segunda-feira, 15 de março de 2010

Uma nova microeconomia no Brasil:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Vamos completar neste anoo mais longo período de estabilidade econômica de nossa história recente. A continuidade de uma política econômica correta por quatro mandatos presidenciais consecutivos é certamente a força principal por trás dessa conquista.

Não pretendo adicionar aqui mais uma reflexão sobre os benefícios dessa feliz ocorrência. Quero dividir com o leitor do Valor algumas observações da equipe de economistas da Quest sobre o comportamento do consumo do brasileiro nesse quadro de estabilidade. Nesses números podemos identificar os benefícios concretos - para o cidadão - desse longo período de racionalidade econômica

Escolhi o mercado de automóveis nos últimos anos como base para minhas observações. Mas vários outros segmentos de consumo apresentam o mesmo quadro positivo. O principal motivo dessa escolha é que nele encontramos a convergência de vários fenômenos micro econômicos -tornados possíveis pelo longo período de estabilidade que vivemos -agindo simultaneamente de forma virtuosa.

O Brasil é hoje o quinto maior mercado de automóveis no mundo,suplantando recentemente a poderosa e rica Alemanha. Sei que os mais pessimistas vão tentar minimizar esse fato. Afinal a Alemanha tem apenas pouco mais de oitenta milhões de habitantes e vive hoje uma crise gravíssima. Vejamos o que pode ser contraposto a esse argumento.

Em primeiro lugar a diferença de tamanho entre os dois mercados é menor do que a desproporção entre as rendas per capita dos dois países. Em segundo lugar os contratos de financiamento na Alemanha são realizados no fortíssimo euro - ainda a segunda mais sólida moeda do mundo -enquanto que no Brasil é o emergente real que é usado. Por isso a diferença nos juros dos contratos é quase abissal, o que faz com que os números brasileiros sejam ainda mais extraordinários. Finalmente a taxa de crescimento do mercado de automóveis no Brasil nos próximos anos deve ser - no mínimo - duas vezes a da Alemanha.

As razões para esse dinamismo tão forte são várias. As mais importantes segundo a pesquisa da Quest foram: o crescimento continuado da oferta de crédito em função da confiança dos bancos na economia e na moeda, a estabilidade de médio prazo na taxa de câmbio, o crescimento das importações de veículos e o aumento real da massa salarial.

Na pesquisa usou-se um automóvel popular de valor de venda equivalente aR$ 25 mil. Em julho de 2000, para se comprar esse carro, eram necessários mais de 140 salários mínimos; em janeiro de 2010 apenas 54,com uma queda no período de 61%.

No caso da prestação de um financiamento padrão para a compra a prazo desse mesmo veículo - segundo as condições correntes de juros e prazos divulgadas mensalmente pelo Banco Central - a redução foi ainda maior.Em julho de 2000 uma prestação equivalia a 6,8 salários mínimos; em dezembro deste ano a apenas 2. Uma redução de mais de 70%.

Os economistas da Quest quantificaram a participação de cada um dos fatores citados acima nessa impressionante redução dos custos na compra de um carro. E chegaram a conclusões interessantíssimas. Na redução do valor das prestações, 39% pode ser explicada pelo aumento real do salário mínimo, 36% pela queda no valor real do automóvel e 25 % pela melhora nas condições de financiamento causado por juros mais baixos e prazo de financiamento maior.

O primeiro fator identificado na pesquisa - o aumento real do salário mínimo - foi o resultado da política salarial adotada pelo governo Lula. Não tem - portanto - origem nos efeitos criados pelo longo período de estabilidade que estamos vivendo. Mas os outros dois fatores- queda do preço real do automóvel e melhora nas condições de financiamento - são resultados diretos dessa micro economia mais eficiente de hoje.

No caso da queda dos preços dos automóveis, os dois fatores principais foram a estabilidade da taxa de câmbio e o aumento das importações. A taxa de câmbio estável e com credibilidade permitiu investimentos privados na criação de redes nacionais de venda de veículos importados e aumento de suas vendas. Mesmo com as importações concentradas nos segmentos de maior valor, a concorrência de veículos produzidos no exterior evitou que a maior demanda interna permitisse aos fabricantes brasileiros usar seu poder de preços para aumentar suas margens de lucros ou do aparecimento do tão tradicional ágio. Os preços dos carros de maior valor, ancorados pela concorrência das importações, acabaram por funcionar como um limite superior para os carros populares.

Pó outro lado, a elevada proteção tarifária na importação de veículos permitiu que as empresas brasileiras pudessem trabalhar com custos de produção mais elevados - reflexos do chamado Custo Brasil - sem que o consumidor ficasse desprotegido contra abusos e exageros. Entendo que trabalhamos hoje com uma combinação eficiente de proteção tarifária para a indústria nacional e defesa do interesse do consumidor.

Já a parcela da queda no valor das prestações de um carro financiado relativas às condições de financiamento também está diretamente relacionada à longa estabilidade de nossa economia. Em um clima de maior confiança os bancos alongaram os prazos de seus contratos e reduziram os juros cobrados dos consumidores. Isso fica claro quando analisamos os dados compilados pelo Banco Central, principalmente depois de 2006.

Foi essa combinação de fatores micro e crescimento econômico que permitiram o setor automobilístico brasileiro superar o alemão. Mas outros dados da pesquisa da Quest chamam a atenção. Quando comparamos a evolução dos preços dos veículos nacionais com o do setor de serviços esse ganho de eficiência chama ainda mais a atenção. Entre julho de 2000 e janeiro de2010 a tarifa de ônibus aumentou 70% mais do que o preço de um carro popular. O mesmo comportamento ocorreu com as mensalidades escolares(60% a mais) e energia elétrica residencial (também 60% a mais) e outros serviços.

Essas diferenças reforçam minha observação sobre o importante papel que as importações tiveram na queda dos preços dos automóveis e outros bens de consumo duráveis durante os últimos anos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

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