4ª Zona Eleitoral de Santa Quitéria para envio de forças federais durante as eleições suplementares, marcadas para este domingo, 26 de outubro. A 4ª Zona Eleitoral alegou que a presença das forças federais é necessária devido à atuação de organizações criminosas no município.

O impasse político que vive Santa Quitéria deve ter mais um desdobramento neste domingo com a realização de novas eleições. O pleito ocorre devido à cassação, pelo TRE-CE, dos mandatos do prefeito José Braga Barrozo, o Braguinha (PSB), reeleito em 2024, e do vice-prefeito Francisco Gardel Mesquita Ribeiro. Os dois foram acusados de abuso de poder político e econômico e de ter recebido apoio de facção criminosa nas eleições. Braguinha foi preso antes da posse. Após período em prisão preventiva, passou a cumprir prisão domiciliar em Fortaleza.

As investigações ocorrem no âmbito da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público do Ceará (MPCE). A suspeita é de envolvimento com uma facção criminosa, que teria coagido eleitores, candidatos e funcionários da Justiça Eleitoral no pleito de 2024.

O TRE-CE cassou o mandato de Braguinha e de seu vice. O município de Santa Quitéria é atualmente administrado de forma interina por Joel Barroso (PSB), que é filho do prefeito cassado, presidente da Câmara de Vereadores e um dos candidatos à Prefeitura.

Entre os episódios citados no processo, está a entrega de um carro modelo Mitsubishi Eclipse Cross, no Rio de Janeiro (RJ), por parte de servidores municipais a um traficante, que seria chefe da organização criminosa em municípios da Região Norte no Estado.

Assim, na votação deste domingo, o eleitorado de Santa Quitéria escolherá entre três concorrentes ao cargo de prefeito: Candida Maria Pessoa (União Brasil), que tem como candidato a vice-prefeito Rafael Vaz (MDB); Joel Barroso (PSB), que tem como vice Francisco das Chagas Paiva (PSB); e Ligia Maria Benevinuto (PT), cuja candidata a vice é Rayana Bendor (PT). Os três são veteranos na política local.

A Justiça Eleitoral prevê casos específicos que levam à realização de novas eleições. Ao tempo em que se lamenta que um caso desses chegue ao extremo de novo pleito, como ocorre em Santa Quitéria, louva-se que a democracia seja respeitada. Com o afastamento dos gestores, a partir de uma decisão judicial, convocar e realizar novas eleições são atos de cidadania. O voto se torna, assim, uma das principais formas de protesto e reivindicação que a população pode fazer.

Diante de todo o cenário, prevê-se um dia de tensão durante as eleições em Santa Quitéria. Que o envio de militares para atuar na segurança do pleito, aprovado pelo Governo Federal, junto com as forças de segurança do Estado, consiga contribuir para promover uma eleição tranquila. O exercício da cidadania não deve ser perturbado por outras instâncias. Espera-se que a decisão da população seja tomada tão somente pela preocupação quanto ao comprometimento do candidato com as necessidades do povo. 

 



 

 

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