Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O Brasil só terá novamente altas taxas de crescimento econômico quando voltar a administrar taxas de câmbio
O "VALOR Econômico" do último dia 11 informava em sua manchete de primeira página que a indústria automobilística vive sua "3ª onda de investimentos", enquanto no mesmo dia esta Folha" anunciava que "queda na exportação segura retomada das montadoras" e completava: a retração acumulada das exportações do setor neste ano é de 12,9%.
As duas notícias são contraditórias. Por que as empresas planejariam grandes investimentos se suas exportações estão em queda? E se uma das causas dessa queda for a apreciação do câmbio que está ocorrendo? Para que a expansão projetada seja voltada principalmente para atender o mercado interno, poderiam me responder. Mas, ainda que a indústria automobilística seja um dos poucos setores protegidos, a apreciação cambial abre o mercado interno para as importações.
Só vejo uma explicação para a contradição. Os planos de investimento provavelmente existem, mas foram formulados no quadro de outra taxa de câmbio -daquela taxa que se definiu após o crash de outubro de 2008. Planos de investimento tomam tempo para serem formulados e mais ainda para serem implementados. Não me surpreenderá, portanto, que uma boa parte desses projetos seja abandonada ou adiada em vista da nova taxa de câmbio.
O presidente Lula, porém, não parece disposto a enfrentar o problema. Nesta mesma Folha, Kennedy Alencar informa que, "apesar de preocupado com o efeito negativo da valorização do real sobre as exportações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descarta intervenção no sistema de câmbio flutuante". Como explicar esse fato? Só vejo duas respostas: primeiro, o presidente Lula está satisfeito com o desempenho da economia brasileira e não se dispõe a tomar medidas mais fortes no setor; segundo, o presidente ainda não se deu conta da gravidade do problema cambial brasileiro; supõe que a sobreapreciação que está novamente se manifestando seja conjuntural -relacionada com a taxa de juros elevada- quando ela é estrutural.
Acho que o presidente se satisfaz com pouco, mas compreendo sua satisfação. Ela reflete o contentamento dos brasileiros, que, depois de 14 anos de alta inflação e baixo crescimento, entenderam que baixa inflação e um crescimento um pouco melhor sejam o melhor que podemos esperar. "Se meus eleitores estão satisfeitos, por que vou eu intervir no mercado?", deve pensar. Respeito o gênio político do presidente, mas o fato real é que essa taxa de câmbio é incompatível com o desenvolvimento econômico brasileiro. Já era antes da crise, mas era então provisoriamente compensada pelo aumento do mercado interno causado por suas medidas distributivas (Bolsa Família e elevação do salário mínimo).
Não existe, entretanto, mais espaço nessa área. E o câmbio está novamente seguindo sua tendência estrutural à sobreapreciação.
Essa tendência à sobreapreciação tem duas causas fundamentais: a doença holandesa moderada mas real existente no Brasil e a atração que os capitais externos têm pelas taxas de lucro e de juros mais elevadas existentes no país. Por isso não é possível deixar a taxa de câmbio por conta do mercado. Este não a torna apenas volátil, como todos os economistas reconhecem, mas essa volatilidade tem uma tendência para a sobreapreciação que resulta, no curto prazo, em diminuição das oportunidades de investimento e, no médio prazo, em crise de balanço de pagamentos. O Brasil só alcançou altas taxas de crescimento enquanto administrava sua taxa de câmbio. Só voltará a alcançá-las quando voltar a fazê-lo.
Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O Brasil só terá novamente altas taxas de crescimento econômico quando voltar a administrar taxas de câmbio
O "VALOR Econômico" do último dia 11 informava em sua manchete de primeira página que a indústria automobilística vive sua "3ª onda de investimentos", enquanto no mesmo dia esta Folha" anunciava que "queda na exportação segura retomada das montadoras" e completava: a retração acumulada das exportações do setor neste ano é de 12,9%.
As duas notícias são contraditórias. Por que as empresas planejariam grandes investimentos se suas exportações estão em queda? E se uma das causas dessa queda for a apreciação do câmbio que está ocorrendo? Para que a expansão projetada seja voltada principalmente para atender o mercado interno, poderiam me responder. Mas, ainda que a indústria automobilística seja um dos poucos setores protegidos, a apreciação cambial abre o mercado interno para as importações.
Só vejo uma explicação para a contradição. Os planos de investimento provavelmente existem, mas foram formulados no quadro de outra taxa de câmbio -daquela taxa que se definiu após o crash de outubro de 2008. Planos de investimento tomam tempo para serem formulados e mais ainda para serem implementados. Não me surpreenderá, portanto, que uma boa parte desses projetos seja abandonada ou adiada em vista da nova taxa de câmbio.
O presidente Lula, porém, não parece disposto a enfrentar o problema. Nesta mesma Folha, Kennedy Alencar informa que, "apesar de preocupado com o efeito negativo da valorização do real sobre as exportações, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descarta intervenção no sistema de câmbio flutuante". Como explicar esse fato? Só vejo duas respostas: primeiro, o presidente Lula está satisfeito com o desempenho da economia brasileira e não se dispõe a tomar medidas mais fortes no setor; segundo, o presidente ainda não se deu conta da gravidade do problema cambial brasileiro; supõe que a sobreapreciação que está novamente se manifestando seja conjuntural -relacionada com a taxa de juros elevada- quando ela é estrutural.
Acho que o presidente se satisfaz com pouco, mas compreendo sua satisfação. Ela reflete o contentamento dos brasileiros, que, depois de 14 anos de alta inflação e baixo crescimento, entenderam que baixa inflação e um crescimento um pouco melhor sejam o melhor que podemos esperar. "Se meus eleitores estão satisfeitos, por que vou eu intervir no mercado?", deve pensar. Respeito o gênio político do presidente, mas o fato real é que essa taxa de câmbio é incompatível com o desenvolvimento econômico brasileiro. Já era antes da crise, mas era então provisoriamente compensada pelo aumento do mercado interno causado por suas medidas distributivas (Bolsa Família e elevação do salário mínimo).
Não existe, entretanto, mais espaço nessa área. E o câmbio está novamente seguindo sua tendência estrutural à sobreapreciação.
Essa tendência à sobreapreciação tem duas causas fundamentais: a doença holandesa moderada mas real existente no Brasil e a atração que os capitais externos têm pelas taxas de lucro e de juros mais elevadas existentes no país. Por isso não é possível deixar a taxa de câmbio por conta do mercado. Este não a torna apenas volátil, como todos os economistas reconhecem, mas essa volatilidade tem uma tendência para a sobreapreciação que resulta, no curto prazo, em diminuição das oportunidades de investimento e, no médio prazo, em crise de balanço de pagamentos. O Brasil só alcançou altas taxas de crescimento enquanto administrava sua taxa de câmbio. Só voltará a alcançá-las quando voltar a fazê-lo.
Luiz Carlos Bresser-Pereira , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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