domingo, 15 de novembro de 2009

Merval Pereira:: E a cigana se enganou...

DEU EM O GLOBO

A primeira eleição a gente nunca esquece, especialmente a de 1989, que tinha várias particularidades para mim: naquela que era a primeira eleição direta para presidente, seria a primeira vez em que votaria, pois quando fiz 18 anos estávamos em plena ditadura militar; era editor-chefe do GLOBO e, por uma coincidência dessas que não acontecem todos os dias, um dos candidatos a presidente, Fernando Collor, havia sido meu colega de colégio. E ainda havia uma história familiar curiosa. Minha mãe, grávida, passava férias em Caxambu, uma estação de águas em Minas muito em moda naquela época, 1949, quando uma cigana leu sua mão e decretou: seu filho vai ser presidente da República.

A cigana estava certa, só que com o radar um tanto desfocado. Acontece que ao lado de minha mãe estava uma amiga, Leda Collor de Mello, também grávida daquele que seria o trigésimo segundo presidente da República do Brasil.

Depois de cursarmos juntos o ginásio no Colégio São Vicente de Paula, no Rio, aonde chegamos a fazer juntos um jornalzinho, nos separamos, Collor foi para Brasília e eu fiquei no Rio.

Muitos anos depois, voltamos a nos cruzar em Brasília, para onde fui trabalhando no GLOBO como repórter, e ele era deputado federal, mas não tivemos muito contato.

Quando o então governador de Alagoas começou a despontar como o “caçador de marajás”, e depois possível candidato a presidente, comecei a me interessar de longe pela atuação daquele ex-colega.

Com a aproximação da campanha eleitoral, o contato foi restabelecido, e um dia combinamos um almoço no Rio. Me lembro bem, foi no antigo Hotel Méridien, em Copacabana.

Collor acabara de ser muito aplaudido no desfile das escolas de samba, transformandose num fato político relevante.

Eu ainda disse a ele: “Você não vai ser candidato a presidente nada, quer mesmo é ser vice de alguém”.

Ele me pareceu sincero quando respondeu: “Vou ser candidato e vou ganhar a eleição. Em todo lugar que eu vou é a mesma coisa, as pessoas querem que eu seja candidato”.

Como se tivesse combinado, de repente uma senhora abordou-o na mesa para pedir que continuasse daquela maneira, que se tornasse presidente para dar um jeito no país. Era de fato um fenômeno eleitoral.

No decorrer da campanha, porém, fomos nos afastando gradualmente, ele crescendo nas pesquisas até chegar à liderança.

Eu, desconfiado de que aquilo não ia dar certo, o que parecia novo era a velha política oligarca fantasiada de modernidade.

Houve momentos da disputa em que parecia que Afif Domingues, do PL, poderia decolar; o senador Mário Covas, do recém-criado PSDB, fez um discurso defendendo um “choque de capitalismo” e parecia uma alternativa melhor do que o novato Collor, mas não se mostrou viável, não decolou.

Lembro-me de uma conversa com o candidato do PMDB, Ulysses Guimarães, na casa de Renato Archer, levado por meu amigo Jorge Bastos Moreno, seu assessor de imprensa na campanha presidencial, em que o grande político falava na virada que daria quando o PMDB colocasse em campo toda sua máquina partidária, o que nunca aconteceu.

A campanha ia se afunilando com os três candidatos, Lula e Brizola pela esquerda e Collor pela direita, e o clima político foi se radicalizando à medida que se aproximava a definição.

Os programas eleitorais chamavam a atenção tanto pela agressividade, especialmente o de Collor, quanto pelas novidades tecnológicas que introduziram.

O presidente José Sarney foi atacado de todas as maneiras pelos candidatos, especialmente Collor, que o chamou até de “corrupto e safado”.

Lula não ficou atrás, e disse certa vez que Maluf era “um trombadinha” perto do governante da Nova República, José Sarney.

As redações eram majoritariamente petistas, e a do GLOBO não era diferente. Onde Lula aparecia, não era raro que até os repórteres aderissem ao coro de “Lu-la-lá” que arrebatava os militantes.

Eram comuns também os confrontos entre militantes, especialmente os “colloridos” contra os “petistas” — não que os brizolistas fossem menos agressivos.

Na Brizolândia, no centro do Rio, os confrontos eram diários.

Mas faltavam votos a Brizola em estados fundamentais, como Minas e São Paulo.

Na definição de quem iria para o segundo turno contra Collor, Brizola e Lula disputavam palmo a palmo.

Lula venceu por 0,5%, e Brizola morreu convencido de que fora roubado na apuração dos votos, numa conspiração para colocar Lula no segundo turno, um candidato mais fácil de ser derrotado, segundo Brizola.

Lula mostrou-se, porém, um candidato fortíssimo, e o grau de radicalização da campanha ganhou tons dramáticos.

Houve o polêmico episódio da Miriam Cordeiro, que foi levada ao programa de Collor para acusar Lula de tentar fazê-la abortar a filha de ambos, Lurian, poucos dias antes do debate do segundo turno entre Collor e Lula.

O debate foi tenso, com Collor sugerindo que tinha acusações gravíssimas contra Lula em uma pasta que colocou estrategicamente na sua mesa, e Lula nervoso, sem conseguir reagir.

Perdeu o debate e a eleição.

Hoje, 20 anos depois, vendo Lula, Sarney e Collor unidos no mesmo projeto político, vejo como eram ingênuos os militantes de ambos os lados, que radicalizaram aquela primeira eleição direta para presidente do Brasil depois da ditadura.

E, com o que aconteceu no governo Collor, e a confissão de Lula, de que não estava preparado para governar se fosse eleito, vê-se que não tínhamos escapatória naquele ano de 1989.

Qualquer que fosse o resultado, teria havido uma crise política.

Pensando bem, aquela cigana de Caxambu não estava com nada.

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