quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O passado, a demonização e o futuro

DEU EM O GLOBO

Para especialistas, campanha eleitoral precisa apontar quais são os planos de Dilma e Serra para o próximo governo

Carolina Benevides e Tatiana Farah

RIO e SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique “mordeu a isca” dos petistas para antecipar o debate eleitoral numa comparação entre os dois governos, mas cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO dizem que o importante é que esse debate não se concentre no passado, e sim aponte para os rumos que o país deve seguir.

— Ele (FH) mordeu a isca, é óbvio, mas não poderia ser diferente. Já que ninguém defende (seu governo), ele defende — diz o professor de Ciências Políticas da USP Gildo Marçal Brandão.

Para Brandão, o artigo do ex-presidente publicado no GLOBO de domingo provoca um debate de mais qualidade.

— Com o artigo de Fernando Henrique, quer se concorde com ele ou não, quem ganha é a boa discussão. O resto faz parte do jogo político. Para o eleitor, é bom o debate. A pessoa quer uma discussão que seja uma paz de cemitérios? — diz Brandão, para quem é preciso fugir do tom emocional. — É preciso fazer uma análise menos Fla-Flu. Os jornalistas poderiam fazer um bom serviço se aprofundassem esse debate. A questão central é para onde estamos indo. Esses dois governos têm feito melhorias substanciais para o país.

O economista Alexandre Marinis, sócio da consultoria Mosaico, também acha que o debate deve ser aprofundado neste ano eleitoral: — Se a campanha mostrar dados macroeconômicos, os que medem o bemestar da população, as taxas de desemprego, o crescimento econômico, e mesmo a queda da inflação, a candidata do presidente Lula tem vantagem. Mas se formos olhar o que viabilizou esses resultados positivos, então o candidato de FH tem mais pontos a favor. No entanto, acredito que, se querem mesmo fazer comparações, o melhor é relembrar tudo o que aconteceu nos últimos anos, incluindo decisões que o PT tomou quando as privatizações começaram, o fato de o partido não ter apoiado o Real e não ter assinado a Constituição de 1988.
Todas essas decisões atrapalharam o desenvolvimento, e isso Lula não recorda — diz Marinis,
acrescentando que, se a campanha ficar restrita a comparações, não será possível mostrar para onde o país caminha.

O professor da Fundação Getulio Vargas Antonio Carlos Pôrto Gonçalves diz que o debate não pode ficar preso ao passado: — O importante era que a campanha comparasse o que Dilma (Rousseff, do PT) e (José) Serra (do PSDB) estão propondo. Lula e FH não serão eleitos. É hora de olhar para a frente.

No futuro, os governos de Fernando Henrique e Lula deverão ser vistos como um período contínuo de avanços, na opinião de José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

— O Brasil fez uma revolução econômica nos últimos 25 anos. Foi um processo de todos os governos. Acredito que a História vai dizer que essa foi a “era FH/Lula”, já que eles promoveram um pacote importante de reformas no país. Agora, na hora de mostrar isso na campanha vai ganhar quem tiver o marketing mais competente.

O cientista político Leôncio Martins Rodrigues, da USP, critica a demonização do governo anterior feita pelo PT: — A demonização é uma posição habitual da esquerda. O outro não é adversário, é um inimigo. É dizer que tudo o que existe de bom veio na gestão de Lula. E que, de Fernando Henrique, ficou a “herança maldita”.

Com esse quadro, Rodrigues diz que só cabia mesmo a Fernando Henrique responder: — Ele respondeu adequadamente, com dados concretos.

O cientista político David Fleischer, da UnB, pensa diferente. Para ele, a posição mais contundente do ex-presidente é favorável aos petistas.

— Lula e Dilma ganham. Eles queriam uma polêmica para comparar os dois governos. Jogaram várias iscas, mas a oposição vem evitando o debate.

Fernando Henrique mordeu a isca porque é muito vaidoso e morre de ciúme de Lula. Não aguenta a comparação — diz ele.

Fleischer vê nessa comparação entre governos algo prejudicial para os eleitores brasileiros: — É um debate que olha para o passado.

Lula já é passado e Fernando Henrique é mais ainda. A campanha deveria comparar propostas para o futuro

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