quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O aparelho estatal está sendo ocupado por grupos partidários'

Flávio Freire e Soraya Aggege
DEU EM O GLOBO

Especialistas temem que clima eleitoral prejudique rotina do governo

SÃO PAULO. A participação direta de membros do governo no processo eleitoral antecipado prejudica o funcionamento da administração pública.

A avaliação é do cientista político Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado da USP e da Unicamp: — A burocracia estatal atinge índices mais elevados de racionalidade quanto mais distante estiver de interesses personalísticos e político-partidários.

Segundo o cientista, as democracias anglo-saxônicas são as que mais se aproximam do ideal da separação do público e do privado. O mesmo quadro não se repete em países latinos: — Nos países latinos de formação católica, que são mais burocráticos e menos desenvolvidos, o Estado é quase sempre ocupado por partidos que nada mais são do que expressão de grupos familiares e clientelísticos.

Não é por acaso que a democracia, nesses países, funciona de modo precário.

Ainda segundo ele, no Brasil, a prática da colonização do Estado por interesses privados ou por grupos econômicos sempre existiu em nossa História, especialmente no período de participação política limitada: — A diferença, agora, é que o aparelho estatal está sendo ocupado principalmente por grupos partidários, capitaneados pelo PT.

O historiador Marco Antonio Villa, da UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos), considera que até março o Brasil terá um governo mais voltado para os interesses eleitoreiros que os de gestão, principalmente diante das últimas filiações e das manifestações de intenções eleitorais do presidente do Banco Central (Henrique Meirelles) e dos ministros (Celso Amorim, Tarso Genro, Fernando Haddad e a própria Dilma Rousseff): — O governo Lula tem feito várias inovações, e essa é uma delas: essa correria dos membros do governo acabará interferindo na atividade do governo.

Isso com certeza causa prejuízos à rotina administrativa. Eu acho isso muito negativo.

Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp, diz que recomenda prudência ao presidente do Banco Central, Henrique Meireles, e ao ministro das Relações Exteriores, chanceler Celso Amorim, que se filiaram, respectivamente, ao PMDB e PT. Para ele, quanto mais alto o posto na escala do Estado, mais cuidado as autoridades devem ter nas relações com o Executivo.

— Essas pessoas destilarão desconfiança no Estado, afinal, a carga de assuntos sigilosos e importantes tanto do Itamaraty quanto do Banco Central é altíssima — avalia Romano, para quem qualquer risco à democracia é dissolvido com a conduta discreta dessas autoridades.

O professor de Ética da Universidade de Brasília (UNB) Ubirajara Calmon Carvalho chamou a atenção para o cuidado que as autoridades devem ter para “não misturar os campos”, mas ponderou que todo cidadão tem o direito amplo de tomar suas decisões políticas.

— A filiação política é facultada às autoridades. O errado não é pertencer politicamente a um partido, mas se corromper eticamente — avaliou ele, argumentando que falta no país um acompanhamento mais rígido sobre os que exercem cargos públicos.

O cientista político Fábio Wanderley Reis, da UFMG, acha que é muito difícil estabelecer o limite entre o eleitoral e o eleitoreiro.

Ele não vê problemas nas filiações e acha que, em tese, governar é fazer campanha.

— Mas há o risco de conflito de interesse.

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