DEU EM O GLOBO
Com R$ 84 mil, moradores poderiam comprar pequenos apartamentos na Tijuca
Um levantamento feito pelo Globo revela que, desde 1983, o poder público - União, estado e prefeitura - investiu um total de R$ 123 milhões em obras ou programas sociais no Morro Dona Marta, que virou o modelo do projeto do governo do estado, de pacificação de favelas. Com esse dinheiro, seria possível indenizar em R$ 84 mil cada um dos 1.460 donos de imóveis da favela, em Botafogo. O valor é suficiente para a compra de um apartamento de dois quartos em bairros da Zona Norte, como a Tijuca - perto de favelas. A maior soma de recursos investidos no Dona Marta, cerca de R$ 38 milhões, vem sendo aplicada desde 2003 em moradias. o gasto atual com a UPP, que expulsou o tráfico depois de 30 anos de controle dos bandidos, é uma das despesas mais baixas: R$ 2,6 milhões por ano em salários para 123 policiais.
Um apartamento no asfalto
Dinheiro investido no Dona Marta é suficiente para adquirir um imóvel por família
Fábio Vasconcellos
Em evidência desde o fim do ano passado, quando a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) expulsou o tráfico armado, o Morro Dona Marta, em Botafogo, viu multiplicar as obras patrocinadas pelo poder público no local. São projetos como construção de casas, áreas de lazer, plano inclinado e melhoria da infraestrutura, muitos iniciados antes da chegada da UPP, mas que agora, com a segurança, vão mudando a comunidade. Tantas iniciativas, porém, acabaram despertando o debate sobre o modelo da política de desenvolvimento urbano e habitacional para o Rio. Afinal, para comunidades de pequeno porte, vale mais ampliar investimentos ou pagar indenizações para que os moradores possam adquirir imóveis em áreas já estruturadas? O caso do Dona Mar ta é um exemplo de como não falta dinheiro para as duas alternativas. O GLOBO calculou tudo que o poder público — União, estado e prefeitura — já aplicou desde 1983 ou ainda pretende investir na comunidade, seja em obras ou programas sociais. Resultado: o Morro Dona Marta foi beneficiado com um pacote de R$ 123 milhões nos últimos 26 anos. Com esse dinheiro, seria possível indenizar com R$ 84 mil cada um dos 1.460 donos de imóveis da favela.
Parece pouco, mas, segundo imobiliárias, com esse dinheiro seria possível comprar um apartamento de dois quartos na Tijuca — perto de favelas —, em Jacarepaguá, Engenho de Dentro, São Cristóvão, Méier, Madureira e Ilha do Governador.
Existe alternativa ainda mais barata, como o programa Minha Casa Minha, Minha Vida, que começará a entregar casas e apartamentos de dois quartos na Zona Oeste, no próximo ano. O futuro proprietário terá que pagar apenas 10% da renda familiar por dez anos. O programa federal é destinado a pessoas que ganham até três salários mínimos (R$ 1.395). Na prefeitura, 306 mil já se inscreveram para participar do programa.
UPP: R$ 2,6 milhões por ano com salários
A maior soma de recursos investidos no Dona Marta, cerca de R$ 38 milhões, vem sendo aplicada desde 2003 na recuperação de moradias, na construção de novas casas e creche — que, no ano passado, virou a sede da UPP —, além de um teleférico e de obras de esgotamento sanitário.
Nos anos 90, a Cedae já havia investido R$ 18 milhões em projetos de abastecimento de água. Para os próximos anos, a favela deverá receber mais R$ 25 milhões em obras, que serão financiadas pelo governo federal em parceria com o estado. O gasto atual com a UPP, que expulsou o tráfico depois de 30 anos de controle da comunidade por bandidos, é uma das despesas mais baixas: R$ 2,6 milhões por ano em salários para 123 policiais.
A presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Dayse Góis, defende que é necessário rever o modelo de desenvolvimento urbano da cidade. Na sua opinião, o poder público está “enxugando gelo”, e a prova está nos dados. Nos últimos anos, a prefeitura injetou US$ 600 milhões (R$ 1,034 bilhão) do Favela-Bairro em 168 comunidades, mas, ao mesmo tempo, outras 250 surgiram na cidade.
Dayse acrescenta que, apesar de alguma melhoria na infraestrutura, o município não conseguiu inserir essas favelas beneficiadas pelo programa na cidade formal. Para a presidente do IAB, é possível pensar em indenizações de pequenas e novas comunidades, mas é importante também incentivar construções populares em áreas com infraestrutura pronta e, ao mesmo tempo, facilitar o crédito para os moradores comprarem os imóveis.
— A política urbana como foi feita até agora é um sinal imperativo de que precisamos rever a nossa agenda social e urbanística.
A indenização deve ser vista com cautela, caso a caso. Acho que seria possível naquelas situações de novas ocupações, em áreas onde o custo dos investimentos não é capaz de gerar benefícios necessários para a comunidade — argumenta Dayse.
Na avaliação do secretário estadual da Casa Civil, Régis Fichtner, a hipótese de indenizações como política urbana está descartada.
Ele diz que o custo dessa medida seria muito elevado, o que poderia inviabilizar a aplicação de recursos em outras favelas. Fichtner ressalta que a ideia do governo é realizar melhorias nas comunidades e, com isso, deixar que o próprio mercado imobiliário se encarregue da compra dos imóveis e de outras melhorias.
O problema da titularidade dos imóveis não seria empecilho. O governo começará em breve a entregar títulos de posse a famílias que ocupam áreas do poder público nas favelas.
No Pavão-Pavãozinho (Copacabana) e no Cantagalo (Ipanema), 3.300 famílias receberão o documento.
— Não teríamos condições financeiras de indenizar uma favela inteira.
O valor de R$ 120 milhões de uma só vez no Dona Marta seria desproporcional ao que estamos aplicando em comunidades maiores. É quase o valor total de tudo que estamos fazendo no Complexo do Alemão — ressalta Fichtner.
O professor Istvan Karoly Kasznar, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda com a proposta de se repensar a política de urbanização.
Cético quanto aos benefícios das ações de remoção, Kasznar diz, contudo, que não vê nos programas de investimento atuais formas de impedir o avanço das comunidades ou melhorias efetivas para sua população.
Segundo ele, que estuda temas relacionados a políticas urbanas, apenas ações que possam ampliar a educação, a geração de emprego, a infraestrutura e a habitação popular em outras áreas da cidade poderiam de fato motivar as pessoas a deixarem as favelas.
— Enquanto não forem criadas áreas atrativas, a situação vai continuar como está. Você acha que pintar uma casa e colocar um teleférico resolve o problema das pessoas que estão na favela? Não é por aí. Ensinam às pessoas onde elas devem jogar o lixo, mas elas continuam vivendo na favela. A qualificação que é feita permite a otimização das ofertas e demandas da população da favela? Não acredito. A situação chegou a tal ponto que passamos a romantizar a favela, que agora virou atração turística — critica Kasznar.
O presidente do Conselho Regional de Engenharia (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro, também concorda que muitos investimentos nas favelas não surtiram o efeito esperado, especialmente pela qualidade das obras. Ele cita como exemplo as casas do Morro Dona Marta, que ainda estão em situação precária. Guerreiro diz que as indenizações poderiam ser feitas no início de pequenas ocupações.
Em comunidades mais antigas, na sua opinião, seria difícil adotar essa medida, já que os valores seriam altos para um só governo. Ele afirma que, no caso de imóveis em situação de risco ou em áreas de proteção ambiental, seria possível indenizar hoje entre 5% e 15% dos proprietários: — Os valores do Morro Dona Marta são altos, mas foram de vários governos ao longo de mais de 20 anos.
Acho que a política de indenizações seria possível hoje em casos específicos, como ocupações em áreas de risco ou em comunidades que estão começando a ser formar.
“A política urbana como foi feita até agora é um sinal imperativo de que precisamos rever a nossa agenda social e urbanística" Dayse Góis, presidente do IAB-RJ
Com R$ 84 mil, moradores poderiam comprar pequenos apartamentos na Tijuca
Um levantamento feito pelo Globo revela que, desde 1983, o poder público - União, estado e prefeitura - investiu um total de R$ 123 milhões em obras ou programas sociais no Morro Dona Marta, que virou o modelo do projeto do governo do estado, de pacificação de favelas. Com esse dinheiro, seria possível indenizar em R$ 84 mil cada um dos 1.460 donos de imóveis da favela, em Botafogo. O valor é suficiente para a compra de um apartamento de dois quartos em bairros da Zona Norte, como a Tijuca - perto de favelas. A maior soma de recursos investidos no Dona Marta, cerca de R$ 38 milhões, vem sendo aplicada desde 2003 em moradias. o gasto atual com a UPP, que expulsou o tráfico depois de 30 anos de controle dos bandidos, é uma das despesas mais baixas: R$ 2,6 milhões por ano em salários para 123 policiais.
Um apartamento no asfalto
Dinheiro investido no Dona Marta é suficiente para adquirir um imóvel por família
Fábio Vasconcellos
Em evidência desde o fim do ano passado, quando a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) expulsou o tráfico armado, o Morro Dona Marta, em Botafogo, viu multiplicar as obras patrocinadas pelo poder público no local. São projetos como construção de casas, áreas de lazer, plano inclinado e melhoria da infraestrutura, muitos iniciados antes da chegada da UPP, mas que agora, com a segurança, vão mudando a comunidade. Tantas iniciativas, porém, acabaram despertando o debate sobre o modelo da política de desenvolvimento urbano e habitacional para o Rio. Afinal, para comunidades de pequeno porte, vale mais ampliar investimentos ou pagar indenizações para que os moradores possam adquirir imóveis em áreas já estruturadas? O caso do Dona Mar ta é um exemplo de como não falta dinheiro para as duas alternativas. O GLOBO calculou tudo que o poder público — União, estado e prefeitura — já aplicou desde 1983 ou ainda pretende investir na comunidade, seja em obras ou programas sociais. Resultado: o Morro Dona Marta foi beneficiado com um pacote de R$ 123 milhões nos últimos 26 anos. Com esse dinheiro, seria possível indenizar com R$ 84 mil cada um dos 1.460 donos de imóveis da favela.
Parece pouco, mas, segundo imobiliárias, com esse dinheiro seria possível comprar um apartamento de dois quartos na Tijuca — perto de favelas —, em Jacarepaguá, Engenho de Dentro, São Cristóvão, Méier, Madureira e Ilha do Governador.
Existe alternativa ainda mais barata, como o programa Minha Casa Minha, Minha Vida, que começará a entregar casas e apartamentos de dois quartos na Zona Oeste, no próximo ano. O futuro proprietário terá que pagar apenas 10% da renda familiar por dez anos. O programa federal é destinado a pessoas que ganham até três salários mínimos (R$ 1.395). Na prefeitura, 306 mil já se inscreveram para participar do programa.
UPP: R$ 2,6 milhões por ano com salários
A maior soma de recursos investidos no Dona Marta, cerca de R$ 38 milhões, vem sendo aplicada desde 2003 na recuperação de moradias, na construção de novas casas e creche — que, no ano passado, virou a sede da UPP —, além de um teleférico e de obras de esgotamento sanitário.
Nos anos 90, a Cedae já havia investido R$ 18 milhões em projetos de abastecimento de água. Para os próximos anos, a favela deverá receber mais R$ 25 milhões em obras, que serão financiadas pelo governo federal em parceria com o estado. O gasto atual com a UPP, que expulsou o tráfico depois de 30 anos de controle da comunidade por bandidos, é uma das despesas mais baixas: R$ 2,6 milhões por ano em salários para 123 policiais.
A presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Dayse Góis, defende que é necessário rever o modelo de desenvolvimento urbano da cidade. Na sua opinião, o poder público está “enxugando gelo”, e a prova está nos dados. Nos últimos anos, a prefeitura injetou US$ 600 milhões (R$ 1,034 bilhão) do Favela-Bairro em 168 comunidades, mas, ao mesmo tempo, outras 250 surgiram na cidade.
Dayse acrescenta que, apesar de alguma melhoria na infraestrutura, o município não conseguiu inserir essas favelas beneficiadas pelo programa na cidade formal. Para a presidente do IAB, é possível pensar em indenizações de pequenas e novas comunidades, mas é importante também incentivar construções populares em áreas com infraestrutura pronta e, ao mesmo tempo, facilitar o crédito para os moradores comprarem os imóveis.
— A política urbana como foi feita até agora é um sinal imperativo de que precisamos rever a nossa agenda social e urbanística.
A indenização deve ser vista com cautela, caso a caso. Acho que seria possível naquelas situações de novas ocupações, em áreas onde o custo dos investimentos não é capaz de gerar benefícios necessários para a comunidade — argumenta Dayse.
Na avaliação do secretário estadual da Casa Civil, Régis Fichtner, a hipótese de indenizações como política urbana está descartada.
Ele diz que o custo dessa medida seria muito elevado, o que poderia inviabilizar a aplicação de recursos em outras favelas. Fichtner ressalta que a ideia do governo é realizar melhorias nas comunidades e, com isso, deixar que o próprio mercado imobiliário se encarregue da compra dos imóveis e de outras melhorias.
O problema da titularidade dos imóveis não seria empecilho. O governo começará em breve a entregar títulos de posse a famílias que ocupam áreas do poder público nas favelas.
No Pavão-Pavãozinho (Copacabana) e no Cantagalo (Ipanema), 3.300 famílias receberão o documento.
— Não teríamos condições financeiras de indenizar uma favela inteira.
O valor de R$ 120 milhões de uma só vez no Dona Marta seria desproporcional ao que estamos aplicando em comunidades maiores. É quase o valor total de tudo que estamos fazendo no Complexo do Alemão — ressalta Fichtner.
O professor Istvan Karoly Kasznar, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda com a proposta de se repensar a política de urbanização.
Cético quanto aos benefícios das ações de remoção, Kasznar diz, contudo, que não vê nos programas de investimento atuais formas de impedir o avanço das comunidades ou melhorias efetivas para sua população.
Segundo ele, que estuda temas relacionados a políticas urbanas, apenas ações que possam ampliar a educação, a geração de emprego, a infraestrutura e a habitação popular em outras áreas da cidade poderiam de fato motivar as pessoas a deixarem as favelas.
— Enquanto não forem criadas áreas atrativas, a situação vai continuar como está. Você acha que pintar uma casa e colocar um teleférico resolve o problema das pessoas que estão na favela? Não é por aí. Ensinam às pessoas onde elas devem jogar o lixo, mas elas continuam vivendo na favela. A qualificação que é feita permite a otimização das ofertas e demandas da população da favela? Não acredito. A situação chegou a tal ponto que passamos a romantizar a favela, que agora virou atração turística — critica Kasznar.
O presidente do Conselho Regional de Engenharia (Crea-RJ), Agostinho Guerreiro, também concorda que muitos investimentos nas favelas não surtiram o efeito esperado, especialmente pela qualidade das obras. Ele cita como exemplo as casas do Morro Dona Marta, que ainda estão em situação precária. Guerreiro diz que as indenizações poderiam ser feitas no início de pequenas ocupações.
Em comunidades mais antigas, na sua opinião, seria difícil adotar essa medida, já que os valores seriam altos para um só governo. Ele afirma que, no caso de imóveis em situação de risco ou em áreas de proteção ambiental, seria possível indenizar hoje entre 5% e 15% dos proprietários: — Os valores do Morro Dona Marta são altos, mas foram de vários governos ao longo de mais de 20 anos.
Acho que a política de indenizações seria possível hoje em casos específicos, como ocupações em áreas de risco ou em comunidades que estão começando a ser formar.
“A política urbana como foi feita até agora é um sinal imperativo de que precisamos rever a nossa agenda social e urbanística" Dayse Góis, presidente do IAB-RJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário